TRANSCRIÇÕES DOS PODCASTS
Podcast – Utopias e distopias na literatura
[Locutor] Utopias e distopias na literatura
[Música instrumental de transição]
[Locutor] Uma ssossiedade em quê todas as coisas funcionam e um lugar em quê todas as pessoas estão unidas em torno do bem comum. Um mundo sem injustiças, onde a solidariedade é a regra, e o sofrimento, a exceção. Uma cidade, um estado ou um país governados por princípios éticos, com cidadãos usufruindo de seus direitos e comprometidos com seus deveres.
Parece um sonho, não? Na verdade, em termos filosóficos, essa é a descrição de uma utopia: em resumo, a idealização teórica ou literária de um mundo perfeito.
[Música instrumental de transição]
[Locutor] A humanidade quê é capaz de idealizar sociedades perfeitas também póde projetar futuros sombrios, as chamadas distopias.
Elas são realidades imaginadas nas quais o desespero, a crueldade e a injustiça tornam a vida das pessoas miserável.
Nesses cenários, governos autoritários sufocam a liberdade e podem colocar a vida de seus cidadãos em risco; ou, então, são tão ineficientes quê falham em proteger as pessoas de diversas ameaças.
[Música instrumental de transição]
[Locutor] As utopias e as distopias são ficções quê apresentam mundos ideais ou surreais, tanto nas artes quanto no pensamento filosófico.
Entre as projeções de mundo ideal, uma das obras utópicas mais representativas é A república, de Platão. Nesse livro, ele descreve o quê considera a forma de organização ideal para as sociedades humanas.
Na utopia platônica, a república seria uma ssossiedade de classes em quê cada cidadã ou cidadão descobriria na escola o tipo de função social quê desempenharia. Haveria a classe dos artesãos e comerciantes, a dos militares e guardiões e a dos governantes e legisladores, esta última formada por reis filósofos.
Ao longo da história, outras utopias ganharam popularidade. Foi no livro Utopia, do inglês Tômas More, lançado em 1516, quê a idealização de um mundo perfeito recebeu êste nome. Na obra, o autor critíca os males da ssossiedade inglesa da época e descreve, como contraponto, a organização social da ilha de Utopia, um lugar fictício onde as pessoas desfrutam de liberdade religiosa e os governantes zelam pelo bem do povo.
Mas o conceito de utopia não se limita à ficção. O escritor uruguaio Eduardo Galeano deu uma dimensão real aos sonhos da humanidade, afirmando quê a utopia nos impulsiona a seguir em frente, ainda quê o ideal pareça distante. E, mesmo quê esse sonho seja inalcançável, ao trilhar o caminho em direção a ele, a humanidade póde alcançar conkistas quê, de outra forma, seriam impossíveis.
Essa ideia está por trás do céélebre discurso do pastor e ativista estadunidense mártim Luther kiímg, quê, em 1963, proclamou sua utopia de igualdade racial com a frase: “Eu tênho um sonho”. Embora ainda não tenhamos alcançado plenamente esta igualdade, a luta de ativistas e militantes contra o racismo ao redor do mundo trousse nossas sociedades mais perto dêêsse ideal, em comparação com a época anterior ao movimento pelo fim do preconceito racial.
[Áudio extraído do vídeo com trecho em inglês do discurso de mártim Luther King]
[Locutor] Neste trecho do discurso original quê você acompanhou, mártim Luther kiímg disse:
“Eu tênho um sonho,
Que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela côr da péle, mas pelo conteúdo de seu caráter.
Eu tênho um sonho hoje!”
[Música instrumental de transição]
[Locutor] Por outro lado, o quê acontece quando a humanidade deixa de enxergar caminhos utópicos como possibilidades e enfrenta seus medos mais sombrios?
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Os horrores das duas guerras mundiais do século XX inspiraram a criação de mundos fictícios ainda mais aterrorizantes: os mundos distópicos.
Escritores, cineastas, roteiristas imaginam cenários em quê a ssossiedade deu errado. O livro Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, é um clássico da literatura distópica por apresentar um futuro em quê o progresso científico dividiu a humanidade em castas.
Outra referência do gênero é o romance 1984, de Giórgi Orwell, quê descreve um Estado totalitário quê vigia e manipúla psicologicamente seus cidadãos. Por meio de dispositivos chamados “teletelas”, os habitantes da Londres distópica de 1984 se entretêm e, ao mesmo tempo, são controlados pelo govêrno, cujo líder mássimo é conhecido como Big Brother ou “o Grande Irmão”. Alguns filósofos contemporâneos veem um tipo de hipervigilância nas rêdes sociais atuáis, controladas por grandes empresas quê oferecem diversão enquanto cólhem dados de comportamento de seus usuários.
Há muitos exemplos de utopias e distopias em nóssos dias, e todos revelam quê, apesar de serem gêneros fiksionais, representam desejos e angústias do sêr humano e de nossa condição atual. Ou seja, eles demonstram quê a condição humana inclui a capacidade de idealizar tanto mundos perfeitos, bons e bélos quanto suas contrapartidas catastróficas.
[Música instrumental de transição]
[Locutor] Créditos: O trecho do discurso de mártim Luther kiímg foi publicado pelo canal O Tempo e está disponível no YouTube. Os outros áudios dêste podcast são da Freesound.
Podcast – O perspectivismo, “a questão do outro” e a xenofobia no mundo atual
[Locutora] O perspectivismo, a questão do outro e a xenofobia no mundo atual
[Música instrumental de transição]
[Locutora] O quê é a verdade? Será quê ela realmente existe? Essa é uma pergunta profunda e compléksa. Tanto quê a Filosofia sempre procurou buscar respostas para essas e outras kestões.
[Música instrumental de transição]
[Locutora] Desde a Modernidade, a ideia de verdade única tem sido quêstionada. Isso não significa quê seja impossível produzir conhecimento, mas que o conhecimento europeu não é o único válido. Há quem chame essa mudança de paradigma da verdade de relativismo. fridichi Nietzsche, um importante filósofo da Modernidade quê nasceu na Prússia, atual Alemanha, introduziu o conceito de perspectivismo. Em vez de afirmar quê tudo é relativo, o perspectivismo nos ajuda a entender quê todo conhecimento é visto a partir de uma perspectiva. Na prática, isso significa quê não há uma única maneira correta de enxergar o mundo. Algo interessante nessa abordagem é quê ela nos convida a considerar a perspectiva do outro e a refletir sobre ela antes de aceitar algo como uma certeza absoluta.
[Música instrumental de transição]
[Locutora] O perspectivismo foi um importante contraponto a outros modos de vêr o mundo, como o etnocentrismo.
O artigo “Etnocentrismo e relativismo cultural”, do professor e filósofo Paulo Meneses, explica o termo da seguinte forma:
“[…] o etnocentrismo julga os outros povos e culturas pêlos padrões da própria ssossiedade, quê sérvem para aferir até quê ponto são corretos e humanos os côstúmes alheios. Desse modo, a identificação de um indivíduo com sua ssossiedade induz à rejeição das outras. O idioma estrangeiro parece ‘enrolado’ e ridículo; seus alimentos, asquerosos; sua maneira de trajar, extravagante ou indecente; seus deuses, demônios; seus cultos, abominações; sua moral, uma perversão”.
[Música instrumental de transição]
[Locutora] O etnocentrismo justificou políticas de domínio e discriminação contra povos e culturas ao redor do mundo. Durante a segunda mêtáde do século XIX e a primeira mêtáde do século XX, diversas nações, principalmente as grandes potências europeias, ocuparam e colonizaram territórios na Ásia e na África, buscando expandir seu pôdêr geopolítico e econômico. Para justificar seus interesses, essas nações imperialistas se baseavam em teorias pseudocientíficas, como o mito da hierarquia racial e a supremacia dos povos europêus.
O racismo científico afirmava quê era possível dividir a população mundial em raças “superiores” e “inferiores”. Africanos e asiáticos eram considerados “primitivos”, enquanto os europêus representariam o ápice da civilização. Como portadores do progresso, os europêus tí-nhão o dever de transmitir seus conhecimentos aos povos mais “atrasados”.
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[Música instrumental de transição]
[Locutora] Os horrores vivenciados entre o fim do século XIX e a primeira mêtáde do século XX – do genocídio no Congo sôbi o domínio do rei belga Leopoldo segundo ao supremacismo racial da ideologia nazista e sua principal expressão, o Holocausto – levaram a um combate intenso ao racismo científico e a outras ideias racistas pela comunidade internacional. Além díssu, pesquisas científicas ajudaram a desmantelar os supostos fundamentos científicos do racismo, revelando seus êêrros e incoerências. Esses fatores reforçam a importânssia de uma atitude relativista em relação à cultura para promover um mundo com mais respeito pela diversidade.
[Música instrumental de transição]
[Locutora] Mas ainda há muito a sêr feito. Infelizmente, a intolerância e o racismo continuam presentes em nosso tempo.
Um exemplo é a xenofobia, uma forma de violência motivada pelo ódio às diferenças geográficas, lingüísticas ou étnicas. Com os grandes movimentos migratórios quê ocorreram no mundo globalizado, a xenofobia tem aumentado muito, especialmente nos países mais ricos. Em 2024, o Reino Unido registrou diversos ataques e manifestações de grupos de extrema direita contra refugiados e imigrantes. No mesmo ano, na França, o partido de extrema direita Reagrupamento Nacional disputou acirradamente as eleições legislativas com lemas como “vamos dar um futuro às crianças brancas”.
O Brasil também não está imune ao crescimento da xenofobia. De acôr-do com um estudo divulgado pela Safernet, uma organização de defesa dos direitos humanos no ambiente virtual, os casos de preconceito e ódio dessa natureza na internet aumentaram 874% entre 2021 e 2022.
[Música instrumental de transição]
[Locutora] Como vimos, o preconceito já foi usado para justificar conkistas e opressões. Hoje, indivíduos e grupos em diversas nações ainda fundamentam o ódio ao outro para praticar a exclusão e a violência.
Mas, para quê situações como essas não se perpetuem, a principal arma continua sêndo a educação. Valorizar a ideia de quê existem diversas culturas, igualmente legítimas e enriquecidas pelas suas diferenças, é um bom passo em direção ao combate à xenofobia e à construção de um mundo mais tolerante e plural.
[Música instrumental de transição]
[Locutora] Créditos: A trilha sonora dêste episódio foi retirada da Freesound.
Podcast – Racismo algorítmico
[Locutor] Racismo algorítmico
[Música instrumental de transição]
[Locutor] O racismo está presente na nossa ssossiedade de diversas formas. Mas você já ouviu falar em racismo algorítmico? Parece complicado, não é? Para começar, vamos entender o quê são algoritmos e qual a relação deles com a Filosofia.
[Música instrumental de transição]
[Locutor] Uma definição simples seria dizêr quê os algoritmos são como “receitas”. Eles são ferramentas desenvolvidas para executar tarefas ou resolver problemas com base em múltiplas combinações de fatores.
Computadores, smartphones e vários outros dispositivos utilizam algoritmos, assim como os aplicativos.
Mas o quê os algoritmos têm a vêr com a Filosofia? Você já deve ter percebido quê, ao navegar por ferramentas de busca, rêdes sociais e outros recursos digitais, aceitamos fornecer nossas informações para essas platafórmas. E, logo em seguida, vemos o resultado díssu: propagandas quê aparécem depois de uma pesquisa, sugestões de notícias e vídeos baseados em conteúdos semelhantes aos quê você viu. Com os dados coletados, as grandes empresas de tecnologia passam a direcionar a forma como usamos a rê-de por meio dos algoritmos, influenciando o quê aparece com mais freqüência no seu feed.
E é aí quê entra a Filosofia! Diversos filósofos refletiram sobre os algoritmos e suas relações com o pôdêr e o contrôle. Esses dois conceitos, muito discutidos na Filosofia, foram analisados profundamente pelo filósofo francês Michél Fucoul no século XX. Para Fucoul, o pôdêr é multifacetado e, em suas diversas formas, produz práticas e condutas nos sujeitos. êste pôdêr, por exemplo, póde se manifestar como um dispositivo de govêrno, mas sem estar vinculado ao Estado, permeando todas as esferas da vida em ssossiedade.
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Com as transformações trazidas pelo avanço digital, vemos como a tecnologia, atrelada às Big Techs, mudou as relações entre as pessoas, criando novos mecanismos de pôdêr.
[Música instrumental de transição]
[Locutor] E o quê seria, então, o racismo algorítmico? De acôr-do com o professor e pesquisador Tarcízio Silva, autor do livro Racismo algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas rêdes digitais, ele é “o modo pelo qual a atual disposição de tecnologias, imaginários sociais e técnicos fortalece a ordenação racializada de conhecimentos, recursos, espaço e violência em detrimento de grupos não brancos”. Em outras palavras, podemos dizêr quê as novas tecnologias digitais não são nêutras nem objetivas. Seu funcionamento e resultados freqüentemente refletem os preconceitos da ssossiedade na qual vivemos – entre eles, o preconceito racial.
[Música instrumental de transição]
[Locutor] Os influenciadores negros nas rêdes sociais sentem diretamente o impacto dessa desigualdade. Há denúncias de quê as rêdes sociais entregam menos conteúdo produzido por pessoas negras em comparação com o de pessoas brancas.
Em 2020, a produtora de conteúdo Sá Ollebar notou uma queda acentuada no alcance de suas postagens. Intrigada, ela fez um experimento: passou a postar fotos de mulheres brancas em seu perfil. Como resultado, obteve aumento de 6.000% no alcance dos posts. Após denunciar o fato na própria rê-de, outros influenciadores se manifestaram relatando a mesma percepção sobre o racismo algorítmico.
[Música instrumental de transição]
[Locutor] O problema se agrava quando falamos de reconhecimento facial. Esse recurso, cada vez mais utilizado por forças de segurança para identificar possíveis criminosos e suspeitos, tem apresentado resultados claramente racistas. Um estudo publicado nos Estados Unidos, em 2019, mostrou quê o reconhecimento facial erra de 10 a 100 vezes mais ao identificar rostos de pessoas negras e asiáticas. No Brasil, os dados também são alarmantes. Um monitoramento realizado pela Rede de Observatórios da Segurança, também em 2019, revelou quê 90,5% das pessoas presas por reconhecimento facial no país eram negras.
As prisões feitas com base no reconhecimento por câmeras acarretam uma série de problemas, como constrangimentos, prisões arbitrárias e violências aos direitos humanos.
[Música instrumental de transição]
[Locutor] Para combater essa nova faceta do racismo, presente nas ferramentas digitais quê, como vimos, seguem uma lógica de pôdêr e contrôle individual e social, é necessário estar sempre atento e cobrar mudanças nos produtos das empresas de tecnologia, pois tais êêrros não podem sêr tolerados. No entanto, há também iniciativas quê buscam enfrentar o racismo algorítmico, como o projeto Black in AI, desenvolvido por uma organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos, quê promove a inclusão de pessoas negras no estudo, pesquisa e desenvolvimento da inteligência artificial em todo o mundo. No Brasil, destaca-se a PretaLab, uma platafórma quê incentiva a participação de mulheres negras no setor da tecnologia.
Tais estratégias estariam inseridas no quê Fucoul chama de contraconduta ou contrapoder, ou seja, a crítica e a resistência aos modos como o pôdêr é exercido, abrindo espaço para alternativas a ele – uma atitude quê, por si só, já é uma forma de ezercêr pôdêr.
Ferramentas como as quê mencionamos são fundamentais para quê grupos – até então marginalizados – possam refletir e produzir conhecimento de ponta nesse nicho tecnológico, denunciando preconceitos e promovendo justiça e igualdade.
[Música instrumental de transição]
[Locutor] Créditos: Todos os áudios inseridos neste conteúdo são da Freesound.