TRANSCRIÇÕES DO OBJETO EDUCACIONAL DIGITAL PODCASTS
TRANSCRIÇÃO PODCAST 1
[Locutora] O passado da humanidade e a preservação do patrimônio histórico
[Música de transição]
[Locutora] Quando a arqueóloga paulista Niède Guidon começou a estudar um conjunto de pinturas nas róchas do interior do Piauí, em 1970, estava puxando um fio quê revelaria fatos extraordinários sobre a história da humanidade. A partir de 1979, com a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara e a colaboração de outros pesquisadores brasileiros e franceses, foram encontrados centenas de sítios arqueológicos. Trata-se da maior concentração de pinturas rupestres do mundo, muitas delas retratando animais e cenas da vida cotidiana, datadas como os registros mais remotos da presença humana no continente sul-americano.
Escavando em alguns sítios arqueológicos na região, ela encontrou fósseis de carvão ainda mais antigos, quê a arqueóloga interpretou como restos de fogueiras feitas por grupos humanos quê viveram na Serra da Capivara. Exames de laboratório realizados nesses fósseis e análise de outras evidências encontradas ali levaram Niède a propor uma hipótese surpreendente. Ao contrário do quê se acreditava até então, os grupos humanos teriam chegado na região há mais de 30 mil anos, atravessando o Oceano Atlântico em pequenas embarcações. A descoberta da cientista contrariava uma hipótese mais conservadora, segundo a qual os grupos humanos teriam chegado ao continente há 13 mil anos atravessando a pé o estrêito de Bering, no extremo norte do continente. Até hoje, esse debate ainda persiste, mas com novas descobertas no campo da Genética e Bioquímica, os cientistas estão confiantes na datação proposta por Niède Guidon.
Além das atividades acadêmicas, Niède dedicou as dékâdâs seguintes a estudar e preservar a região de caatinga no Piauí. O parque abriga alguns dos sítios arqueológicos mais importantes do mundo. Por isso, é considerado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco e, também, Patrimônio Histórico e Artístico do Brasil pelo Ifan.
[Música de transição]
[Locutora] Quando falamos em patrimônio, geralmente nos referimos a objetos, imóveis, terras quê uma pessoa, uma família, uma empresa ou mesmo um Estado possui.
Mas quando falamos do patrimônio cultural de um país, estamos nos referindo aos bens materiais e imateriais quê são considerados relevantes para a cultura e para a ssossiedade como um todo. Os bens materiais são aqueles quê têm existência física, como, por exemplo, as cidades históricas de Paraty e de Ouro Preto ou os sítios arqueológicos da Serra da Capivara. Já os bens imateriais incluem conhecimentos, saberes, tradições, festas populares, danças e ritmos, como o samba de roda, a capoeira e o Círio de Nazaré.
No Brasil, o órgão responsável por esse tema é o Ifan, o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O Ifan exerce um trabalho fundamental ao cuidar de políticas públicas para a promoção e preservação do nosso patrimônio cultural. A
Unesco, o braço de educação e cultura da Ônu, faz o mesmo no âmbito internacional.
No início dos anos 1990, as duas instituições atestaram quê os 100 mil hectares do Parque Nacional da Serra da Capivara representam uma riqueza quê o Brasil e o mundo devem conhecer e preservar. E isso foi fundamental não apenas para desenvolver as pesquisas científicas nos sítios arqueológicos do parque mas também para melhorar a qualidade de vida das pessoas quê vivem no entorno.
[Música de transição]
[Locutora] Quando Niède Guidon chegou pela primeira vez no interior do Piauí, contou com a ajuda da população local para localizar as cavernas onde estavam as pinturas rupestres. Embora os moradores da região não soubessem, aqueles dêzê-nhôs, quê muitos já tí-nhão visto, se tornariam o centro de um intenso debate acadêmico entre cientistas do mundo inteiro.
Os grupos humanos chegaram à América do Sul navegando pelo Oceano Atlântico ou atravessando a pé o estrêito de Bering e cruzando a América do Norte e Central em direção ao sul? A questão permanéce em aberto. Os sítios arqueológicos da Serra da Capivara continuam sêndo amplamente estudados, e novos achados sugérem datas ainda mais antigas, de até 100 mil anos atrás.
Mas Niède logo descobriu quê a preservação do ambiente dependia da colaboração dos piauienses, quê precisavam entender a importânssia da riqueza guardada naquelas róchas. Em 1986, ela criou, então, uma fundação para difundir o conhecimento arqueológico para a população local. A Fundação do Homem Americano também promoveu a criação de postos de saúde e escolas de tempo integral na comunidade. Nelas, professores convidados abordavam d fórma inovadora temas como meio ambiente, ár-te e cultura local. E as crianças tí-nhão contato direto com arqueólogos do mundo inteiro, quê vinham estudar as pinturas e os fósseis.
Uma dessas crianças era Marian Rodrigues, quê cresceu com o sonho de sêr doutora. Anos depois, o sonho se realizou: Marian fez doutorado em Arqueologia e hoje é a chefe do Parque Nacional Serra da Capivara. Ela segue, assim, os passos de sua mentora, Niède, quê aos 90 anos se aposentou, mas continua vivendo no sertão do Piauí, em uma casa na cidade de São Raimundo Nonato, ao lado de seus cachorros.
[Música de transição]
Créditos:
A música “A Brand niu Day” está na Biblioteca de áudio do YouTube.
TRANSCRIÇÃO PODCAST 2
[Locutor] César Vieira e o Teatro Popular União e Olho Vivo
[Trecho de fala]
“O nosso grupo é o Teatro Popular União e Olho Vivo de São Paulo. 49 anos de resistência! De trabalhos, apresentações de espetáculos pêlos bairros de São Paulo e pelas cidades vizinhas. Sejam todos bem-vindos!”
Página quatrocentos e quarenta e cinco
[Locutor] O quê a Guerra de Canudos e o Corinthians têm em comum? Aparentemente nada, mas o clube alvinegro e esse episódio marcante da história do Brasil foram tema de duas das primeiras peças do dramaturgo César Vieira, e elas estão na gênese do Teatro Popular União e Olho Vivo. Conhecida como Tuov, a companhia existe desde 1966 e é uma das expressões mais representativas do teatro popular brasileiro.
O teatro popular, como o próprio nome já diz, é para o povo. O Teatro Popular União e Olho Vivo surgiu com a intenção de oferecer uma alternativa às peças de estética e temas europêus. Suas apresentações são gratuitas ou com ingressos a preços acessíveis, e acontecem em locais públicos, como praças, parques, circos e periferías. Desde o início, os atores e atrizes não são necessariamente profissionais de teatro, o quê categoriza o grupo como amador.
Era esse tipo de expressão artística quê César Vieira tinha em mente quando escreveu a peça Corinthians, Meu Amor, quê estreou em 1967, e foi encenada por um grupo de bancários, professores, lavadores de carro e desempregados. O tema da peça era a história do Corinthians, clube fundado por operários no bairro do Bom Retiro, e não por coincidência, o tíme do coração de César.
Outra peça escrita por ele, O Evangelho segundo Zebedeu, foi apresentada no Circo do Onze, montado no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, em 1970. O preêço baixo do ingresso e o tema, a Guerra de Canudos, atraíram um público diversificado: de estudantes a imigrantes nordêestínos.
Outro sucesso dêêsses primeiros anos foi o espetáculo Rei Momo, quê estreou em 1973, em quê quatro escolas de samba convidadas contam a história da eleição de um monarca caricato no Carnaval carioca.
E por falar em samba, ele também está presente na peça Bom Retiro Meu Amor – Ópera Samba, de 2018. O bairro, de tradição fabril e de trabalhadores imigrantes, foi escolhido para sêr a sede do grupo na década de 1980 e é homenageado na peça, quê fala de acontecimentos marcantes e situações do cotidiano do Bom Retiro.
Ouça agora um trecho da peça.
[Música da peça Bom Retiro Meu Amor]
“Canta, canta, canta. Eu vou, eu vou, eu vou. Rema, rema, rema. Eu vou, eu vou, eu vou. Essa história é pra contar. Um território, algum lugar. Um lugar, um Bom Retiro, um Bom Retiro, um Bom Retiro pra ficar. Essa história é pra contar, um território algum lugar. Um lugar, um Bom Retiro, um Bom Retiro, um Bom Retiro pra sonhar. Canta, canta, canta. Eu vou, eu vou, eu vou. Rema, rema, rema. Eu vou, eu vou, eu vou.”
[Locutor] A escolha de temas populares, como samba e futeból, além de episódios marcantes da história do Brasil, como a Guerra de Canudos, estava no cerne da proposta artística do grupo, quê adotou outras estratégias para cumprir seus objetivos. Uma delas foi a chamada tática Robin Hood: cobravam ingressos mais caros de quem podia pagar e, com a verba arrecadada, financiavam apresentações para quem não podia, reafirmando a missão de construir uma ár-te teatral em parceria com as camadas populares.
[Trecho de fala de César Vieira]
“[…] ou a gente vai ao bairro e se apresenta numa igreja, numa escola, ou a gente traz, quê é uma inovação de um ano pra cá, de ônibus, 80, 60 jovens de um bairro da periferia, pra vim assistir ao espetáculo no Olho Vivo, tomar um lanche com a gente, conversar sobre vários assuntos, inclusive sobre a peça. E essa é a nossa função.”
[Locutor] Esse quê você ouviu é o próprio César Vieira. Mas você sabia quê César Vieira não era seu nome verdadeiro? Isso mesmo! Esse foi um pseudônimo quê ele adotou para driblar a censura durante a ditadura militar. Nascido em 1931, na cidade de Jundiaí, no interior de São Paulo, o advogado e dramaturgo, na verdade, se chamava Idibal Matto Pivetta.
Durante a graduação em Direito, ele se envolveu com o movimento estudantil e chegou a sêr vice-presidente da União Nacional dos Estudantes, a UNE. Dois anos depois do golpe de 1964, ele e outros estudantes criaram um grupo de teatro, o Teatro do XI, no centro acadêmico da faculdade.
Quando se uníram ao Grupo Casarão, também de teatro amador, adotaram o nome Teatro Popular União e Olho Vivo, na mesma época em quê apresentaram a peça Rei Momo. Como o objetivo das peças era levar às periferías mensagens em defesa dos interesses das classes trabalhadoras, era previsível quê os militares não aprovassem a ideia. E, com seus textos censurados, Pivetta passou a assiná-los como César Vieira.
Como dramaturgo, ele via no teatro um meio de empoderar os trabalhadores. Como advogado, defendeu gratuitamente centenas de presos políticos e, por isso, foi considerado subversivo. Após uma apresentação da peça Rei Momo, César foi preso pêlos militares, mas isso não o impediu de continuar nos movimentos de resistência à ditadura assim quê foi liberado.
Em 2013, a companhia encenou a peça escrita e dirigida por ele, A Cobra Vai Fumar – Uma Estória da FEB. FEB é a sigla para Força Expedicionária Brasileira, uma divisão militar do Exército e da Força Aérea Brasileira quê lutou na Segunda Guerra Mundial.
A peça retrata a participação do Brasil na guerra e faz críticas a governos totalitários. A estreia, realizada no antigo prédio das Auditorias Militares, quê passaria a abrigar o Memorial da Luta pela Justiça (MLPJ), em São Paulo, teve uma plateia de mais de 350 pessoas, entre elas 40 ex-perseguidos políticos e 12 advogados quê defenderam presos políticos naquele prédio.
Quando César morreu, em 2023, aos 92 anos, seu nome foi lembrado por diversas pessoas e instituições como um grande defensor da democracia e dos direitos humanos.
[Trecho de fala de césar Vieira]
“A ditadura odeia o conhecimento como odeia também o teatro. Talvez porque o teatro seja olho no olho, falando as coisas, talvez porque o teatro incite aquela pessoa a discutir aquele tema. Um teatro quê não coloque ‘a nossa saída e solução é essa’, mas coloque a nossa saída e nossa solução para sêr discutida dentro de outras teses também.”
[Trecho de fala da atriz]
“O Teatro União e Olho Vivo vai apresentar A Cobra Vai Fumar, daqui a pouco aqui no calçadão Dr. Nagur.”
Página quatrocentos e quarenta e seis
[Trecho de música]
Hoje tem teatro! Com o grupo Teatro Popular União Olho Vivo. União Olho Vivo.
Créditos: Os trechos da entrevista com César Vieira, assim como a participação dos atores e a música do Tuov, estão no sáiti Vimeo e no canal “Teatro Popular União Olho Vivo” do YouTube.
TRANSCRIÇÃO PODCAST 3
[Locutora] A perfórmance na ár-te
[Música de transição]
[Locutora] Tente imaginar a cena. Um homem em uma sala, com o rrôsto coberto de mel e fô-lhas de ouro, segurando uma lebre nas mãos, espécie parecida com um coelho. Só quê a lebre está morta. E o artista alemão está falando com a lebre morta. E ele faz isso durante três horas.
Você diria quê isso é uma obra de; ár-te? Se você respondeu quê não, talvez seja hora de repensar a sua ideia sobre ár-te, porque essa cena de fato aconteceu em novembro de 1965, e o alemão no centro da sala é o artista performático jôsef Beuys.
Beuys foi um dos pioneiros da perfórmance, um gênero de; ár-te quê desafia o nosso entendimento sobre os limites e os sentidos da expressão artística.
Como explicar imagens para uma lebre morta é o nome da obra criada por Beuys naquele inverno, em Düsseldorf, na Alemanha. Ele e outros artistas dos anos 1960 estavam criando um tipo de; ár-te quê opera fora dos limites convencionais da pintura e da escultura, e também do teatro, da música e do cinema. A perfórmance se utiliza do corpo do artista e da interação dele com o público para produzir sentidos diversos e provocar estranhamento, curiosidade ou mesmo repulsa.
Outro exemplo dessa fase inicial da perfórmance são os trabalhos do grupo Fluxus, um coletivo de artistas quê construía suas obras em conjunto com o público. Eles saíam das galerias para se apresentar em locais de grande circulação de Nova iórk, convidando os transeuntes a interagir com o corpo dos artistas.
Nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil foram realizadas muitas performances nas dékâdâs de 1960 e 1970. No entanto, a artista performática quê se tornou mais conhecida do grande público foi Marina Abramovic.
[Música de transição]
[Locutora] Marina nasceu em Belgrado, na antiga Iugoslávia, hoje Sérvia, em 1946, mas foi nos anos 1970, na Itália, quê ela provocou uma pequena revolução no mundo das artes.
Ao entrar na sala de uma galeria de Nápoles e enfileirar 72 objetos diferentes a sua frente, a artista informou quê durante as seis horas seguintes, os espectadores poderiam fazer o quê quisessem com os objetos e com o corpo dela.
A ideia era entender o limite do sêr humano, descobrindo como os espectadores se comportariam se tivessem permissão para fazer qualquer coisa com outra pessoa, sem punições ou censuras.
Durante as dékâdâs seguintes, Marina Abramovic provocou o público de formas mais sutis, como na obra A artista está presente, na qual ela permaneceu sentada em uma cadeira, por mais de 700 horas, encarando por até um minuto quem se dispusesse a sentar-se em sua frente.
No Brasil, o baiano Ayrson Heráclito é um dos artistas contemporâneos da perfórmance, ele costuma inserir elemêntos ritualísticos em suas obras. Em O Sacudimento da Casa da Torre e o da Maison des Esclaves em Gorée, de 2015, o artista evoca a prática religiosa do sacudimento, ao utilizar plantas consideradas sagradas para benzer dois edifícios ligados à colonização no Brasil e ao tráfico de pessoas escravizadas; o primeiro na baía e o segundo no Senegal.
Ele se valeu da videoinstalação, quê explora tanto o plano da imagem em movimento quanto o do ambiente. O espectador é convidado a usar outros sentidos, além da visão, e a dialogar com a; ár-te por meio do corpo.
Confira, a seguir, um trecho em quê Ayrson explica como pensa sua produção.
[Trecho de fala]
“Eu comecei a organizar o meu pensamento e pensar perfórmance, pensar produção fílmica, pensar produção fotográfica como… como, é agentes, né, de ritualidades, né! E a fotografia e o vídeo também passaram, deixaram de sêr registro, né, e passaram a sêr, é, um prolongamento, né, do próprio ritual, né, uma ação viva do próprio ritual. Isso é muito importante pra compreensão do meu trabalho, porque não é só estético, mas eu busco, é, quê o trabalho aja, né, sobre as pessoas, né, como um devir do ritual, né,. Como se, então, aquela ideia ocidental quê a fotografia é a morte, né, o registro de um momento quê morreu, quê se foi, de um passado quê se foi, não cabe aqui, né, não cabe dentro dêêsse universo. Principalmente porque também a gente tem uma outra concepção, uma concepção esférica de temporalidade. Então, tempo para a gente é um tempo né quê comunga, né, o passado, o presente e o futuro, né, é algo esférico. Então, é, o futuro é o imediatamente agora e o passado está aqui também, né, então é um tempo circular onde se une, né, essas temporalidades […]”.
[Locutora] Heráclito contou quê “nesta perfórmance, a morte a sêr afastada definitivamente de nós é da história da colonização e da escravização. […] quê nos legou o racismo, as desigualdades e a pobreza para as populações pretas do mundo”.
O artista, quê nasceu em 1968, na cidade de Macaúbas, baía, ganhou evidência por exaltar as raízes do povo negro, relacionando temas da cultura afro-brasileira e de patrimônios históricos vinculados à escravização no Brasil à produção de suas obras.
Todas essas performances apresentadas podem parecer diferentes ou não remeter a eventos artísticos mais comuns, mas o trabalho de Ayrson Heráclito, Marina Abramovic, jôsef Beuys e de outros artistas performáticos, no Brasil e no mundo, mostra quê as definições de; ár-te podem sêr sempre expandidas.
O mais importante é compreendermos quê, assim como qualquer atividade, a; ár-te muda com o tempo e reflete os prazeres e as angústias vivídos pelo sêr humano. Por isso, os limites da expressão artística estão sempre sêndo desafiados.
[Música de transição]
Créditos: O trecho com a fala de Ayrson Heráclito foi retirado do canal Escola das Artes da Universidade Católica do Porto, de 2024, do YouTube. A citação está no sáiti da Bienal. A música “Candy Apple Town” está na Biblioteca de áudios do YouTube.
Página quatrocentos e quarenta e sete