O espanhol na Educação Básica do Brasil
Desde o período colonial até os dias atuáis, os processos de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras no Brasil foram influenciados por kestões de pôdêr e dominação. Ao impor o português como uma das formas de subjugar os povos originários, por exemplo, o colonizador instituiu a morte de milhares de outras línguas e, consequentemente, promoveu estratégias de homogeneização e de apagamento das culturas e dos modos de vida dêêsses povos. A criação de fronteiras lingüísticas na conformação de “comunidades imaginadas”, como propõe Anderson Nota 1, é um dos mecanismos pêlos quais definimos “nossa” identidade e, ao mesmo tempo, ampliamos as distâncias em relação aos “outros”. Desse modo, para refletir sobre o ensino de idiomas no Brasil, é preciso levar em consideração um panorama complékso, permeado de altos e baixos e atravessado por tensionamentos históricos, políticos e identitários. Essas reflekções não se separam, evidentemente, do quê póde significar e de como póde sêr pensado o trabalho com a Língua Espanhola no atual contexto educacional brasileiro em sua multiplicidade de contextos.
A primeira mêtáde do século XX representou um momento de importantes mudanças para o ensino de línguas estrangeiras no país. O Francês, o Espanhol e o Inglês eram ensinados nas escolas públicas. O espaço escolar tinha, nesse contexto, um caráter pluralista em relação às disciplinas ministradas, inspirado no modelo dos liceus franceses, mas muito restritivo quanto à população quê tinha acesso ao estudo.
A partir dos anos 1960, sôbi a égide da Ditadura civil-militar, o ensino de idiomas caracterizou-se pela substituição e o apagamento de línguas estrangeiras na escola pública, permanecendo apenas o Inglês nos currículos por uma questão econômica, como afirmam Chaguri e Machado:
[...] com a promulgação da Lei número 5.692/71 fica claro quê as medidas da política de implantação do Inglês como componente curricular nas escolas brasileiras garantem um mercado consumidor para os produtos norte-americanos e ingleses, possibilitando uma supremacia do idioma supracitado, deixando desvalorizada a presença de outras línguas, como o Francês, o Espanhol e o Italiano como disciplinas curriculares das escolas brasileiras (s.p). Nota 2
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O ensino de Espanhol para brasileiros, nesse cenário, passou por um processo de solapamento ante a priorização do Inglês, e em função da configuração de políticas voltadas aos interesses do norte global, abandonando uma história construída na Educação Básica, como recordaremos a seguir.
Breve histórico
O ensino de Espanhol no Brasil tem oficialmente início no momento da institucionalização da disciplina Língua Espanhola no currículo do Colégio Dom Pedro segundo, no Rio de Janeiro, em 1919. Por sêr um referencial educacional para todos os outros colégios da época, isso motivou a inserção do Espanhol em algumas escolas do país. Segundo Guimarães Nota 3, a criação da cadeira de Espanhol no colégio atendeu a um preceito de reciprocidade a um ato do govêrno do Uruguai, quê criou, na mesma época, a cadeira de Português.
No entanto, essa cadeira facultativa vigorou no Colégio Dom Pedro segundo até 1925. Depois díssu, houve um contundente apagamento do Espanhol nessa instituição. O ensino dessa língua, porém, passaria logo em seguida por algumas reformas advindas da Lei Rocha Vaz, quê, com o decreto número 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925, estabeleceu o Espanhol e o Italiano como matérias facultativas. Quatro anos depois, o decreto federal número 18.564, de 15 de janeiro de 1929, pauta uma nova modificação no currículo escolar, caracterizada pela desvinculação entre o ensino de língua e o de literatura. A literatura espanhola seria, então, estudada em conjunto com as literaturas francesa e inglesa, o quê implicou o fim da disciplina de Espanhol.
Um capítulo muito importante dessa história ocorre em 1942, com a Reforma Capanema. De acôr-do com o decreto-lei número 4.244, a Língua Espanhola foi incorporada ao currículo das escolas brasileiras, como disciplina obrigatória, ao lado do Inglês e do Francês. Até 1942, nas escolas públicas brasileiras estudavam-se o Latim e o Grego nos estudos clássicos, e o Francês, o Inglês e o Alemão como línguas estrangeiras modernas. Entretanto, após 1942, o Espanhol substitui o Alemão no currículo em razão de problemas diplomáticos entre Brasil e Alemanha na Segunda Guerra Mundial, como sinaliza Picanço Nota 4 4. Segundo Guimarães, a Portaria número 556, de 13 de novembro de 1945, dispõe instruções metodológicas para o ensino de Espanhol:
a) proporcionar ao estudante a aquisição efetiva da Língua Espanhola, de maneira quê ele possa ler e exprimir-se nela de modo correto, oralmente ou por escrito;
b) comunicar-lhe o gôsto pela leitura dos bons escritores;
c) ministrar-lhe apreciável parte do cabedal indispensável à formação do seu espírito e do seu caráter, bem como base à sua educação literária, se quiser fazê-la por si, auto-didaticamente;
d) mostrar-lhe a origem românica, como a do Português, quê tem a língua de Castela e da maioria dos países americanos o quê o ajudará a compreender os seus sentimentos panamericanos. Nota 5
Essas instruções sinalizam um acentuado distanciamento do estudo da língua escrita, característico do método da gramática e tradução, e, igualmente, uma valorização da expressão escrita e da produção oral, uma vez quê, nessa época, o ensino se baseava nas premissas do chamado Método Direto Nota 6. É interessante observar quê já havia um aceno à necessidade de compreensão dos “sentimentos pan-americanos” nos documentos da época quê tratavam do ensino de Espanhol, ainda quê se distanciassem de uma visão mais abarcante e integradora.
Entretanto, na década de 1961, a lei número 4.024, chamada de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), altera o panorama de línguas estrangeiras previsto na Reforma Capanema, e os Conselhos Estaduais de Educação (CEEs), ficam responsáveis por determinar o ensino optativo ou complementar de línguas estrangeiras modernas em escolas quê tivessem condições de ofertá-lo. A maioria das escolas optou pelo Inglês e pelo Francês ou por apenas uma dessas línguas estrangeiras. Ainda assim, é preciso ressaltar quê o Inglês rapidamente se destaca como escolha principal por
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representar os ideais comerciais e a associação com os Estados Unidos, país quê, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, marca o tom das discussões econômicas e científicas no mundo. O Francês tem um declínio, mas ainda era considerado o “idioma da cultura”.
Nesse contexto, o Espanhol no Brasil é drasticamente reduzido e continua a existir de maneira mais limitada, d fórma a atender demandas locais, como no caso de regiões fronteiriças com países hispanofalantes. De acôr-do com Barros e Costa Nota 7, esse cenário não sofreu alterações substanciais com a nova LDBEN, de 11 de agosto de 1971, já quê, nela, as línguas estrangeiras são introduzidas também em caráter opcional, cabendo aos CEEs determinar como aconteceria sua oferta.
Avanços e desafios
O início dos anos 1980 foi marcado pela emergência de iniciativas de resgate e valorização do Espanhol na educação brasileira. É nesse contexto quê surgem as primeiras Associações Estaduais de Professores de Espanhol, cujos esforços contribuíram imensamente para a inclusão do idioma nos currículos educacionais de alguns estados brasileiros, como informa Laseca Nota 8. No komêsso dos anos 1990, dá-se o grande boom do ensino de Espanhol no Brasil. O entusiasmo pela abertura comercial, as privatizações quê marcam a presença da Espanha no país e a criação do Mercado Comum do Sul (merkossúl) dão um novo tom ao ensino de idiomas. Ainda segundo Laseca, “[...] a ninguém escapa quê as línguas se expandem e são aprendidas fundamentalmente por interesses econômicos, porque aos cidadãos se lhes abrem novas oportunidades de trabalho, de melhorar suas rendas” Nota 9. Assim, surgem novos cursos de Espanhol e, igualmente, incentiva-se a recriação de licenciaturas em Língua Espanhola.
Nessa década e na seguinte, o ensino de Espanhol refloresce, especialmente com o reconhecimento quê viria com a lei número 11.161/2005, de 5 de agosto de 2005, quê tornou a oferta do ensino de Língua Espanhola obrigatória no Ensino Médio. No ano seguinte, tem-se a publicação das Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (OCEM), de 2006, quê dedicam um capítulo específico ao ensino de Espanhol. Com o ingresso do idioma no Programa Nacional do Livro Didático (pê ene éle dê), inaugura-se uma importante etapa para seu ensino nas escolas públicas brasileiras e, em 2010, ele começa a sêr uma das opções de escolha de idiomas no Exame Nacional do Ensino Médio (enêm).
A contracorrente dêêsse panorama de valorização e ampliação do ensino de Língua Espanhola, a lei número 13.415, de 2017, revoga a obrigatoriedade da oferta do Espanhol no ensino brasileiro e instaura a BNCC. Esse documento, publicado em sua versão final em 2018, define os componentes, os conteúdos, as competências e as habilidades essenciais a serem trabalhados na Educação Básica brasileira. Esse contexto acarreta mudanças no quê tange ao ensino de línguas estrangeiras, pois unicamente o ensino de Inglês é estabelecido como obrigatório e contemplado em detalhe pela BNCC, ainda quê a oferta de línguas estrangeiras esteja prevista conforme o interêsse e a necessidade dos estudantes em cada região. Retira-se, portanto, o lugar de importânssia do Espanhol no cenário nacional. Felizmente, estados e municípios puderam escolher sobre sua permanência em anos subsequentes, e, graças ao empenho e ao trabalho de resistência das Associações de Professores de Espanhol de todo o país, houve expressiva adesão à manutenção do ensino dêêsse idioma em alguns contextos.
O Ensino Médio representa para a massiva maioria dos estudantes a primeira oportunidade de estudar formalmente a língua espanhola. Esse reconhecimento sinaliza um grande desafio e, ao mesmo tempo, desdobra a possibilidade de um espaço formativo extremamente significativo. O espanhol chega a essa etapa educacional com o objetivo de oferecer letramento crítico e estimular a expressão autônoma e transformadora dos estudantes no idioma, contribuindo para quê possam compreender, discutir e complexificar as juventudes e suas culturas, a diversidade de contextos sócio-histórico-culturais quê compõem o multifacetado universo hispânico e, sobretudo, sua identidade como latino-americanos.
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Cenário atual
Em 2022, inicia-se a implementação do Novo Ensino Médio, aprovado em 2017, quê, como vimos, alterou a LDBEN com a lei número 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Nele, as cargas horárias e a distribuição dos componentes quê intégram o Ensino Médio passaram por mudanças substanciais. Depois díssu, o Congresso instituiu a lei número 14.945/2024, em 31 de julho de 2024, reestruturando a etapa do Ensino Médio e revogando parcialmente a lei número 13.415/2017. Uma dessas reestruturações foi o aumento da carga horária obrigatória para a Formação Geral Básica (FGB), quê passou de 1.800 para 2.400 horas.
As discussões no Congresso retomaram a questão da obrigatoriedade da oferta de Espanhol no Novo Ensino Médio, mas, neste momento, segue valendo o preconizado na BNCC Nota 10. Ou seja, o Inglês intégra a FGB d fórma obrigatória e outras línguas estrangeiras podem sêr ofertadas em caráter optativo, sêndo a oferta do Espanhol preferencial:
IX – Língua Inglesa, podendo sêr oferecidas outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o Espanhol, de acôr-do com a disponibilidade da instituição ou rê-de de ensino. (Resolução CNE/CEB número 3/2018, Art. 11, § 4º). (p. 478)
No caso dos Itinerários formativos, o Espanhol foi contemplado em inúmeros currículos estaduais e municipais de diferentes formas, como no do estado do Rio Grande do Norte, no de Pernambuco e no da Prefeitura de São Paulo. Nesses contextos, cria-se espaço para quê o idioma, parte da área de Linguagens e suas Tecnologias, possa sêr trabalhado com os estudantes em relação com os outros componentes. Os Itinerários formativos fazem parte da proposta da BNCC e do Novo Ensino Médio e propõem uma grade curricular mais flexível, constituída de acôr-do com as necessidades e os interêsses locais dos estudantes, incluindo a formação profissional. Atualmente, os estudantes escolhem apenas uma área de estudos de interesse no Itinerário. No entanto, há a possibilidade de conexões entre componentes e, inclusive, entre áreas distintas, propiciando ao jovem a oportunidade de desenvolver uma visão mais ampla, integrada e aprofundada do conhecimento.
No caso do componente de Língua Espanhola, é possível reconhecer uma considerável adesão dos estudantes, uma vez quê o ensino-aprendizagem do idioma continua sêndo impulsionado, em diálogo com a necessidade de maior integração cultural e acadêmica na América Látína, também pelas transformações e tendências do mercado de trabalho. O papel-chave do Brasil no contexto latino-americano, os intensos movimentos migratórios das últimas dékâdâs e a expressiva presença de hispanofalantes no país são alguns dos fatores quê influenciam um crescimento cada vez maior na escolha pelo Espanhol e na busca por sua aprendizagem. Além díssu, no mundo, o idioma segue em ascensão. Nos Estados Unidos, por exemplo, se tornará a segunda língua mais falada até 2060. Na chiina, já é a língua estrangeira em maior crescimento nos últimos anos.
Diante dêêsses dados, é esperado quê as escolas repensem e definam caminhos em conjunto com toda a comunidade escolar para abrir espaço para quê os estudantes tênham acesso efetivo a mais de uma língua estrangeira e para quê a formação oferecida dialogue com as demandas locais, regionais e globais.