CAPÍTULO
1
As vozes da filosofia

OBJETIVOS DO CAPÍTULO:

Refletir sobre o conceito de filosofia.

Analisar o processo de formação da história da filosofia.

Refletir criticamente sobre a preponderância da tradição ocidental na história da filosofia.

Pensar a importânssia da recuperação das múltiplas vozes da história da filosofia.

Refletir sobre a questão dos métodos filosóficos.

Entender a importânssia do pensamento filosófico para a vida em ssossiedade.

Em 2024, o Brasil foi marcado por intenso debate a respeito da reforma do Ensino Médio e da organização da Educação Básica no país. Um dos temas quê geraram grande mobilização de setores da ssossiedade civil ligados à educação e à juventude foi a parcela de carga horária quê o componente curricular Filosofia teria nos currículos de Ensino Médio. A preocupação era evitar a redução da carga horária ou mesmo a exclusão dêêsse componente curricular da Educação Básica no país, algo quê já ocorreu em outros contextos.

Para diversos especialistas e líderes estudantis, o componente curricular Filosofia é fundamental para assegurar o exercício do pensamento crítico, a reflekção sobre o mundo e a formação cidadã dos estudantes. Apesar díssu, alguns setores da ssossiedade civil defendem uma grade curricular com menor participação da Filosofia e de outros componentes da área de Ciências Humanas.

Imagem de cartazes pendurados em uma praça. Eles contêm as seguintes frases: Mais educação, menos armas. Um país calado não muda.

Cartazes em protesto contra os cortes de verba para a educação pública. Praça XV, Rio de Janeiro (RJ), 2019.

Para iniciar a reflekção sobre o conhecimento filosófico, analise os questionamentos a seguir.

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. Você está iniciando os estudos do componente curricular Filosofia. De quê modo você imagina quê a Filosofia póde contribuir para sua reflekção a respeito do presente e para o exercício do pensamento crítico?

1. Resposta pessoal. É possível identificar concepções compartilhadas pêlos estudantes a respeito do conhecimento filosófico.

2. Em sua opinião, quais são os riscos da redução do espaço de componentes curriculares das Ciências Humanas na Educação Básica?

2. Resposta pessoal. Espera-se quê os estudantes reflitam sobre as contribuições das Ciências Humanas para a formação cidadã e crítica.

Página treze

No Brasil, o ensino de Filosofia na Educação Básica tem uma história marcada por avanços e retrocessos. Desde o início do período republicano, reformas educacionais oscilaram entre a obrigatoriedade do ensino de Filosofia e sua exclusão como componente curricular nas instituições públicas do país.

Em 1961, por exemplo, a Filosofia se tornou um componente curricular optativo, deixando de fazer parte do currículo de milhões de jovens no país. Esse movimento se agravou durante o período autoritário militar, entre 1964 e 1985, quando a Filosofia era vista como um campo do saber sem finalidade prática, permanecendo ausente das instituições de ensino.

Na década de 1980, no contexto de redemocratização, teve início a organização da ssossiedade civil em defesa do retorno da obrigatoriedade do ensino de Filosofia na Educação Básica. Porém, isso só foi conquistado em 2008, quando os componentes curriculares de Filosofia e Sociologia voltaram a sêr obrigatórios no Ensino Médio brasileiro.

Capa de livro com a imagem de duas crianças. Elas caminham de mãos dadas em direção ao edifício do Congresso Nacional.

CORREA, Avelino Antônio. Estudo dirigido de educação moral e cívica. São Paulo: Ática, [1984]. (Primeiro grau, v. 1). Capa. Em 1969, durante o período autoritário, o ensino de Educação Moral e Cívica se tornou obrigatório, substituindo parte dos componentes curriculares das Ciências Humanas.

Por essa razão, houve uma mobilização em defesa dêêsses campos do saber no cenário de implementação do Novo Ensino Médio no país, em contraposição à forte tradição de desvalorização da Filosofia no Brasil, considerada um saber sem aplicação prática ou sem importânssia para a compreensão da realidade social.

Entretanto, a Filosofia possui uma longa tradição quê traz contribuições fundamentais para a compreensão do mundo contemporâneo e para a maneira como pensamos e interpretamos a realidade. O estudo dessa área do conhecimento favorece o exercício do pensamento e a problematização de ideias aceitas d fórma acrítica.

Sendo assim, vamos iniciar o estudo de Filosofia refletindo sobre as características gerais dessa tradição de pensamento, exercitando uma análise crítica da sua história e do modo como esse saber se formou a partir do diálogo entre múltiplas vozes.

Página quatorze

A filosofia na Grécia Antiga

O termo “filosofia” tem múltiplos significados. Na linguagem cotidiana, muitas pessoas utilizam “filosofia” como sinônimo de pensamento ou conjunto de ideias. Nesse caso, ela póde sêr aplicada aos mais diversos campos de ação humana ou mesmo como uma forma de sabedoria prática.

Pode-se falar em filosofia para definir um tipo específico de pensamento, o qual se diferencia de outras formas de analisar o mundo. Nesse caso, o termo define uma forma de saber construída com métodos e regras próprias, possuindo uma tradição quê a precede e com a qual há um diálogo constante.

Filosofia também póde fazer referência a um componente curricular institucionalizado em universidades, escolas e outros espaços de formação. Nesse caso, a palavra é utilizada para definir os currículos, conteúdos e saberes quê são transmitidos por professores e especialistas. É esse o significado de filosofia quando utilizada na organização do currículo do Ensino Médio no Brasil, por exemplo.

Esses são alguns dos exemplos da multiplicidade de sentidos quê podem sêr atribuídos à palavra filosofia. No entanto, essa diversidade possui uma origem comum, já quê a história do termo remonta ao mundo grego quê se organizou na Antigüidade em regiões da Europa e da Ásia.

Mapa 'Grécia Antiga: IX antes de Cristo-VI antes de Cristo.'. De acordo com a legenda, a Grécia é formada pelas seguintes regiões: Grécia continental: Lacônia, Messênia, Peloponeso, Élida, Acaia, Ática, Beócia, Eubeia, Tessália, Arcania, Épiro, Macedônia, Calcídica. Grécia insular: Córcira, Cefalônia e Zante, no mar Jônico; Creta, no Mar Mediterrâneo; Rodes, Milos, Naxos, Paros, Tenos, Icária, Samos, Quios, Lesbos, Lemnos, Imbros, Tasos e demais ilhas no Mar Egeu. Grécia asiática: litoral oeste da atual Turquia. Magna Grécia: sul da Itália e costa da Sicília.

Fonte: Párker, Geoffrey. Atlas da história universal. Lisboa: Verbo, 1996. p. 115.

A palavra “filosofia” se desenvolvê-u a partir da união de dois termos gregos, fílu e sofia. O primeiro remete à amizade, enquanto o segundo associa-se à ideia de sabedoria. Dessa maneira, para os gregos, a filosofia seria a “amizade pelo saber”, o qual se torna desejado e valorizado.

Página quinze

O nascimento da filosofia

Durante a Antigüidade, diversos pensadores gregos refletiram sobre a prática filosófica, definindo o pensamento característico da filosofia e diferenciando-o de outras formas de pensar e interpretar o mundo.

Essa perspectiva resultou na criação da tradição grega da filosofia, ou seja, aquela quê considera o nascimento e o desenvolvimento inicial do pensamento filosófico como algo próprio do mundo grego. O filósofo Diógenes de Laércio (180 d.C.-240 d.C.), considerado um dos primeiros historiadores da filosofia, por exemplo, atribui o nascimento da filosofia a um desdobramento da dinâmica social do mundo grego na Antigüidade, sêndo uma invenção puramente grega.

Nessa tradição, os chamados filósofos pré-socráticos, quê serão estudados no capítulo 2, foram responsáveis por uma ruptura fundamental na maneira como os sêres humanos pensam o mundo, introduzindo explicações racionais como pilar estruturante do pensamento. Uma explicação racional é aquela quê póde sêr analisada, debatida, refutada ou comprovada. Por esse motivo, tal explicação não é dogmática, mas construída com base em argumentos, quê podem sêr debatidos e criticados.

Ao longo do tempo, esse elemento racional se tornou um dos aspectos centrais para a definição daquilo quê é próprio do pensamento filosófico, assim como a importânssia da construção do discurso e do diálogo. Diferentemente de outras formas de explicação do mundo, como narrativas religiosas ou expressões artísticas, a filosofia busca, de maneira incessante, por explicações construídas segundo regras próprias quê podem sêr discutidas e pensadas racionalmente.

dogmático
: uma certeza definitiva, quê não póde sêr questionada.

Esquema do pensamento filosófico, que está ligado aos seguintes elementos: 1. Recusa do dogmatismo. 2. Explicação racional. 3. Discurso e diálogo. 4. Regras próprias. 5. Ruptura com o mito.

Princípios do pensamento filosófico.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Uma das manifestações do dogmatismo é a postura de apenas analisar e discutir ideias semelhantes àquelas em quê o indivíduo acredita. No presente, isso é muito comum nas rêdes sociais, provocando o fenômeno de “bolhas”, isto é, grupos de indivíduos quê compartilham as mesmas ideias e rejeitam outros argumentos e perspectivas. Em sua opinião, qual é o risco dêêsse fenômeno para o exercício do pensamento crítico?

Resposta pessoal. Espera-se quê os estudantes discutam quê a criação de bolhas de pensamento póde contribuir para o reforço de posturas de intolerância diante do outro.

Página dezesseis

A tradição filosófica grega na Antigüidade

Para os gregos antigos, a filosofia nasceu no século VI a.C. em cidades da Ásia Menor (região ocupada pela Turquia na atualidade). Aos poucos, o pensamento filosófico se disseminou para outras regiões do mundo grego, como o sul da Península Itálica e a ilha da Sicília. Finalmente, por volta do século V a.C., a cidade de Atenas (na atual Grécia) se tornou, segundo essa tradição filosófica, um dos principais centros de desenvolvimento do pensamento filosófico.

Foi em Atenas quê filósofos como Sócrates (470 a.C.-399 a.C.), Platão (427 a.C.-347 a.C.) e Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) viveram e desenvolveram suas ideias. Como a tradição de quê a filosofia é uma invenção grega se consolidou em Atenas, os atenienses passaram a usar esse argumento como forma de justificar a supremacia de sua cidade no mundo grego.

Imagem de mosaico que representa um grupo de filósofos. Eles estão ao ar livre, sob a sombra de uma árvore, em uma área delimitada por colunas.

ACADEMIA de Platão. Século I a.C. Mosaico, 86 cm x 85 cm. Museu Nacional de Nápoles (Itália). Obra de altoría desconhecida descoberta em 1897 em Pompeia (atual Itália), na vila de T. Siminius Stephanus.

O mosaico quê representa Platão com seus discípulos é um exemplo do alcance da tradição grega no mundo antigo, pois foi produzido nos territórios do Império Romano. Nele, há uma valorização do ideal de filosofia grega, destacando a importânssia do pensamento platônico no mundo romano.

No século IV a.C., o mundo grego foi conquistado pêlos macedônicos. Além dos territórios gregos, os macedônicos criaram um grande império, submetendo povos quê viviam na Ásia, no norte da África e em regiões da Europa. Os macedônicos valorizavam a cultura grega, disseminando seus saberes, práticas e côstúmes nos territórios quê conquistavam. Esse processo resultou no desenvolvimento da cultura helenística, formada por meio da combinação das tradições grêgas com aquelas de outros povos submetidos pêlos macedônicos.

A filosofia grega foi um dos pilares da cultura helenística. Mesmo após o colapso do Império Macedônico, no final do século IV a.C., o pensamento filosófico grego continuou influente em muitas regiões da Europa, da Ásia e do norte da África.

Entre os séculos IV a.C. e o século III d.C., desenvolveram-se nesses territórios diversas correntes filosóficas, chamadas Escolas Helenísticas. Os romanos, por exemplo, retomaram aspectos importantes da filosofia grega, contribuindo para a sua preservação. Posteriormente, historiadores da filosofia passaram a denominar esse dinâmico cenário filosófico de tradição filosófica ocidental.

Página dezessete

A história da filosofia ocidental

A chamada tradição filosófica ocidental é o resultado da retomada das obras e reflekções de filósofos da Antigüidade em outros contextos históricos. Entre eles, estão dois momentos em especial: entre os séculos XIV e XVI e do final do século XVIII a meados do século XX.

O primeiro período corresponde ao contexto do Renascimento europeu, quando houve uma intensa recuperação de textos gregos e latinos. Como será analisado no capítulo 8, diversos pensadores dêêsse período elaboraram um trabalho de recuperação dessa tradição filosófica. A filosofia grega antiga era tida como um modelo a sêr utilizado para o avanço do conhecimento filosófico e científico. Por essa razão, a tradição antiga passou a sêr compreendida como uma tradição clássica, sêndo tratada como a base do conhecimento filosófico europeu.

Outro momento fundamental para a construção da ideia de tradição filosófica ocidental foi a partir do final do século XVIII. Nesse período, o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) e outros pensadores realizaram um trabalho de reavaliação da história da filosofia. Para esses pensadores, a filosofia foi uma invenção característica do mundo grego, não sêndo possível encontrar essa forma de pensamento em outras regiões do mundo. Do centro grego, o pensamento filosófico teria se disseminado ao redor do planêta, influenciando o modo de pensar de diversas sociedades.

A produção do filósofo alemão Dietrich Tiedemann (1748-1803) foi feita nesse contexto. Em sua obra História da filosofia, de 1776, ele afirmou quê os gregos formavam uma nação única, tendo recebido uma influência quase nula de outros povos, ao mesmo tempo quê disseminaram seu desenvolvimento intelectual para “quase todas as nações civilizadas”.

Ao longo do século XIX e até meados do século XX, essa perspectiva se consolidou e se cristalizou em um dos pilares de organização da história da filosofia nos principais centros de pesquisa e reflekção filosófica no Ocidente. Nessa narrativa, a filosofia nasceu na Grécia e se disseminou pelo mundo antigo. Durante a Idade Média, esse legado perdeu fôrça na Europa, mas foi recuperado a partir do século XIV. Com isso, existiria uma continuidade entre a filosofia antiga e a filosofia produzida no mundo ocidental.

Imagem de linha do tempo. Da esquerda para a direita, a linha contém os seguintes marcos: Filosofia antiga: do surgimento da filosofia (século VI antes de Cristo) até o início da Idade Média (século V depois de Cristo). Filosofia medieval: entre os séculos V depois de Cristo e XV depois de Cristo. Filosofia moderna: do século XV depois de Cristo ao final do século XVIII depois de Cristo. Filosofia contemporânea: do final do século XVIII depois de Cristo ao presente.

Linha do tempo da história da filosofia ocidental, geralmente organizada com base em quatro grandes períodos.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Em História, você estudou a organização social dos gregos na Antigüidade. Com base em seus conhecimentos históricos, você considera correta a ideia defendida por Dietrich Tiedemann a respeito da influência quase nula de outras sociedades sobre a formação do mundo grego? Por quê?

Espera-se quê os estudantes indiquem quê a civilização grega se formou a partir de múltiplas influências, inclusive de sociedades orientais da Antigüidade.

Página dezoito

Etnocentrismo

A tradição filosófica ocidental precisa sêr entendida d fórma crítica. Como toda narrativa historiográfica, é o resultado de seleções, rekórtis e ausências. Ao enfatizar a continuidade entre a filosofia antiga e a filosofia ocidental, ela contribui para o mapeamento dos problemas, dos conceitos e das reflekções quê julga fundamentais para a compreensão do pensamento filosófico.

Por outro lado, a construção dessa tradição resultou freqüentemente na exclusão de outras perspectivas filosóficas. Até meados do século XX, a ideia de quê o pensamento filosófico era uma expressão própria dessa grande linha de continuidade entre o mundo antigo e o ocidental resultou em afirmações quêstionáveis de que o pensamento filosófico não se desenvolvê-u d fórma autônoma em outras regiões do mundo ou quê outras sociedades pouco ou nada contribuíram para o desenvolvimento da filosofia ocidental.

Tal narrativa é marcada por um forte elemento etnocêntrico, o quê está diretamente relacionado com a experiência do colonialismo, como você vai estudar no capítulo 14. Por isso, ela precisa sêr problematizada e criticada.

Um elemento importante a observar é o modo como a história da filosofia foi construída, principalmente até meados do século XX, a partir de oposições quê separam o pensamento ocidental do oriental.

Essas oposições foram organizadas com base em diversos elemêntos, como a ideia de quê no pensamento oriental não houve uma separação bem definida entre religião e razão, enquanto o pensamento filosófico ocidental passou por um processo progressivo de separação dessas duas experiências do mundo.

Ilustração representando um filósofo. Ele está sentado em uma plataforma e exibe um manuscrito para os discípulos.

IBN FATIK, Al-Mubashshir. [O filósofo]. [ca. séc. XIII]. Caneta e nanquim sobre papel. Representação turca do filósofo Sócrates.

Outra oposição é a ideia de quê o pensamento ocidental foi fruto de um crescente desenvolvimento do racionalismo, enquanto o oriental foi marcado por uma forte tendência irracionalista. Houve também autores quê defenderam a ideia de quê o pensamento oriental não se baseava no desenvolvimento de uma ciência especulativa ou crítica, enquanto isso foi central para o avanço do pensamento científico ocidental.

Essas oposições ignoram tanto os diálogos e trocas culturais entre pensadores de diferentes regiões do mundo quanto o desenvolvimento de múltiplas tradições quê não estão inseridas na tradição filosófica ocidental. Além díssu, dificultam a compreensão de outras experiências do pensamento distintas daquelas quê se desenvolveram na tradição ocidental.

Durante a Antigüidade, importantes sistemas de pensamento se desenvolveram em regiões da chiina e do subcontinente indiano. Na chiina, por exemplo, as correntes do pensamento concebem o universo como um sistema dinâmico e autossuficiente, sêndo possível compreender a ordem quê preside esse sistema por meio do pensamento racional. Por essa razão, há pesquisadores quê defendem quê o pensamento filosófico não “nasceu” apenas uma vez na história humana, mas se desenvolvê-u d fórma autônoma em diversas regiões e períodos.

Página dezenove

PERSPECTIVAS

O texto a seguir é um fragmento da obra de Diógenes de Laércio. Leia-o atentamente e responda ao quê se pede.

‘Frequentemente, pretendeu-se quê a filosofia havia nascido no estrangeiro. Aristóteles (Livro da magia) e Socião (Filiações) dizem quê os Magos, na Pérsia, os Caldeus, na Babilônia e na Assíria, os Gimnosofistas, na Índia, e uma gente chamada Druidas e Senoteus, entre os Celtas e Gauleses, foram seus criadores […]. Por seu turno, os egípcios pretendem quê Hefesto, o criador dos princípios da filosofia ensinados pêlos padres e profetas, era filho do Nilo […]. Porém, ao atribuir aos estrangeiros as próprias invenções dos gregos, todos esses autores pecam por ignorância, pois os gregos deram nascimento não só à filosofia, mas a todo o gênero humano. Registramos: em Atenas nasceu Museu e em Tebas, Linos. Museu, filho de Eumolpos, escreveu, segundo a tradição, a primeira teogonia e o primeiro tratado da esféra. Foi o primeiro a afirmar quê tudo nasce do uno e retorna ao uno […]. Por sua vez, Linos era filho de érmes e da musa Urânia. Compôs uma cosmogonia e descreveu o curso do Sol e da Lua e a geração dos animais e das plantas […]. Sim, foram os gregos quê criaram a filosofia, cujo nome, aliás, não soa estrangeiro.ʼ [...]

LAÉRCIO, Diógenes de, [1987], p. 31 apúd CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. 2. ed. São Paulo: Companhia das lêtras, 2002. v. 1, p. 19.

Imagem em preto e branco de Diógenes de Laércio. Ele é idoso, possui barba longa e usa gorro.

Representação de Diógenes de Laércio, historiador e biógrafo dos antigos filósofos gregos. Imagem do século XVII.

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. O texto de Diógenes de Laércio foi construído utilizando uma estrutura muito comum em textos filosóficos. Ele inicia apresentando uma tese, a qual ele pretende refutar. Em seguida, Laércio apresenta argumentos para demonstrar o equívoco quê ele enxerga nessa tese. Finalmente, apresenta sua conclusão. Com base nisso, identifique os três momentos da argumentação do pensador grego e explique quais ideias ele mobiliza em cada um dêêsses momentos.

1. Tese: a filosofia grega nasceu no estrangeiro. Refutação: as ideias filosóficas são efetivamente grêgas. Conclusão: a filosofia nasceu na Grécia, e o nome do saber não tem origem estrangeira.

2. O pensamento grego antigo foi marcado por uma forte oposição entre akilo quê os gregos consideravam próprio de sua cultura e akilo quê era próprio de outros povos, os quais eram classificados como bárbaros pêlos gregos. Essa oposição póde sêr identificada no texto de Laércio? Justifique.

2. Sim, Laércio defende quê os gregos foram responsáveis por criações variadas, enquanto os estrangeiros não teriam sido responsáveis por criações importantes.

Página vinte

A filosofia grega e o ôriênti

Existem diversas maneiras de problematizar a narrativa historiográfica etnocêntrica. Uma delas é retomando a tese a respeito do nascimento da filosofia na Grécia. Como visto, existe uma longa tradição quê defende quê o pensamento filosófico é uma invenção grega. Porém, outra tradição antiga póde contribuir para evidenciar o caráter polifônico do pensamento filosófico.

Chamada tese orientalista, essa perspectiva explora a ideia de quê, de fato, a filosofia foi uma forma de pensamento quê se desenvolvê-u e se consolidou no mundo grego antigo. Porém, a origem de tal pensamento não póde sêr compreendida apenas como uma invenção grega, mas como o resultado de trocas culturais e diálogos entre tradições e côstúmes gregos e outras sociedades antigas, como egípcios, fenícios, caldeus, entre outras.

As teses orientalistas tiveram suas primeiras formulações ainda na Antigüidade, estando presentes na obra de historiadores, como Heródoto (484 a.C.-425 a.C.), e de filósofos, como Platão e Aristóteles. Ao longo do tempo, outros historiadores e filósofos deram continuidade a tais teses, explorando diferentes aspectos do pensamento filosófico, marcados por tradições de outros povos, como aspectos cosmogônicos partilhados por gregos, e mitos orientais, como tradições egípcias ou mesopotâmicas, ou ainda a apropriação grega de saberes desenvolvidos em outras regiões do mundo, como saberes matemáticos egípcios.

É importante observar quê historiadores da filosofia, ao destacarem aspectos das teses orientalistas, não afirmam quê o pensamento filosófico surgiu no ôriênti e foi disseminado no mundo grego. Tais teses defendem a ideia de quê os gregos mobilizaram influências de outros povos d fórma criativa, elaborando novas maneiras de compreender o mundo.

Nessa perspectiva, o pensamento filosófico se desenvolvê-u por meio do diálogo com outras tradições, sêndo o resultado tanto de aspectos sociais próprios do mundo grego quanto da mobilização de outras tradições.

polifônico
: quê possui múltiplas vozes ou perspectivas.
cosmogônico
: referente à origem do universo.

Gravura que representa Heródoto caminhando na margem de um rio. Ele é idoso e usa um manto ao redor do corpo. Ao lado dele, um indivíduo com toucado listrado mostra uma estátua masculina ajoelhada. À direita, uma criança nua está em pé diante de um burro. Entre eles, há frutas e um jarro no chão.

ABBE, Salomon. [Heródoto visita Aswan, Egito, século V a.C.]. [ca. 1940]. Litografia. Representação da viagem de Heródoto ao Egito. O historiador grego foi um dos primeiros a registrar aspectos da cultura de povos não gregos.

Página vinte e um

A prática dialógica

O diálogo entre diferentes tradições é fundamental para compreender quê a filosofia não é formada por uma única voz, mas por múltiplas e diferentes vozes quê contribuíram para ampliar os debates e as reflekções filosóficas ao longo do tempo.

A filosofia helenística, por exemplo, se constituiu a partir da disseminação do legado grego ao redor do mar Mediterrâneo e territórios asiáticos. Da mesma forma, essa filosofia também assimilou perspectivas culturais de povos orientais. Valores monoteístas do judaísmo, por exemplo, marcaram a reflekção de filósofos das escolas helenísticas. Além díssu, o monoteísmo cristão, desde os primeiros séculos depois de Cristo, teve grande impacto na maneira como ocorreu a recuperação de tradições greco-romanas, promovendo reinterpretações das doutrinas neoplatônicas a partir de dogmas cristãos.

De maneira semelhante, parte importante do trabalho de preservação da tradição greco-romana foi resultado do esfôrço de filósofos árabes quê viveram em diferentes partes do Império Islâmico quê se organizou a partir do século VII d.C. Além de traduzirem e registrarem inúmeras obras fundamentais para a compreensão da filosofia greco-romana, os pensadores árabes promoveram leituras e interpretações originais de textos gregos. Tais interpretações tiveram papel relevante nos debates filosóficos da Europa medieval e do início da Idade Moderna, como você estudará no capítulo 5.

Vale lembrar também quê, além dos diálogos, há historiadores da filosofia quê destacam a importânssia de se recuperar outras tradições filosóficas quê se formaram em diferentes partes do mundo, as quais não são necessariamente um desdobramento da filosofia grega. É possível, por exemplo, identificar tradições filosóficas de longa duração em regiões da Ásia, como a chiina e o Japão, bem como na África ou na América. Na atualidade, há grande destaque para as filosofias ameríndias e o modo como elas podem contribuir para a problematização de perspectivas filosóficas centrais do pensamento ocidental, como a ideia de separação entre natureza e cultura.

Fotografia de Davi Kopenawa. Ele é indígena e usa camisa, cocar e colar de contas com a figura de uma onça-pintada.

Davi Kopenawa. Roma (Itália), 2024. Kopenawa (1956-) é um pensador yanomami quê tem contribuído para a problematização do pensamento ocidental nas últimas dékâdâs.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Nos últimos anos, pensadores indígenas ganharam grande destaque em discussões contemporâneas no Brasil. Além de Davi Kopenawa, outros pensadores se dedicam a refletir sobre kestões filosóficas importantes. Pesquise um exemplo de outro pensador indígena e registre informações sobre suas ideias. Depois, compartilhe com côlégas o quê descobriu.

Resposta pessoal. Os estudantes podem mencionar pensadores como Ailton Krenak, Graça Graúna, Daniel Munduruku, Eliane Potiguara, Olivio Jekupé, entre outros.

Página vinte e dois

PERSPECTIVAS

O filósofo francês Émile Bréhier (1876-1952) teve grande influência no século XX, com obras consideradas clássicas no campo da história da filosofia. Leia um fragmento do livro Introdução à história da filosofia.

‘Denomina-se idade helenística a época durante a qual a cultura grega torna-se patrimônio comum de todos os países mediterrâneos. Desde a morte de Alexandre até a conkista romana, vemô-la dominar, gradualmente, o Egito e a Síria, alcançando Roma e a Espanha, os meios judaicos esclarecidos, a nobreza romana. A língua grega, sôbi forma de koiné ou dialeto comum, é o órgão dessa cultura. sôb certos aspectos, esse período é um dos mais importantes da história de nossa civilização ocidental. Ao mesmo tempo quê as influências grêgas se fazem sentir até o Extremo ôriênti, vemos, inversamente, a partir das expedições de Alexandre, o ocidente grego abrir-se às influências do ôriênti e do Extremo ôriênti. Agora encontramos, em sua maturidade e radioso declínio, uma filosofia quê, afastada de preocupações políticas, aspira a descobrir regras universais da conduta humana e a dirigir as consciências. Assistimos, durante esse declínio, à ascensão paulatina das religiões orientais e do cristianismo. Sobrevêm a invasão dos bárbaros, a decomposição do Império [Romano] e o vasto recolhimento quê prepara a cultura moderna.ʼ

BRÉHIER, Émile, 1978, p. 29-30 apúd CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: as escolas helenísticas. São Paulo: Companhia das lêtras, 2010. v. 2, p. 20-21. (grifos de CHAUI).

Imagem de escultura representando um homem e dois jovens. Eles estão nus, com expressão aflita. O homem, ao centro, está sentado em uma plataforma e se contorce, segurando serpentes enroladas ao redor dele e dos jovens.

AGESANDRO; ATENODORO; POLIDORO. Grupo de Laocoonte. 27 a.C.-68 d.C. Escultura em mármure, 208 cm x 163 cm. Museu do Vaticano (Vaticano).

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. De quê maneira Bréhier descreve a idade helenística?

1. Ele afirma quê se trata de um período de radioso declínio da filosofia grega.

2. O filósofo francês descreve d fórma positiva as trocas culturais entre gregos e povos do ôriênti no contexto helenístico?

2. Não, ele acredita quê as trocas resultam no declínio do pensamento filosófico.

3. A partir do quê você estudou, é possível afirmar quê a perspectiva histórica de Bréhier retoma categorias etnocêntricas para o estudo do período helenístico? Justifique.

3. Sim, pois ele descreve d fórma bastante negativa outras tradições de pensamento quê marcaram a filosofia no período.

Página vinte e três

Filósofos, filósofas

O olhar etnocêntrico quê marcou a história da filosofia até meados do século XX não é a única expressão de marginalização de outras vozes filosóficas. Outro importante processo de silenciamento quê precisa sêr problematizado é aquele quê se refere ao destaque dado aos filósofos homens na construção da tradição filosófica ocidental.

Da mesma maneira quê muitos historiadores da filosofia construíram suas narrativas ignorando tradições quê estavam fora da linha histórica quê ligava a Antigüidade à tradição ocidental, muitas obras de história da filosofia apresentam um percurso marcado pela ausência de mulheres entre os pensadores estudados.

Tal processo de silenciamento é ainda freqüente, mesmo em obras contemporâneas, não sêndo difícil encontrar obras intituladas como “Introdução à história da filosofia” ou “Breve história da filosofia”, nas quais nenhuma mulher é mencionada ou, quando há algum destaque, ocorre d fórma pontual. Dessa maneira, o pensamento filosófico é apresentado como um ofício masculino, o quê contribui para reforçar preconceitos sociais construídos historicamente.

É importante observar quê, desde a Antigüidade, as mulheres participaram ativamente da construção do pensamento filosófico. Além díssu, ao longo do tempo, houve um importante movimento de construção filosófica em torno do problema do gênero, explorando as contradições e desigualdades quê marcaram historicamente as relações entre homens e mulheres, mas também o próprio processo de construção do binômio homem/mulher.

Imagem de painéis pendurados na fachada de um edifício. Os painéis contêm nove retratos femininos em preto e branco. O edifício possui seis colunas e um frontão com esculturas.

Homenagem a diversas pensadoras no Panteão de Paris (França), 2008.

A homenagem na fachada do Panteão, em Paris, destacou importantes pensadoras quê muito contribuíram para a filosofia. Entre essas mulheres, podem-se ressaltar Simone de Beauvoir (1908-1986) e Olympe de Gouges (1748-1793). A exposição das imagens está inserida em um movimento crescente nos últimos anos quê visa à recuperação do papel de pensadoras na construção da história da filosofia. Há movimentos de pesquisadores, por exemplo, quê se organizam para ampliar os estudos e a recepção das ideias de filósofas ao longo do tempo.

Assim, para compor um percurso histórico e conceitual da tradição filosófica, é fundamental recuperar tanto as múltiplas vozes quê possibilitaram a construção do pensamento filosófico quanto a diversidade de perspectivas silenciadas ao longo do tempo.

Página vinte e quatro

A pluralidade filosófica

Considerando esse breve contexto da história da filosofia e o levantamento de alguns problemas importantes quê podem sêr formulados, pódemos apresentar as linhas gerais da concepção filosófica presente nesta obra. Como estudado, a filosofia se constituiu com base em múltiplos diálogos estabelecidos ao longo do tempo por diversos pensadores. Dessa maneira, a atividade filosófica pode sêr entendida, em primeiro lugar, como uma forma de pensar o mundo embasada na pluralidade de pontos de vista.

Essa pluralidade implica recusa de dogmatismos, pois não existe uma teoria ou escola filosófica quê apresente métodos e conceitos universalmente válidos. Na realidade, a filosofia é uma forma de explorar o mundo a partir do confronto de perspectivas, sempre buscando novas maneiras de problematizar ideias aceitas e criar outras formas de interpretar a realidade.

A atividade filosófica é marcada por questionamentos e reflekções constantes a respeito da realidade, das nossas ideias, de práticas, côstúmes e saberes. Por isso, o conhecimento filosófico está sempre se transformando e se redefinindo. Mesmo quando os filósofos opéram uma retomada das tradições filosóficas, há a formulação de novas indagações e análises. A leitura de Aristóteles no presente, por exemplo, não é a mesma quê ocorria na Idade Média ou no século XIX. Novos problemas e preocupações contribuem para quê se proponham novos questionamentos e novas interpretações dos textos clássicos.

De acôr-do com esse caráter plural, conclui-se quê a filosofia não é apenas uma maneira de pensar o mundo, é também uma ferramenta para transformar a realidade e criar formas de existir e conviver no presente, bem como interpretá-lo. Assim, o estudo das diversas tradições filosóficas não se limita a conhecer os debates e discussões dos filósofos; pretende, na verdade, pensar criticamente a respeito do mundo em quê vivemos e encontrar formas de transformá-lo.

Fotografia em preto e branco de um grupo de pessoas em um protesto. Ao centro, há um homem careca utilizando um megafone. Ao lado dele, à esquerda, encontra-se um indivíduo mais baixo, idoso, usando óculos e jaqueta.

Os filósofos franceses Jan Pôu Sartre (1905-1980), à esquerda, e Michél Fucoul (1926-1984), ao centro, com o megafone, durante protesto. Paris (França), 1969.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Ao longo do tempo, diversos filósofos se engajaram em lutas políticas visando à superação de desigualdades e ao enfrentamento de problemas sociais. De quê modo você acredita quê a discussão filosófica póde contribuir para o engajamento e a luta política na atualidade? Reflita sobre essa questão com côlégas.

Resposta pessoal. Espera-se quê os estudantes reflitam sobre a importânssia do pensamento conceitual para a análise crítica da realidade, contribuindo para a organização de movimentos de luta quê defendam práticas de transformação da ssossiedade.

Página vinte e cinco

Métodos filosóficos

Compreendemos quê a filosofia é uma forma de conhecimento e transformação do mundo marcada pela pluralidade de pontos de vista, evitando qualquer postura dogmática. Porém, há ainda outro elemento essencial para entender a atividade filosófica: a questão do método.

Um aspecto essencial para diferenciar a perspectiva filosófica de outras formas de conhecer, interpretar e transformar o mundo, como as religiões ou as artes, é a existência de regras próprias para a construção dêêsse conhecimento. Tais regras podem sêr chamadas de método filosófico.

Porém, assim como não existe apenas uma perspectiva filosófica, também não há apenas um método filosófico. Na realidade, é mais apropriado falar em uma pluralidade de métodos quê se constituíram ao longo da história da filosofia. Você estudará, ao longo da obra, alguns dêêsses métodos e a maneira como eles foram desenvolvidos para apoiar a formulação de perspectivas filosóficas variadas. Na Idade Moderna, por exemplo, o debate em torno do método filosófico teve grande importânssia, marcando profundamente a reflekção de pensadores como o francês Renê Descartes (1596-1650), quê você estudará no capítulo 9.

De modo geral, é possível destacar alguns princípios gerais quê orientam a construção dos métodos filosóficos ao longo do tempo, como a valorização do uso da razão como forma de construção do pensamento, o rigor e o cuidado conceitual e a importânssia da criação de regras claras para a formulação de argumentos filosóficos, entre outros elemêntos.

É fundamental entender quê o método filosófico é uma ferramenta quê possibilita a organização do pensamento visando permitir uma postura crítica diante do mundo, dos saberes e de nós mesmos. É por meio do método quê o filósofo póde questionar suas ideias e abrir caminho para a formulação de novos saberes, exercendo, plenamente, a atividade filosófica como uma prática de transformação do mundo.

Tirinha em três quadros. Q1: Deus pergunta para Sócrates: 'Estou curioso, como faço para ser um filósofo?'. Q2: Sócrates responde: 'Primeiro, você deve abdicar de suas certezas'. Q3: Deus conclui: 'De uma hora pra outra filosofia ficou tão chata'.

RUAS, Carlos. [858 – Sócrates 7]. Um sábado qualquer, [s. l.], 7 jun. 2012. Disponível em: https://livro.pw/mearx. Acesso em: 29 set. 2024. A tirinha destaca um elemento fundamental nos métodos filosóficos: o questionamento das certezas e das ideias comumente aceitas.

Página vinte e seis

CONEXÕES com...
FÍSICA
Modelo indiciário e modelo galileano

O método não é necessário apenas para a produção do conhecimento filosófico. Na realidade, todas as ciências desenvolveram métodos próprios, baseados nos objetos, problemas e perspectivas quê lhes são específicos. No fragmento do texto a seguir, o pensador italiano Carlo Ginzburg (1939-) estabelece dois grandes modelos de método para as ciências: o modelo indiciário, muito presente nas Ciências Humanas, e o modelo galileano, quê teve grande influência na formação das Ciências Exatas. Leia o trecho atentamente e responda ao quê se pede:

[…] Ainda quê a física moderna não se possa definir como ‘galileana’ (mesmo não tendo renegado Galileu), o significado epistemológico (e simbólico) de Galileu para a ciência em geral permaneceu intacto. Ora, é claro quê o grupo de disciplinas quê chamamos de indiciárias (incluída a medicina) não entra absolutamente nos critérios de cientificidade deduzíveis do paradigma galileano. Trata-se, de fato, de disciplinas eminentemente qualitativas, quê têm por objeto casos, situações e documentos individuais, enquanto individuais […]. A ciência galileana tinha uma natureza totalmente diversa, quê poderia adotar o lema […] do quê é individual não se póde falar. O emprego da matemática e o método experimental, de fato, implicavam respectivamente a quantificação e a repetibilidade dos fenômenos, enquanto a perspectiva individualizante excluía por definição a segunda, e admitia a primeira apenas em funções auxiliares. Tudo isso explica por quê a história nunca conseguiu se tornar uma ciência galileana. […]

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfología e história. Tradução: Federico Carotti. São Paulo: Companhia das lêtras, 1989. p. 156.

Saiba mais

Site. PODCAST. [Campinas]: Enciclopédia mulheres na filosofia, c2024. Disponível em: https://livro.pw/zdnug. Acesso em: 27 ago. 2024.

Página com línkis dos episódios do Podcast da Enciclopédia Mulheres na Filosofia. Organizado por professoras e pesquisadoras estudiosas das ideias de diversas filósofas, o podcast permite conhecer mais a respeito das reflekções de pensadoras quê contribuíram para a formação da tradição filosófica.

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. De acôr-do com Ginzburg, o quê diferencia o método de pesquisa das disciplinas indiciárias daquele das disciplinas galileanas?

1. As disciplinas indiciárias são qualitativas, enquanto as disciplinas galileanas utilizam métodos quantitativos e experimentais.

2. Com a ajuda do professor de Física, explique por quê o método experimental e o emprego da matemática foram importantes para os avanços dos conhecimentos no campo da Física.

2. Os estudantes podem destacar a importânssia do método experimental para a formulação de hipóteses, como a teoria da gravitação.

3. Com base em seus conhecimentos e hipóteses, você acredita quê a filosofia está mais próxima de qual dos grandes campos de método de pesquisa? Justifique.

3. Espera-se quê os estudantes concluam quê a filosofia tem métodos de caráter qualitativo, com a presença de práticas de saber associadas às disciplinas galileanas, como a lógica.

Página vinte e sete

RECAPITULE

Ao longo do capítulo, você refletiu sobre o problema da história da filosofia, identificando a maneira como diferentes tradições a respeito do pensamento filosófico se desenvolveram ao longo do tempo. Com isso, pôdi entender a importânssia do diálogo e do debate de pensadores com diferentes perspectivas sociais e culturais para a formação do pensamento filosófico contemporâneo.

Você também refletiu sobre a importânssia da recuperação de vozes historicamente silenciadas e compreendeu quê não existe apenas uma corrente filosófica, mas uma pluralidade de perspectivas quê ajudaram a constituir a diversidade do pensamento filosófico. Isso é fundamental para compreender o papel da postura não dogmática para o debate e a reflekção na filosofia.

Outro ponto estudado foi a importânssia dos métodos para o desenvolvimento do pensamento filosófico e algumas características gerais quê podem ajudar a delimitar akilo quê é próprio do pensamento filosófico, como o uso da razão, o debate, a construção rigorosa da reflekção, entre outros elemêntos.

A partir díssu, é possível retomar a questão discutida ao longo do capítulo, compreendendo melhor a importânssia do estudo de Filosofia na Educação Básica. Essa forma de compreensão da realidade é uma ferramenta importante para o exercício do pensamento crítico, abrindo caminho para a construção de conceitos e ideias quê podem contribuir para a transformação da ssossiedade e o exercício da cidadania. Nos próximos capítulos, você vai conhecer as ideias de diversos filósofos e os temas de debates, os quais ajudarão a refletir sobre o mundo em quê vivemos e a problematizar ideias aceitas sem os devidos questionamentos.

Imagem de escultura representando um homem nu, sentado em uma pedra. Ele está curvado para frente, com o queixo apoiado na mão esquerda, e pensa: 'Por que eu preciso aprender Filosofia?'.

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ATIVIDADES FINAIS

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. O texto a seguir é um fragmento de uma entrevista com a filósofa brasileira Marilena Chaui

(1941-).

CULT – Quando as pessoas perguntam ‘qual a utilidade, para quê filosofia?’, deixam entrever uma concepção exclusivamente instrumental do conhecimento, concepção esta quê é desmentida pela própria história da filosofia. Parece quê a filosofia, ao contrário da matemática e da biologia, precisa continuamente legitimar seu direito à existência. Apesar díssu, existiria uma dimensão instrumental, ‘funcional’, da especulação filosófica, quê justificaria sua implantação curricular no ensino médio? De quê maneira a filosofia póde hoje fornecer respostas concretas para o enfrentamento de problemas sociais urgentes?

MC – É conhecido o ditado: ‘A filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanéce tal e qual’. Ou seja, não sérve para coisa nenhuma. O ‘para quê?’ indica quê tendemos a considerar o conhecimento de um ponto de vista instrumental como um meio e não como um fim e, como não se vê qual a instrumentalidade da filosofia, decreta-se sua inutilidade. Certa vez, perguntaram a um filósofo: para quê filosofia? Ele respondeu: para não darmos nosso assentimento às coisas sem maiores considerações. Ou seja, a atitude filosófica se inicia quando desconfiamos da veracidade ou do valor de nossas crenças cotidianas, desconfiança quê surge, sobretudo, no momento em quê nossas crenças, nossas ideias, nóssos valores parecem contradizer-se uns aos outros. A filosofia é uma interrogação sobre o sentido e o valor do conhecimento e da ação, uma atitude crítica com relação ao quê nos é dado imediatamente em nossa vida cotidiana, um trabalho do pensamento para pensar-se a si mesmo e da ação para compreender-se a si mesma.

CHAUI, Marilena. Entrevista: Marilena Chaui. [Entrevista cedida a] Juvenal Savian Filho e Eduardo Socha. Cult, São Paulo, 2024. Disponível em: https://livro.pw/ugpsm. Acesso em: 21 ago. 2024.

a) A filósofa defendeu uma tese a respeito do papel do conhecimento filosófico em sua resposta. Identifique e explique a tese defendida.

1. a) Ela defende quê o papel da filosofia é instigar uma atitude de questionamento, assegurando uma postura crítica diante do conhecimento e das ações dos indivíduos.

b) Com base na leitura do texto, como a “atitude filosófica” póde ajudar a lidar com kestões da vida cotidiana?

1. b) A atitude filosófica é uma forma de questionar a realidade e as ideias aceitas, estimulando o pensamento crítico e reflexivo.

c) Em sua opinião, qual é a importânssia de não dar “nosso assentimento às coisas sem maiores considerações”?

1. c) Resposta pessoal. Espera-se quê os estudantes obissérvem quê a postura crítica é fundamental para o exercício da cidadania, afastando ideias equivocadas, imprecisas ou preconceituosas.

2. A imagem da próxima página é um detalhe da obra Escola de Atenas, produzida no komêsso do século XVI pelo artista renascentista Rafael Sanzio (1483-1520). A obra representa diversos pensadores da Antigüidade ao lado de pensadores renascentistas, portanto ela destaca a importânssia do pensamento filosófico no contexto renascentista. No detalhe, é possível identificar o filósofo grego Ptolomeu ao lado de Zaratustra, um profeta quê nasceu na Pérsia no século VII a.C. Com base nessas informações e no quê estudou ao longo do capítulo, responda ao quê se pede:

a) Formule uma hipótese para explicar a razão pela qual o artista renascentista representou um pensador grego ao lado de um profeta oriental ao tratar da importânssia da filosofia.

2. a) Espera-se quê os estudantes explorem a ideia de diálogo entre tradições grêgas e orientais na maneira como Rafael enxergava o processo de organização do conhecimento filosófico.

b) Em sua opinião, a obra de Rafael Sanzio reforça a ideia de quê existe uma ruptura radical entre o pensamento ocidental e o oriental? Justifique sua resposta.

2. b) A obra de Rafael destaca a influência oriental no pensamento filosófico ao recuperar a figura de Zaratustra.

Página vinte e nove

Detalhe de pintura que representa um grupo de pensadores. Um deles usa coroa pontiaguda e segura um globo terrestre. Ele está diante de um homem idoso, que possui barba longa, usa turbante e segura uma esfera. À direita, um jovem e um idoso estão lado a lado, de perfil, voltados para o lado esquerdo.

SANZIO, Rafael. Escola de Atenas. ca. 1510-1511. Afresco, 500 cm x 770 cm. Museus e Galerias do Vaticano, Vaticano.

3. Leia o trecho do texto quê destaca o problema do apagamento da presença feminina nos livros de História da Filosofia.

A presença de mulheres na história da filosofia é tão remota quanto a própria história da filosofia – há registros de pensadoras desde a Grécia Antiga. ‘Edith Stein [1891-1942], Hannah Arendt [1906-1975] e Simone de Beauvoir [1908-1986], as célebres representantes do século XX, não aparecêram do nada; elas estão sobre ombros de gigantes femininas antes delas’, afirma Ruth Hagengruber, diretora do Centro para a História de Mulheres Filósofas e Cientistas, da Universidade de Paderborn, na Alemanha, uma referência mundial no assunto. ‘Ao criá-lo, em 2006, nosso objetivo era renovar o discurso acadêmico sobre a longa tradição das mulheres filósofas.’

[…]

[…] Um dos pontos freqüentes de investigação é a origem do apagamento da presença feminina nos livros de história da filosofia. ‘Há várias mulheres quê produziram filosofia, conversando entre si e com filósofos homens’, diz [a pesquisadora brasileira Yara] Frateschi. ‘Algumas são lembradas nominalmente na literatura, como Elizabéti da Boêmia [1596-1662], importante interlocutora de Renê Descartes [1596-1650], mas não são lidas nem consideradas filósofas. A primeira pergunta é: por quê não entraram para o cânone, quê precisa sêr repensado?’ Uma das pistas é recuperar o ambiente de produção intelectual de uma área muito restrita, como a filosofia, o quê contribuiu para quê a participação feminina tenha se dado fora dos espaços de saber tradicionalmente reconhecidos.

FERRARI, Márcio. Pensadoras ocultas. Revista Pesquisa Fapesp, São Paulo, ed. 282, ago. 2019. Disponível em: https://livro.pw/kdocq. Acesso em: 28 ago. 2024.

a) De acôr-do com o texto, o quê ajuda a explicar o apagamento da presença feminina nos livros de História da Filosofia?

3. a) Segundo o texto, o campo da filosofia é muito restrito, o quê resultou na exclusão de muitas mulheres dos espaços tradicionais de produção de saberes.

b) Discuta com côlégas os problemas associados a esse apagamento.

3. b) Espera-se quê os estudantes reflitam sobre a relação entre o apagamento das mulheres dos livros de História da Filosofia e outras formas de exclusão quê marcam as relações de gênero.

Página trinta