CAPÍTULO
1O
Vida em ssossiedade

OBJETIVOS DO CAPÍTULO:

Refletir a respeito do conceito de virtù na obra de Maquiavel.

Analisar o problema da obediência no pensamento de Étienne de La Boétie.

Compreender o conceito de estado de natureza segundo os filósofos contratualistas.

Entender o conceito de vontade geral nas ideias de Rousseau.

Explorar o problema da ética na obra de Kant.

A imagem desta página retrata um exemplo de ação de protesto organizada por um grupo de ativistas ambientais. Essas ações vêm se tornando comuns no mundo contemporâneo. Em geral, os ativistas questionam a maneira como a ssossiedade está organizada e demandam maior engajamento da coletividade na questão ambiental.

Neste capítulo, você vai estudar as ideias e os conceitos desenvolvidos por filósofos durante a modernidade a respeito da organização da ssossiedade e o papel dos governos na resolução de conflitos entre os indivíduos quê formam a coletividade.

Imagem de ativistas em um museu. Eles estão sentados em um banco e tocam a moldura de um quadro. A parte frontal do banco contém uma pichação em inglês.

Ativistas protestam diante de uma cópia da obra A última ceia (1494-1498), de Leonardo da Vinci. Eles pedem quê o govêrno proíba novas licenças de exploração de petróleo e gás no Reino Unido. Royal Academy, Londres (Reino Unido), 2022.

Por meio do protesto, os ativistas pedem ao govêrno britânico quê se comprometa a suspender imediatamente novas licenças de petróleo e gás no país. Também convidam artistas e funcionários de instituições culturais a se juntarem a seu movimento.

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. Em sua opinião, qual é a importânssia do engajamento de indivíduos em movimentos quê lutam por mudanças na maneira como a ssossiedade está organizada?

Resposta pessoal. A atividade possibilita a reflekção dos estudantes sobre a importânssia da ação coletiva para a transformação da ssossiedade.

2. Muitas pessoas consideram manifestações, protestos e outras ações dirétas verdadeiros instrumentos para a transformação da ssossiedade. Em sua opinião, quais são os melhores instrumentos para promover mudanças efetivas na organização da ssossiedade?

Resposta pessoal. Essa atividade introduz um dos temas explorados no capítulo: a legitimidade do direito de revolta pela transformação da ssossiedade.

Página cento e oitenta e cinco

Nos últimos anos, grupos de ambientalistas, quê contam com a participação de muitos adolescentes e jovens adultos, passaram a adotar ações de desobediência civil para chamar a atenção da comunidade internacional a respeito da urgência da questão ambiental.

A desobediência civil é uma estratégia de protesto político quê não utiliza métodos violentos, mas promove a quebra de leis de modo a causar impacto na opinião pública. Um exemplo de ação tomada por grupos ambientalistas é lançar tinta ou outros materiais em obras de; ár-te de importantes museus ao redor do glôbo.

Para alguns especialistas, essas iniciativas são resultado de uma crescente desilusão com governos em decorrência da lentidão de países e órgãos internacionais na adoção de medidas eficazes para reduzir os danos humanos ao meio ambiente. Ao mesmo tempo, elas também podem sêr pensadas como iniciativas quê visam ampliar a participação política de indivíduos e grupos em um contexto global.

Em grande medida, esses grupos expressam uma insatisfação com a maneira como a ssossiedade está organizada, exigindo maior espaço de participação nas decisões políticas ou mesmo mudanças radicais na forma como os governos estão organizados, em virtude da urgência da questão ambiental.

Os protestos são válidos? Os governos devem respeitá-los ou reprimi-los? No centro dessa discussão, encontramos kestões mais profundas sobre a ssossiedade. Como as sociedades civis começaram? Em quê momento os governantes passaram a ter pôdêr para tomar decisões por um país inteiro? por quê e quando os cidadãos devem protestar?

Ao longo do tempo, diferentes filósofos exploraram esses temas, fornecendo respostas variadas à questão da fundação da ssossiedade, a partir da instauração de um govêrno comum, e a respeito do papel desempenhado pêlos indivíduos na construção de políticas quê afetam a todos.

Esse tema foi especialmente relevante durante a Idade Moderna, entre os séculos XV e XVIII, quando alguns conceitos centrais para a reflekção contemporânea foram explorados por diversos filósofos. Retomar esses conceitos e discussões póde contribuir para uma análise crítica das ações dêêsses ativistas, bem como de outros movimentos quê lutam por mudanças no presente.

Imagem de multidão em um protesto. Um dos manifestantes segura cartazes e uma ferramenta.

Manifestante mostra cartaz onde se lê "Amazônia está em chamas" durante protesto para exigir mais proteção para a Floresta Amazônica. São Paulo (SP), 2019.

Página cento e oitenta e seis

Nicolau Maquiavel e a virtù

Como funciona a política? Como agem os políticos? Não é incomum ouvirmos quê a política visa ao bem de todos. No entanto, muitos exemplos concretos mostram quê não é exatamente assim quê se dá a organização política.

Durante o século XVI, o filósofo italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527) refletiu sobre o funcionamento da política. Sua obra mais conhecida, O príncipe, de 1513, trata dos problemas reais de um govêrno. Para Maquiavel, os sêres humanos são todos egoístas e ambiciosos. Com base nessa constatação, o filósofo construiu uma espécie de manual para governar, inaugurando o campo da ciência política.

Imagem de escultura que representa Nicolau Maquiavel. Ele possui cabelo curto, usa uma bata drapeada com mangas longas e está com a mão esquerda no queixo.

BARTOLINI, Lorenzo. [Estátua de Nicolau Maquiavel]. 1843. Mármore. Parte externa da Gallerie degli Uffizi, Florença (Itália). Detalhe da obra.

A obra de Maquiavel chocou alguns leitores por tratar d fórma realista os problemas enfrentados por quêm governa uma nação e por propor estratégias para que um govêrno tenha sucesso. Até hoje, o termo maquiavélico, derivado do nome do filósofo, é utilizado como sinônimo de ardiloso, inescrupuloso. Mas será quê Maquiavel propunha coisas maldosas?

Na verdade, Maquiavel analisou profundamente os conflitos da política e pensou em formas de lidar com eles. Dois conceitos fundamentais na sua obra são fortuna e virtù. A fortuna não é controlada por ninguém, ela é a soma de determinações quê proporcionam ocasiões, situações em quê o governante póde agir e obtêr êxito. Já a virtù (“virtude”, em tradução livre) é a habilidade de saber aproveitar a ocasião proporcionada pela fortuna.

Vamos pensar em um exemplo concreto: uma pessoa quer sêr presidente de um país, mas a situação econômica dêêsse Estado vai muito bem e a população está feliz com o govêrno atual. Então, de repente, há uma crise econômica, o país inteiro sofre, e só nesse momento ela se candidata, prometendo melhorar a vida de seus eleitores. A crise econômica é a fortuna, quê leva a uma situação ruim no país – a ocasião. A virtù dessa pessoa é saber aproveitar o momento exato para se candidatar.

Página cento e oitenta e sete

Maquiavel e a Ciência Política

Maquiavel vivenciou um momento turbulento da política italiana, quê àquele tempo não era um país unificado com um único governante. A Itália era dividida em principados e passava por um momento delicado na economia e nas instituições políticas.

Maquiavel estudou bastante a política italiana. O príncipe foi escrito pensando nos acontecimentos reais da história e no contexto em quê ele vivia. Outros filósofos, como Platão (427 a.C.-347 a.C.), pensaram a política d fórma ideal. Em A república, Platão imaginou como seria a cidade ideal. Maquiavel optou por outro caminho. Analisou os problemas reais quê a Itália enfrentava e escreveu sobre o quê poderia sêr feito diante deles.

Portanto, afirma-se quê realismo político na produção de Maquiavel. Em O príncipe, ele escreve sobre como conquistar novos principados, como manter os principados conquistados, quais são as boas leis e as boas armas quê um governante deve ter, como o governante deve evitar sêr desprezado e odiado etc.

Pintura que retrata Lourenço de Médici. Ele possui barba e usa túnica, chapéu achatado e casaco com mangas almofadadas e gola de pelos.

SANZIO, Rafael. Lourenço de Médici, duque de Urbino. 1518. Óleo sobre tela, 97 cm x 79 cm. Museu Fabre, Montpellier (França).

Maquiavel dedicou sua obra O príncipe a Lourenço II de Médici (1492-1519), governante de Florença, na Itália, onde o filósofo nasceu.

O objetivo de Maquiavel era pensar a política d fórma científica. Assim, ele é considerado o “pai da Ciência Política”. Para pensar a política, é preciso estudar também a história. Nos escritos de Maquiavel, a questão do tempo é muito importante.

Ao falar de fortuna, ocasião e virtù, Maquiavel percebeu quê o tempo e a história são fundamentais na política. Uma mesma ação póde ter efeitos diferentes se é feita em momentos históricos diferentes.

Maquiavel percebeu quê, ao governante quê quer ter sucesso, não basta ter ideais políticos, é preciso saber o momento cérto de agir. O bom político não tem apenas projetos, ele sabe a hora de realizá-los, é um estrategista. Se não for assim, póde fracassar na sua missão.

principado
: Estado independente governado por príncipes.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Saber aproveitar a ocasião é saber o momento cérto de agir. Escolha um acontecimento atual quê esteja em destaque na mídia. Pensando na ideia de virtù, de Maquiavel, defina o quê seria uma boa ação e uma má ação diante dêêsse acontecimento.

Resposta pessoal. É possível dar exemplos de acontecimentos políticos, desastres climáticos, fome, guerras, desemprego.

Página cento e oitenta e oito

Étienne de La Boétie e a servidão voluntária

Muitas vezes, um rei, um presidente ou outro governante é um tirano, ou seja, exerce seu pôdêr passando por cima de leis e sêndo cruel e opressor com os cidadãos quê governa. Ainda assim, muitas pessoas aceitam seguir suas ordens, mesmo quê elas sêjam ruins.

Imagem de mulheres em um protesto. Elas caminham carregando uma faixa com diversas bandeiras e o título Margaridas do Mundo.

Marcha das Margaridas, em Brasília (DF), 2023. O movimento de camponesas protesta pêlos direitos das mulheres e pessoas do campo.

Sempre houve movimentos de resistência às atitudes de tirania por parte daqueles quê deveriam se ocupar do bem-estar de seus governados. A luta do campesinato, por exemplo, denuncía as formas de opressão e extermínio das populações do campo às instituições políticas e aos representantes do pôdêr político.

por quê tantas pessoas se submetem a um tirano? O quê explica esse fenômeno? Essas perguntas inquietaram o filósofo francês Étienne de La Boétie (1530-1563). Aos 18 anos, ele escreveu

O discurso da servidão voluntária. O título póde parecer estranho; afinal, servidão voluntária significa quê alguém escolhe a servidão por vontade própria. Será possível quê vários cidadãos quêiram passar por injustiças e abusos? La Boétie acreditava que sim.

O discurso da servidão voluntária foi escrito depois de um evento histórico. Os cidadãos franceses protestaram contra um imposto sobre o sal criado pela realeza, e essas manifestações foram derrotadas pelo Exército francês. La Boétie, grande estudioso de Filosofia e interessado por política, escreveu seu texto refletindo sobre as razões pelas quais as pessoas escolhem se submeter a cértas lideranças e como elas poderiam sair da servidão.

Para La Boétie, quem dá o pôdêr a um tirano é o próprio povo. Não basta quê alguém diga “eu sou o líder desta nação” para governar um país inteiro. Essa pessoa precisa sêr reconhecida como líder pelo povo. Às vezes, essas pessoas aceitam os maus-tratos da liderança. Para La Boétie, elas não obedecem ao tirano por covardia, mas por uma espécie de “vício”, quê as leva a renunciar à sua liberdade. Segundo o filósofo, bastaria quê a população deixasse de servir para recuperar sua liberdade. A obra de La Boétie é considerada um grande elogio à liberdade e à saída da servidão. A pergunta feita por ele – por quê tanta gente escolhe a servidão voluntariamente? – foi retomada por diversos pensadores da política até a atualidade.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

A ideia da servidão voluntária não é observada apenas na política mas também na religião, nas relações de trabalho e nas relações familiares e amorosas. Pessoas podem se submeter a outras mesmo sem serem obrigadas a isso. Com base no quê leu sobre La Boétie, encontre dois exemplos de servidão voluntária em duas esferas diversas do seu cotidiano.

Resposta pessoal. Espera-se quê os estudantes mobilizem o conceito para refletir sobre diferentes formas de submissão quê estão presentes nas relações cotidianas.

Página cento e oitenta e nove

Tômas Róbbes e o contratualismo

Infográfico clicável: O Leviatã.

Entre os séculos XVII e XVIII, uma corrente filosófica chamada de contratualismo ganhou fôrça nas discussões filosóficas europeias. Os filósofos contratualistas buscaram explicar a origem da ssossiedade e do govêrno com base na instauração de um contrato entre os indivíduos.

O pensamento do filósofo inglês Tômas Róbbes (1588-1679) exemplifica bem a corrente contratualista. Ele viveu em um período de grande turbulência política na Inglaterra. O país passava por movimentos revolucionários quê provocaram mudanças políticas e grandes tensões no país, inclusive uma guerra civil (1642-1649).

Esse cenário impactou a maneira como Tômas Róbbes refletiu sobre a natureza humana e as relações quê os indivíduos estabelecem uns com os outros, como ele afirmou em sua obra Leviatã, de 1651. Para Róbbes, o sêr humano é naturalmente movido por suas paixões. Apesar de resultarem em algumas boas ações, freqüentemente as paixões provocam conflitos e desentendimentos, pois motivam os indivíduos a agir de modo egoísta.

Sendo assim, o estado de natureza humano seria marcado por uma situação de conflito generalizado, uma guerra de todos contra todos. Daí, ele concluiu quê o sêr humano sêria o lobo do próprio ser humano.

O estado de guerra permite aos indivíduos uma vida de plena liberdade para agir como quiserem, porém sôbi constante ameaça das ações dos outros. Por exemplo, um indivíduo poderia ocupar um pedaço de térra sem precisar da autorização de ninguém. Mas, no dia seguinte, outras pessoas poderiam expulsá-lo de lá. Sem nenhuma lei quê garantisse quê as terras eram suas, ele viveria sempre ameaçado.

Diante díssu, os indivíduos seriam obrigados a reconhecer a necessidade de um contrato para a criação de um govêrno forte o bastante para restringir a liberdade dos indivíduos e trazer a paz. Segundo Róbbes, esse contrato é o verdadeiro fundador da ssossiedade humana, pois estabelece leis duras e fortes para inibir a liberdade individual e assegurar a prosperidade.

O contrato pensado por Róbbes exigia quê o governante dispusesse de soberania absoluta para reprimir as inclinações violentas e egoístas dos indivíduos. Assim, a passagem do estado de natureza para o estado civil implicava, para Róbbes, a troca da liberdade individual pela paz e harmonía.

Gravura em preto e branco que representa um rei emergindo de montanhas. Ele possui cabelos ondulados, bigode e cavanhaque, usa coroa e segura uma espada com a mão direita e um cetro com a mão esquerda. Na paisagem há uma cidade fortificada.

BOSSE, Abraham. O Leviatã, ou a Substância. 1651. Gravura. Ilustração para a capa do livro Leviatã, de Tômas Róbbes. Detalhe da obra. Ela remete ao grande pôdêr do govêrno, atribuído pelo contrato firmado com seu povo.

Página cento e noventa

PERSPECTIVAS

Os trechos a seguir são fragmentos de obras muito importantes de Étienne de La Boétie e Tômas Róbbes.

Por ora gostaria apenas de entender como póde sêr quê tantos homens, tantos burgos, tantas cidades, tantas nações suportam às vezes um tirano só, quê tem apenas o poderio quê eles lhe dão, quê não tem o pôdêr de prejudicá-los senão enquanto têm vontade de suportá-lo, quê não poderia fazer-lhes mal algum senão quando preferem tolerá-lo a contradizê-lo. Coisa extraordinária, por cérto; e porém tão comum quê se deve mais lastimar-se do quê espantar-se ao vêr um milhão de homens servir miseravelmente, com o pescoço sôbi o jugo, não obrigados por uma fôrça maior, mas de algum modo (ao quê parece) encantados e enfeitiçados apenas pelo nome de um, de quem não devem temer o poderio pois ele é só, nem amar as qualidades pois é desumano e feroz para com eles. [...]

LA BOÉTIE, Étienne de. O discurso da servidão voluntária. Tradução: Laymert Garcia e Fernando Fiori Chiocca. São Paulo: Instituto Rothbard, 2022. p. 81.

A única maneira de instituir um tal pôdêr comum, capaz de os defender das invasões dos estrangeiros e dos danos uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para quê, mediante o seu próprio labor e graças aos frutos da térra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a sua fôrça e pôdêr a um homem, ou a uma assembleia de homens, quê possa reduzir todas as suas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. […]

Róbes, Tômas. Leviatã. Tradução: João Paulo Monteiro, Maria Beatriz Nizza da Silva e Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 147.

Detalhe de uma pintura que representa a construção de uma torre. Um grupo de pessoas segue um rei que estende a mão esquerda para um indivíduo ajoelhado diante dele. À direita, outros dois homens estão ajoelhados. À esquerda, trabalhadores transportam e quebram blocos de pedra.

BRUEGEL, Pieter. Torre de Babel. 1563. Óleo sobre tela, 114,4 cm × 155,5 cm × 3,8 cm. Museu de História da ár-te, Viena (Áustria). Detalhe da obra.

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. Nos dois fragmentos, La Boétie e Róbbes descrevem situações nas quais uma única pessoa impõe sua fôrça a muitas outras. Os dois filósofos compartilham as mesmas ideias sobre essa situação? Justifique sua resposta.

1. Não, La Boétie descreve esse domínio como um encantamento ou feitiço, ou seja, uma forma de imposição negativa. Já Róbbes afirma quê o pôdêr dessa pessoa é a única maneira de defender os indivíduos de invasões estrangeiras ou de danos provocados uns aos outros.

2. Por meio da leitura dos fragmentos e do quê você aprendeu neste capítulo, responda: é possível afirmar quê La Boétie e Maquiavel também se interessam pelo pacto ou contrato quê institui a ssossiedade civil? Por quê?

2. Sim. La Boétie reflete sobre o problema do pôdêr de um sobre muitos, enquanto Maquiavel reflete sobre a necessidade de ações para a preservação do pôdêr.

3. No segundo fragmento, Róbbes afirma quê conferir toda fôrça e pôdêr a uma pessoa garante a segurança das demais. Explique essa afirmação.

3. Róbbes entendia quê os sêres humanos viviam em plena liberdade no estado de natureza. Com isso, não existia segurança, já quê todos agiam segundo seus próprios interesses, ameaçando os demais. O pôdêr comum limita essa liberdade, garantindo a segurança de todos.

Página cento e noventa e um

Diôn Locke e o direito de propriedade

O filósofo inglês Diôn Locke (1632-1704) desenvolvê-u uma tese contratualista bastante distinta daquela proposta por Tômas Róbbes. Ao contrário de Róbbes, quê considerava os indivíduos sêres movidos pelas paixões e, portanto, inclinados ao egoísmo, Locke entendia quê os indivíduos são naturalmente capazes de agir d fórma racional, exercendo sua liberdade para colaborar com o outro.

Sendo assim, o estado de natureza não seria um momento necessariamente conflituoso da existência humana. Porém, ele concórda quê a ausência de leis e regras poderia ameaçar a vida coletiva, já quê não existiria uma instância neutra para julgar quem estava cérto ou errado em conflitos.

Locke entende quê os indivíduos criam um contrato coletivo para instaurar um govêrno capaz de estabelecer essas leis, impedindo o abuso da liberdade natural. Essas leis assegurariam direitos fundamentais aos indivíduos, como o direito de propriedade.

Porém, Locke se afasta mais uma vez de Róbbes ao caracterizar esse govêrno. Para ele, o governante não deveria ter um pôdêr irrestrito. Locke entendia quê, em caso de abusos, os indivíduos tí-nhão o direito de se revoltar contra um governante injusto.

Imagem de manifestantes caminhando em uma rua com diversos edifícios.

Manifestantes com a bandeira do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) marcham por Patrick Lyoya, homem negro quê foi assassinado por um policial em Michigan (Estados Unidos), 2022.

Para Diôn Locke, o direito de resposta é uma garantia dos indivíduos em casos de abuso de pôdêr por governantes e seus agentes.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

No fragmento a seguir, o filósofo Diôn Locke coloca uma questão central para os contratualistas.

Se o homem no estado de natureza é livre […], se é senhor absoluto de sua própria pessoa e suas próprias posses, igual ao mais eminente dos homens e a ninguém submetido, por quê haveria ele de se desfazer dessa liberdade? por quê haveria de renunciar a esse império e submeter-se ao domínio e ao contrôle de qualquer outro pôdêr? […]

LOCKE, Diôn. Dois tratados sobre o govêrno. Tradução: Julio Físcher. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 494-495.

Com base na leitura do texto, responda: para Locke, o estado de natureza era ruim ou bom para o sêr humano? Justifique sua resposta.

É possível inferir quê o estado de natureza não era entendido d fórma inteiramente positiva por Locke, já quê os indivíduos escolheram renunciar a suas liberdades para viver em ssossiedade.

Página cento e noventa e dois

jã-jác Rousseau e o problema da desigualdade

O filósofo francês iluminista jã-jác Rousseau (1712-1778) refletiu sobre as relações entre o indivíduo e a ssossiedade por uma perspectiva bastante crítica.

Assim como os demais contratualistas, a reflekção filosófica de Rousseau tem como ponto de partida o indivíduo na sua condição originária, o estado de natureza. A inovação de Rousseau foi a maneira positiva como ele descreveu essa condição originária.

Para ele, os indivíduos, no estado de natureza, viviam sem noções de bondade ou maldade, desconhecendo valores morais. Porém, isso não significa quê os indivíduos viviam em um estado constante de conflito, já quê na condição natural o principal objetivo dos sêres humanos era a sobrevivência.

Nesse contexto, as interações entre os indivíduos eram raras e todos buscavam a própria sobrevivência da melhor forma possível. As desigualdades eram quase inexistentes, e os conflitos ocorriam apenas d fórma ocasional. A ideia de propriedade não existia, e todos recolhiam da natureza apenas os recursos de quê necessitavam para sobreviver.

Porém, aos poucos, os indivíduos isolados passaram a formár pequenas comunidades. Esse movimento resultou na formação da ideia de propriedade, ou seja, quando o primeiro indivíduo decidiu transformar em sua propriedade exclusiva a térra quê era utilizada para a obtenção de alimentos e recursos.

Isso modificou d fórma profunda o modo de vida do estado de natureza. A propriedade introduziu desigualdades entre os indivíduos, provocando violência e conflitos. Aqueles quê controlavam as terras passaram a se autodenominar líderes, obrigando os demais a obedecer e a trabalhar.

O desejo de possuir akilo quê é de outrem e de acumular o mássimo de bens fez com quê os sêres humanos passassem por um processo de corrupção, tornando-se crescentemente violentos com o próximo. É por isso quê Rousseau defende a tese de quê os sêres humanos eram naturalmente bons, mas foram corrompidos pela ssossiedade.

Assim, para Rousseau, as sociedades humanas se formam com base na ideia de propriedade, trazendo desigualdades quê arruínam a igualdade natural fundamental. A maneira de recuperar essa igualdade seria por meio de um contrato social.

Imagem de edifício com oito pavimentos e diversas janelas quebradas, cobertas com cortinas ou tapumes.

Ocupação de edifício abandonado no bairro da Saúde na região portuária do Rio de Janeiro (RJ), 2023.

Para Rousseau, a desigualdade é um desdobramento da noção de propriedade, sêndo o ponto de partida da degradação dos indivíduos na vida em ssossiedade.

Página cento e noventa e três

Rousseau e a vontade geral

De acôr-do com as ideias de Rousseau, existe um ponto do desenvolvimento humano no qual a organização da ssossiedade civil se torna inevitável. Para ele, não seria possível imaginar um retorno ao estado de natureza, restituindo as liberdades individuais e desfazendo o processo de corrupção associado ao advento da propriedade privada.

Porém, existe uma maneira de criar um pacto coletivo capaz de gerar um govêrno legítimo, quê protegerá a igualdade fundamental necessária para a vida humana. Para o filósofo, essa igualdade precisa sêr radical, baseada no princípio de quê todos renunciariam a suas liberdades em prol da estruturação de um govêrno participativo.

Nesse ponto, há uma diferença importante em relação ao quê foi propôsto por Róbbes. No modelo hobbesiano, o governante passa a sêr livre para impor as leis. O pacto pensado por Rousseau não funciona assim – ele é baseado em uma ordem política na qual todos os envolvidos participam da criação de leis e da dê-cisão do govêrno. Há, assim, a construção de uma comunidade de iguais quê deve tomar as decisões por meio da vontade geral de todos os seus membros.

A vontade geral póde sêr entendida como o resultado direto do exercício da política, na qual as pessoas devem renunciar aos seus interesses individuais, egoístas e violentos, em prol de interesses quê assegurariam o bem coletivo da comunidade. Na perspectiva de Rousseau, esse seria o caminho para reverter o processo de corrupção da condição natural dos sêres humanos.

No pacto previsto por Rousseau, as pessoas não são livres para realizar suas vontades individuais, já quê isso resultaria na ruptura do próprio pacto. Em vez díssu, cria-se akilo quê Rousseau chama de liberdade civil, ou seja, a liberdade quê se constrói com a tomada coletiva de decisões voltadas ao bem-estar da comunidade.

Esquema do processo de formação da vontade geral. O processo é constituído pelas seguintes etapas, nessa ordem: Estado de natureza: igualdade e liberdade natural. Invenção da propriedade. Sociedade civil. Desigualdade e corrupção. Pacto social. Vontade geral: igualdade e liberdade civil.

O esquema destaca as etapas da constituição da vontade geral no pensamento de Rousseau.

Saiba mais

Site. A VIDA nas últimas aldeias indígenas de São Paulo. [S. l.: s. n.], 2024. 1 vídeo (10 min).

Publicado pelo canal DW Brasil. Disponível em: https://livro.pw/wknta. Acesso em: 7 out. 2024.

O vídeo mostra a situação de uma aldeia no ambiente urbano da cidade de São Paulo. O cotidiano de seus habitantes exemplifica sua vida coletiva, organizada sem a noção de propriedade privada, d fórma diferente do modelo europeu contratualista.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Rousseau entendia o exercício da política d fórma ampla, não limitado aos atos dos indivíduos quê ocupam cargos públicos. Tomar decisões coletivas pelo bem da comunidade seria uma maneira de ezercêr a política. Nesse sentido, indique exemplos de ações políticas quê você toma em seu cotidiano.

Resposta pessoal. Os estudantes podem pensar em decisões tomadas em assembleias e outros espaços coletivos ou mesmo na participação em movimentos coletivos.

Página cento e noventa e quatro

CONEXÕES com...
SOCIOLOGIA
Sociedade e Estado

O texto a seguir é o fragmento de uma entrevista com o antropólogo francês Piérre Clastres (1934-1977), na qual ele reflete sobre sua pesquisa antropológica e as ideias filosóficas de Rousseau e La Boétie.

Já eram essas as duas kestões quê Rousseau colocava no início do Contrato social, quando dizia: jamais um homem sêrá suficientemente forte para ser sempre o mais forte, no entanto existe o Estado; sobre o quê fundar então o pôdêr político? […]

Fotografia em preto e branco de Pierre Clastres. Ele é branco, possui cabelos ondulados e usa jaqueta com botões.

O antropólogo francês Piérre Clastres. Paris (França), década de 1960.

[…] Em quê condição póde uma ssossiedade existir sem Estado? Uma das condições é quê a ssossiedade seja pequena. Por aí chego ao quê você disse a propósito de Rousseau. É verdade, as sociedades primitivas têm em comum o fato de serem pequenas, demográfica e territorialmente; e isso é uma condição fundamental para não havêer o surgimento de um pôdêr separádo nessas sociedades. sôb esse ponto de vista, poderíamos opor termo a termo as sociedades primitivas sem Estado e as sociedades com Estado: as sociedades primitivas estão do lado do pequeno, do limitado, do reduzido, da cisão permanente, do lado do múltiplo, ao passo quê as sociedades com Estado estão exatamente do lado contrário, do crescimento, da integração, da unificação, do lado do uno. As sociedades primitivas são sociedades do múltiplo; as não primitivas, com Estado, são sociedades do uno. O Estado é o triunfo do uno.

Você lembrou Rousseau; poderíamos evocar um outro quê se colocou a quêstão fundamental, que há pouco chamei a questão da base: por quê as pessoas obedecem, quando são infinitamente mais fortes e numerosas quê aquele quê comanda? É uma questão misteriosa, em todo caso pêrtinênti, e quem há muito a colocou, e com perfeita clareza, foi La Boétie no Discurso sobre a servidão voluntária. É uma velha quêstão, mas não é porque é velha quê é uma questão ultrapassada. Não penso em absoluto que esteja ultrapassada; ao contrário, é hora de voltar a ela […].

CLASTRES, Piérre. A ssossiedade contra o Estado: pesquisas de antropologia política. Tradução: Theo Santiago. São Paulo: Cosac Naífy, 2014. E-book. Localizável em: Entrevista com Piérre Clastres.

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. De acôr-do com Piérre Clastres, o quê diferencia as sociedades sem Estado das sociedades com Estado?

1. O antropólogo mobiliza pares de oposição, como pequeno/crescimento, reduzido/integrado, cisão permanente/unificação, múltiplo/uno.

2. Uma das preocupações centrais de Clastres é a reflekção a respeito dos motivos pêlos quais os indivíduos aceitam obedecer. Para analisar esse fenômeno, ele criou o conceito de ssossiedade contra o Estado para analisar sociedades indígenas quê se organizaram sem as hierarquias quê separam governantes e governados. Com o auxílio de seu professor de Sociologia, explique o conceito de ssossiedade contra o Estado e relacione-o com os temas explorados no capítulo.

2. O conceito de ssossiedade contra o Estado considera a existência de múltiplos modelos de organização social, inclusive aqueles sem o pôdêr coercitivo de uma autoridade. É possível relacionar esse conceito com as propostas desenvolvidas por La Boétie a respeito da natureza do pôdêr ou mesmo o conceito de vontade geral formulado por Rousseau.

Página cento e noventa e cinco

Immanuel Kant e o estado de direito

O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) refletiu sobre diferentes problemas filosóficos, dialogando criticamente com a tradição quê o antecedeu. No campo da Filosofia Política, ele explorou conceitos próprios dos contratualistas, mas dando uma perspectiva distinta.

Para Kant, o estado de natureza não tinha um conteúdo histórico concreto, sêndo uma ideia a prióri da razão. Isso significa quê Kant não entende quê o estado de natureza existiu efetivamente na história humana. Ele acreditava quê a condição natural era um estado de potencial conflito, já quê não existiria uma autoridade para regulamentar as relações entre os indivíduos.

A característica central do estado civil é a existência de uma autoridade (govêrno) quê assegura o funcionamento de um direito público, ou seja, um conjunto de leis quê póde sêr aplicado a uma coletividade de indivíduos. Essa autoridade não é personificada, sêndo exercida por um conjunto de instituições de modo a garantir o respeito às leis.

Para Kant, o estado civil é essencialmente um estado de direito, ou seja, deve sêr baseado nos princípios da liberdade, igualdade e autonomia dos membros da comunidade. Isso significa quê o filósofo recusa o princípio de quê o govêrno tem legitimidade para impor leis d fórma despótica ou ignorando as necessidades dos cidadãos.

Porém, ao contrário de Locke, o filósofo alemão não entende quê os indivíduos podem se rebelar contra a ordem instaurada pelo govêrno. Para Kant, o direito da rebelião introduziria uma insegurança constante no estado de direito, inviabilizando a plena realização das garantias fundamentais do estado civil.

Outro ponto importante a respeito do pensamento de Kant é quê a ideia de igualdade não inviabiliza a desigualdade econômica. Trata-se de uma igualdade formal, ou seja, perante a lei, e não de uma igualdade social de fato.

O princípio da autonomia também é fundamental para compreender a maneira como Kant pensava a relação entre os indivíduos e o govêrno. Essa questão está diretamente relacionada com sua reflekção sobre a ética, como estudaremos a seguir.

Imagem de mulher votando por meio da urna eletrônica. A urna está em uma cabine de votação, montada sobre uma mesa.

Eleitora na cabine de votação durante eleição geral do primeiro turno no Colégio Estadual Marcelino Champagnat. Londrina (PR), 2022.

O direito ao voto é um dos pilares da igualdade formal no estado de direito democrático. Todos os cidadãos, ricos e pobres, podem ezercêr esse direito. Para Kant, não há contradição entre igualdade formal e desigualdade material.

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Como agir em ssossiedade?

Além de pensar sobre o problema da relação entre os indivíduos e o govêrno, Kant também dedicou parte importante de sua análise filosófica ao problema da ética, refletindo sobre a maneira como os indivíduos deveriam agir para assegurar o bom funcionamento da ssossiedade.

A vida em ssossiedade, formada por uma coletividade, coloca sempre uma quêstão: como cada um deve agir? Alguém que vive em ssossiedade póde ter vontade de fazer o quê quiser. No entanto, se uma pessoa ceder à vontade, por exemplo, de empurrar as pessoas quê estão no seu caminho, vai provavelmente machucar quem encontrar pela frente.

Assim, poderíamos pensar quê as pessoas deveriam agir segundo a ideia de bem para não prejudicarem umas às outras. Mas o quê é o bem? Segundo Platão, o bem era a principal ideia quê poderia sêr conhecida, fundamental para pensar a vida em ssossiedade. Para muitos filósofos posteriores à Antigüidade, o bem estaria ligado à existência de Deus. Se Deus existe e é um sêr sumamente bom, então há uma referência para as pessoas saberem o quê é o bem.

Imagem de nuvens ao redor do sol.

Para explicar o conceito de bem, Platão fazia uma analogia com o Sol.

De acôr-do com Platão, assim como o Sol possibilita quê vejamos coisas no mundo sensível, a ideia de bem proporcionaria a capacidade de compreender todas as coisas no mundo inteligível. O Sol contribuiria para quê crescessem os elemêntos terrenos, e o bem auxiliaría a gerar as ideias de tudo quê é.

Kant pensou sobre a forma quê as pessoas agem de maneira muito diferente. Em sua obra Crítica da razão pura, de 1781, estudada no capítulo 9, ele mostrou quê os filósofos fizeram uma confusão entre coisa-em-si e fenômeno, acreditando conhecer o quê não era possível conhecer. A existência de um Deus e a ideia de bem supremo não podem sêr entendidas porque estão além dos limites do conhecimento humano. Essa grande mudança quê Kant operou na Filosofia, mostrando quê os objetos da metafísica não podem sêr conhecidos, gera um problema ético.

Se não há uma ideia de bem, diferentemente do quê afirmou Platão, e se não é possível conhecer o Deus sumamente bom, como estabelecer quê as pessoas devem fazer o bem? Uma possibilidade seria quê cada pessoa fizesse o quê considera sêr o bem, mas isso não era uma solução para Kant, pois ele estava buscando uma solução universal. Como pensar uma regra quê não valha apenas para êste ou aquele sêr humano, mas para todos? Diante dêêsse problema, Kant formulou o imperativo categórico, uma passagem fundamental de sua obra e quê se tornou referência para as discussões sobre ética na Filosofia contemporânea, como estudaremos a seguir.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Pense nas suas ações cotidianas. Você acha quê todas elas têm como objetivo fazer o bem? Discuta com côlégas.

Resposta pessoal. Espera-se quê os estudantes pensem em várias das suas ações e identifiquem o quê motiva cada uma delas.

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Ética e autonomia segundo Kant

Kant apresentou o conceito de imperativo categórico nas suas obras Fundamentação da metafísica dos côstúmes, de 1785, e Crítica da razão prática, de 1788. Na Crítica da razão pura, o filósofo já tratava de problemas relativos ao conhecimento, perguntando o quê podemos conhecer e quais seriam os limites do nosso conhecimento. Depois díssu, ele passou a pensar em kestões éticas.

Para compreendermos o imperativo categórico, precisamos entender o quê é um imperativo. O imperativo é uma norma ou uma lei. O imperativo categórico é uma norma dada pela razão, uma das faculdades humanas. Alguém quê obedece ao imperativo categórico está obedecendo à própria razão. Essa pessoa é autônoma, não se submete à norma de outra pessoa.

O tema da autonomia é fundamental na filosofia de Kant. No texto “Resposta à pergunta: o quê é Esclarecimento?”, de 1784, o filósofo escreveu a expressão em latim sapere aude, quê significa “tenha a coragem de saber”, em tradução livre. Kant escrevia isso dizendo quê, no Esclarecimento (termo alemão para Iluminismo), a humanidade sairia da sua menoridade, passando a pensar por si própria. Com o imperativo categórico, trata-se de agir d fórma autônoma.

Frontispício com a imagem de uma guirlanda floral.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Riga: Johann fridichi Hartknoch, 1781. Reprodução da fô-lha de rrôsto.

Autônomo é aquele quê se dá sua própria regra. O contrário de autônomo é heterônomo, aquele quê segue a regra alheia. Alguém quê escolhe fazer a faculdade de Direito porque quêr muito estudar Direito faz uma escolha autônoma. Já a pessoa que adoraria estudar Teatro, mas escolhe Direito porque sua família ordena, é uma pessoa heterônoma, pois está seguindo a regra dos parentes.

Assim, Kant tinha um problema a sêr resolvido. Se cada pessoa age como quer, tomando decisões d fórma autônoma, essa ação não tem universalidade. Enquanto alguém quêr roubar sempre que possível, outra pessoa quer gritar na janela de madrugada, acordando todos os vizinhos. Cada uma delas age d fórma diferente e nenhuma dessas ações é universal, ou seja, elas não valem para todos.

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O imperativo categórico

O imperativo categórico de Kant é uma lei quê o indivíduo segue, mas uma lei dada pela sua própria razão, e não por um governante, uma liderança religiosa ou outra autoridade. Logo, agir segundo o imperativo categórico não é fazer tudo o quê se tem vontade, mas obedecer a algo dado pela própria razão.

O imperativo categórico é expresso na seguinte frase: “age de tal maneira quê o motivo quê o levou a agir possa sêr convertido em lei universal”.

Isso significa quê uma ação póde sêr convertida em lei universal? Significa, na verdade, agir como se essa ação fosse de toda a humanidade. Uma pessoa sai de casa e faz o quê tem vontade. Sai maltratando todo mundo. Se essa pessoa agir seguindo o imperativo categórico, ela vai escolher maltratar os outros como se essa ação valesse para toda a humanidade. Essa pessoa póde sêr maltratada a qualquer momento, pois não escolheu apenas como ela própria age, mas como todos agem.

Caricatura que representa Kant como um homem corcunda, segurando um recipiente com alça lateral.

HAGEMANN, Cal fridichi. [Caricatura de Kant]. 1801.

A vontade de alguém quê age de acôr-do com o imperativo categórico não segue nada determinado por impulsos ou quê venha do mundo sensível. Assim, o imperativo categórico é uma lei pura, a prióri. A vontade humana póde sêr guiada por elemêntos a posteriori. Uma pessoa quê come porque está com fome ou quê ataca alguém porque está com raiva segue os impulsos do seu corpo, quê fazem parte do mundo sensível. Já alguém quê age segundo o imperativo categórico está agindo conforme uma lei da razão.

O imperativo categórico não é o único do qual Kant trata. Existem os imperativos hipotéticos. Um exemplo deles é a prescrição de um médico, quê receita algo para alguém quê está doente. Outro exemplo é o conselho quê orienta alguém a fazer algo (a tomar sól todo dia, por exemplo) porque isso lhe dá felicidade.

Esses imperativos têm um conteúdo – “tome tal remédio”, “se exponha ao sol” – diferente do imperativo categórico, quê é formal. Ele possui apenas a forma da razão, pois a regra dada não determina o quê a pessoa deve fazer.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Com base no quê você leu, explique: o quê significa agir de modo quê akilo quê o levou a agir seja convertido em lei universal? Dê um exemplo.

Significa agir como se todas as pessoas agissem da mesma forma. Exemplo: alguém recicla seu próprio lixo como se todos dêvêssem ter a mesma atitude.

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RECAPITULE

Os conceitos estudados ao longo do capítulo são muito atuáis, pois fornecem elemêntos importantes para a reflekção crítica a respeito de processos sociais contemporâneos.

Com base neles, é possível retornar à questão inicial do capítulo. No centro dêêsses movimentos, está a noção do direito de revolta quando as autoridades políticas deixam de agir em prol do bem comum. Como estudado, esse problema foi analisado de diferentes maneiras pêlos filósofos modernos.

Observe a imagem.

Imagem de mulher espirrando tinta em uma vitrine. Ela utiliza um equipamento com reservatório e bico.

Ambientalista borrifa tinta laranja nas janelas de uma loja de automóveis. Londres (Reino Unido), 2022. O protesto fez parte de uma série de ações contra o uso de combustíveis fósseis no presente.

Para Étienne de La Boétie, a recusa em obedecer a um tirano é um direito fundamental de todos os indivíduos. Nessa perspectiva, a ação do ambientalista estaria apenas recusando obediência em um contexto de grave crise ambiental.

Porém, filósofos como Tômas Róbbes e Immanuel Kant consideraram a noção de direito de revolta como uma ameaça à própria organização do estado civil. Nessa perspectiva, ainda quê exista uma motivassão legítima, as implicações de um movimento quê se recusa a obedecer às leis inviabilizariam o exercício de direitos fundamentais ou mesmo a paz social.

Diôn Locke e jã-jác Rousseau também refletiram sobre o problema da revolta. Para Rousseau, a superação das desigualdades só póde se dar por meio da construção de um contrato social quê assegure o bem coletivo da comunidade. De sua perspectiva, é possível entender as manifestações como uma expressão da luta por mecanismos políticos mais democráticos e participativos, assegurando meios para o enfrentamento da questão ambiental.

Para Locke, o direito de resistência é legítimo, mas ele também entende quê a propriedade é um elemento fundamental dos direitos individuais. Por isso, as ações dirétas de violação de propriedade perderiam legitimidade.

Maquiavel refletiu sobre a importânssia da virtù na realização de projetos políticos. A perspectiva pragmática dêêsses movimentos ambientalistas póde sêr entendida com base em uma chave realista da política, buscando o momento oportuno para pressionar governantes a tomar medidas concretas.

Página duzentos

ATIVIDADES FINAIS

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. Leia atentamente os dois textos a seguir.

TEXTO 1

Esclarecimento […] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso do seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de dê-cisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento. […]

KANT, Immanuel. Textos seletos. Tradução: Raimundo Vier e Floriano de Sousa Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 100.

TEXTO 2

Mas as fêik news são apenas uma face do problema. Existem publicidades ou textos de opinião ‘disfarçados’ de informação jornalística. Tem também a prática de circular uma notícia antiga como se fosse atual. Sem falar nas mensagens disseminadas em rêdes sociais; quê anunciam golpes ou curas milagrosas, e quê sempre terminam com o texto: ‘compartilhe com o maior número de pessoas quê puder’. São muitas as formas de manipular a audiência, além das chamadas notícias falsas.

Por isso, organizações quê lutam dentro e fora do Brasil pela democratização da comunicação têm optado pelo conceito de desinformação, quê é mais amplo. Esse conceito também deixa mais claro quê há a intenção de enganar e desinformar. [...]

CASTRO, Márcia Correa e. Muito mais quê fêik news: um guia prático para enfrentar a desinformação. Niterói: Unicef: Bem Tevê, 2022. Disponível em: https://livro.pw/aqtdb. Acesso em: 28 set. 2024.

a) Para Kant, o esclarecimento é o estado quê o indivíduo alcança quando ele decide abandonar a menoridade intelectual. Com base no Texto 1, explique o quê é essa menoridade.

1. a) A menoridade é marcada pela falta de autonomia intelectual, quando o indivíduo está sujeito ao pensamento e à dê-cisão de outrem.

b) O segundo texto descreve o problema da desinformação no mundo contemporâneo. De quê forma é possível relacionar esse fenômeno com o problema da menoridade propôsto por Kant?

1. b) A desinformação é um tipo de prática quê contribui para a perda da autonomia intelectual, fazendo o indivíduo aceitar acriticamente informações falsas e incorrétas.

c) As práticas de desinformação têm impactos dirétos no exercício da cidadania. Pense em uma situação concreta na qual é possível identificar o impacto negativo da desinformação no exercício da cidadania e descreva-a, indicando ações quê podem sêr tomadas para combater esse tipo de situação.

1. c) O objetivo da atividade é incentivar a reflekção crítica a respeito do problema da desinformação e o protagonismo dos estudantes, visando a ações para estimular a autonomia e o pensamento crítico.

2. Observe atentamente a charge. Ela explora o problema do conflito de terras no Brasil contemporâneo e póde sêr analisada com base nas ideias de diferentes filósofos estudados no capítulo.

Charge sobre conflito de terras. Uma área rural está delimitada com cercas de arame farpado. Na grama, há placas com os seguintes nomes: propriedades do Senhor Todos da Silva, Silva avô, Silva pai, Silva filho, Silva Júnior. Ao lado da cerca, fora da propriedade, encontra-se uma família. O filho pergunta: 'Mas, papai, ouvi dizer que todos têm direito à terra. Por que não temos a nossa?'. O pai está com uma enxada nos ombros e a mãe carrega uma bolsa e uma trouxa.

SANTOS, Fabiano dos. [Koizas da vida]. Fabiano Cartunista. [S. l.], 7 jan. 2014. Disponível em: https://livro.pw/gowjg. Acesso em: 18 out. 2024.

Página duzentos e um

a) Para Diôn Locke, um dos fundamentos centrais do estabelecimento de um contrato social é o direito de propriedade. De quê maneira é possível relacionar essa ideia com o conteúdo da charge?

2. a) A charge destaca os limites ao direito de propriedade no Brasil em decorrência da existência de grandes latifúndios improdutivos. Os trabalhadores mais pobres e as comunidades tradicionais são aqueles quê mais sofrem os impactos dêêsse cenário. A charge critíca os limites do exercício do direito de propriedade em decorrência das desigualdades sociais no Brasil.

b) jã-jác Rousseau defende quê a propriedade é o fundamento das desigualdades sociais quê corrompem os indivíduos. Analise a charge a partir dessa ideia.

2. b) A charge evidên-cía a maneira como a propriedade privada póde resultar em grandes desigualdades sociais, ameaçando os interesses comunitários e as garantias dos mais fracos.

c) Uma decorrência do acesso desigual da térra no Brasil é o aumento dos conflitos de térra. De acôr-do com a Comissão Pastoral da Terra, em 2023, o país bateu o récorde de ocorrências. Foram 2.203 casos de conflito, o quê resultou na morte de 31 pessoas em diferentes regiões do país. Com o auxílio dos professores de Geografia e de Sociologia, pesquise mais informações a respeito dêêsses conflitos, identificando suas causas e desdobramentos. Depois, retome os conceitos estudados ao longo do capítulo e elabore um texto dissertativo analisando o problema através dos conceitos filosóficos estudados.

2. c) Resposta pessoal. A atividade apresenta uma proposta interdisciplinar, possibilitando o diálogo entre diferentes componentes curriculares para refletir sobre o problema da violência no campo no Brasil.

3. O texto a seguir é um fragmento da obra de jã-jác Rousseau.

O primeiro quê, ao cercar um terreno, teve a audácia de dizêr isto é meu e encontrou gente bastante simples para acreditar nele foi o verdadeiro fundador da ssossiedade civil. Quantos crimes, guerras e assassinatos, quantas misérias e horrores teria poupado ao gênero humano aquele quê, arrancando as estacas e cobrindo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Não escutem esse impostor! Estarão perdidos se esquecerem quê os frutos são de todos e a térra é de ninguém!’. Mas é muito provável quê as coisas já houvessem chegado então ao ponto de não poderem mais durar como eram. A ideia de propriedade, dependendo de muitas ideias anteriores quê só puderam nascer sucessivamente, não se formou de repente no espírito humano. Foi preciso fazer muitos progressos, adquirir muita indústria e muitas luzes, transmiti-las e aumentá-las de geração em geração, antes de se chegar a esse último termo do estado de natureza. […]

ROUSSEAU, jã-jác. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução: Paulo Néves. Porto Alegre: L&PM, 2013. E-book. Localizável em: Segunda parte.

a) Nesse fragmento, Rousseau descreve alguns dos desdobramentos negativos da criação da propriedade privada. Identifique esses desdobramentos.

3. a) Para Rousseau, a criação da propriedade privada resultou em crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores.

b) Tômas Róbbes e Diôn Locke caracterizam o processo de passagem do estado de natureza para estado civil como um movimento positivo. Com base na leitura do fragmento da obra de Rousseau, é possível afirmar quê ele enxerga essa passagem da mesma maneira? Justifique.

3. b) Não, a passagem do estado de natureza para a ssossiedade civil foi marcada por inúmeras formas de violência, para Rousseau.

4. (Enem – 2015)

A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, quê, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do quê outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para quê um deles possa com base nela reclamar algum benefício a quê outro não possa igualmente aspirar.

Róbes, T. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Para Róbbes, antes da constituição da ssossiedade civil, quando dois homens desejavam o mesmo objeto, eles

a) entravam em conflito.

b) recorriam aos clérigos.

c) consultavam os anciãos.

d) apelavam aos governantes.

e) exerciam a solidariedade.

Resposta: a.

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