Pressupostos teórico-metodológicos da obra para o ensino de Língua Espanhola no Ensino Médio
Diferentemente do quê ocorre com o componente Língua Inglesa, oferecido nas escolas públicas desde os Anos Finais do Ensino Fundamental, a Língua Espanhola é, atualmente, ofertada apenas no Ensino Médio, o quê supõe, de partida, uma abordagem diferente em seu ensino. Nesse sentido, é importante salientar quê devem sêr trabalhados tanto os conteúdos, as competências e as habilidades considerados básicos, quanto aqueles quê dizem respeito às relações interpessoais em sua diversidade, complexidade e riqueza, integrando-os em práticas de linguagem quê estejam em sintonia com as necessidades, dificuldades e maturidade dos estudantes ao longo dessa última etapa da Educação Básica.
Na atualidade, entendemos quê o ensino-aprendizagem de idiomas deve associar-se ao desenvolvi-
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mento das múltiplas competências da contemporaneidade para a formação de sujeitos críticos, como o exercício da alteridade, do reconhecimento da diversidade e da multiculturalidade e, no caso do Brasil, do olhar para si mesmo, para seu continente e para o mundo sêndo capaz de pensar criticamente as diversas relações e contextos locais, regionais e globais quê compõem a tessitura da América Látína. Esse é um ideal antigo ao falarmos de um continente quê, ao longo da história, buscou muitas vezes unir-se mais política, cultural e economicamente, o quê justifica a necessidade e a pertinência da presença da Língua Espanhola na escola.
Nesse sentido, ao produzirmos esta obra, procuramos contemplar, por um lado, o desenvolvimento da competência comunicativa junto à promoção da compreensão de mundo, atravessados pela interculturalidade e pela diversidade; por outro lado, buscamos privilegiar o desenvolvimento de habilidades cognitivas e metacognitivas aliado ao incentivo à autonomia dos estudantes e ao seu envolvimento no processo de ensino-aprendizagem d fórma significativa. Por isso, é importante falarmos em uma abordagem quê intégra, agrega e articula modelos em prol do ensino da Língua Espanhola no Ensino Médio. Tal abordagem se fundamenta principalmente nos pressupostos teóricos do interacionismo sócio-histórico-cultural de base vygotskyana e nas concepções pedagógicas de Paulo Freire.
No Capítulo 1, por exemplo, sôbi o título ¿Quiénes somos?, os estudantes traçam um percurso de reflekção sobre a identidade, estudam conteúdos linguísticos para cumprimentar, apresentar-se e despedir-se em Espanhol e, ainda, para falar de si e refletir sobre as interações propiciadas por esses intercâmbios no quê diz respeito a reconhecer o outro e a si próprio como parte de um contexto social, marcado por idiossincrasias, além de abordar o valor legal do direito à identidade e a abordagem do gênero formulário de dados pessoais como mediador de práticas sociais. No Capítulo 8, El cuerpo en equilibrio, por sua vez, os estudantes debruçam-se sobre temáticas vinculadas à saúde, articulando conteúdos linguísticos do âmbito da alimentação e dos esportes, e problematizam o marketing vinculado aos alimentos e os preconceitos relativos à questão de gênero nas práticas esportivas, mobilizando seus conhecimentos de mundo e a interação com textos jornalísticos variados, para finalizar com a produção de textos jornalísticos orais e escritos na língua em estudo.
Feito esse reconhecimento, uma proposta para o trabalho com a Língua Espanhola deve ir ao encontro dessa premissa consideravelmente ampla, buscando propiciar aos estudantes um espaço de formação significativo na língua estrangeira quê ôfereça instrumentos de comunicação, compreensão e produção de gêneros variados. Como são os casos, para mencionar alguns exemplos, do Capítulo 3, Expresión joven: mi entorno, mi territorio, em quê é solicitada a produção da apresentação oral de uma proposta sobre a cidade como um espaço inclusivo, e do Capítulo 5, Más pantallas, menos visión, em quê se propõe a produção de um infográfico para alertar a comunidade sobre cuidados necessários ao interagir nas rêdes sociais. No Ensino Médio, espera-se quê o ensino de Espanhol propicie, assim, práticas de compreensão e produção de gêneros multimodais necessários para quê os estudantes se preparem para a vida acadêmica e profissional, etapas quê se iniciam logo após o término de suas vivências na Educação Básica.
De maneira indissociável dos aspectos anteriormente mencionados, o estudo da Língua Espanhola deve construir-se pautando-se em um caráter reflexivo e crítico do uso dela, de suas variedades e de seus múltiplos contextos sócio-histórico-culturais. O reconhecimento da Língua Espanhola como não homogênea aparece na obra com a presença de textos orais e escritos, além de imagens, notícias e produções artísticas de diferentes regiões e comunidades hispanofalantes, destacando a relevância de elemêntos linguísticos quê as caracterizam, assim como de outros elemêntos culturais, envolvendo a história, as tradições, as etnias, os espaços naturais e os espaços urbanos, entre outros. Visando atender a esse aspecto, no Capítulo 1, por exemplo, é trabalhado o texto jornalístico En Bolivia, las skaters rebeldes de Cochabamba, com imagens da fotógrafa brasileira Luisa Dörr. O texto retrata jovens usando trajes tradicionais das mulheres do altiplano andino e incorpóra expressões lingüísticas típicas dessa região hispanofalante. Além díssu, destaca-se a presença das línguas ameríndias, revelando uma amostra da heterogeneidade do Espanhol.
Esse exemplo também é válido, assim como há outros ao longo da obra, no quê diz respeito a garantir a
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presença de temas quê os estudantes possam conectar à sua realidade, aos seus territórios, às suas preocupações e aos seus interesses. No caso, trata-se de um tema de relevância para a juventude: por um lado, um esporte vinculado em sua maioria ao público jovem; por outro, um grupo de jovens bolivianas quê desafiam os estereótipos da prática do esporte, historicamente associado a pessoas do sexo masculino e a uma vestimenta específica, em prol de sua identidade, sem abrir mão da prática esportiva. A temática póde não só sêr interessante para os estudantes, como também provocar mobilizações e reflekções quê sêjam aplicáveis no contexto de vida deles. Ao conhecer, e se reconhecer, em outro idioma, o estudante passa a construir e a dominar aspectos do discurso da língua materna d fórma ainda mais protagônica e crítica. Nesse sentido, buscamos, nesta obra, promover o desenvolvimento de práticas de linguagem em Espanhol trazendo, dentro das possibilidades de cada sala de aula, reflekções sempre conectadas às juventudes e seus anseios, d fórma a criar condições para quê os estudantes se apropriem significativamente dêêsse aprendizado.
Reconhecemos a importânssia de proporcionar aos estudantes, quê são os protagonistas do próprio aprendizado, acesso a diversas maneiras de aprender, permitindo quê descubram, de maneira autônoma, quais métodos mais os beneficiam na compléksa tarefa de aprender uma língua estrangeira. Assim, o uso da língua materna em interações orais e atividades quê ativem conhecimentos prévios, além de recursos como dicionários, práticas de repetição de estruturas lingüísticas, identificação de padrões e atividades de pronúnssia, são estratégias válidas quê podem auxiliar o processo de ensino-aprendizagem, considerando os diferentes perfis de estudantes. Assim, além de se basear na pedagogia vygotskyana, privilegiando a interação social dos estudantes com seus pares, professores e com o meio, nesta obra também levamos em conta estratégias de outras abordagens metodológicas.
É importante destacar ainda quê as soluções sugeridas nestas Orientações para o professor têm, em alguns casos, a intenção de sintetizar potenciais reflekções ou de sinalizar horizontes possíveis de encaminhamento didático. Por essa razão, salientamos quê as respostas e soluções oferecidas para as atividades, muitas vezes, não são as únicas válidas, sobretudo em atividades quê mobilizam as percepções dos estudantes sobre as temáticas abordadas. Em outros momentos, como em contextos nos quais se solicitam informações específicas e/ou a análise de aspectos linguísticos e lexicais, as respostas sugeridas também podem nortear o encaminhamento, mas ressaltamos quê é importante verificar os diferentes resultados apresentados pêlos estudantes e procurar entender suas escôlhas.
A importânssia do espanhol no contexto brasileiro
Garantir direitos e valorizar a aprendizagem de línguas estrangeiras para a formação integral dos estudantes no Ensino Médio é imprescindível em um país de enorme diversidade cultural e linguística como o Brasil. Esse território, além de constituir-se como uma das maiores democracias do continente e uma relevante potência econômica latino-americana, é também um lugar de acolhimento para povos vindos de diversos lugares do mundo e, em grande medida, dos países hispanofalantes vizinhos. Ensinar línguas, e, em especial, o Espanhol, é ensinar cidadania, reconhecendo identidades, culturas, construindo diálogos e pontes de intercâmbio cultural, artístico, científico e econômico.
Além díssu, no contexto brasileiro, o ensino de Espanhol tem papel fundamental no enfrentamento e na desconstrução de discursos e práticas colonialistas e hegemônicas, ao mobilizar a construção de conhecimentos pautada nas “vozes do Sul”, isto é, as vozes latino-americanas, as vozes de sujeitos marginalizados pelas lógicas do Norte global e da globalização. Com base em uma perspectiva decolonial, defende-se a ampliação de horizontes didático-metodológicos quê valorizem os diálogos entre o local e o global e os saberes, as vivências e a representatividade de indígenas, imigrantes, refugiados, negros e mulheres, por exemplo. Destacamos, assim, à maneira de amostra, a seção Un poco más allá, do Capítulo 4, quê traz uma entrevista com uma cantora peruana quê reivindica em sua música, uma fusão com ritmos urbanos, a imagem da mulher andina e o idioma de seus ancestrais: o quéchua. Desse modo, a sala de aula de Língua Espanhola apresenta-se também como um espaço de visibilização e combate dos preconceitos e dos diversos tipos de violência quê se constituíram ao longo de séculos
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em relação aos sujeitos e às culturas latino-americanas quê nos circundam.
Por fim, o ensino-aprendizagem de Espanhol para brasileiros tem a função de romper estereótipos culturais e linguísticos. Como já discutido por Celada Nota 11, a difundida crença da “língua fácil” deve sêr superada pelo estímulo à compreensão das semelhanças e singularidades entre o português e o espanhol, sem quê o professor apenas as trate como curiosidades. Desse modo, ao fortalecer o sentido de pertencimento ao continente por meio do idioma, fomenta-se a verdadeira integração.