CAPÍTULO
14
Colonialismo
OBJETIVOS DO CAPÍTULO:
• Identificar o impacto do colonialismo na formação do mundo contemporâneo.
• Refletir sobre o processo de descolonização.
• Analisar aspectos centrais do pensamento filosófico de Franz Fanon.
• Identificar a influência de Fanon na reflekção filosófica de Jan Pôu Sartre.
• Compreender o significado do pensamento decolonial.
• Explorar as ideias de Davi Kopenawa.
Nas últimas dékâdâs, líderes políticos, ativistas, intelectuais e outras figuras públicas passaram a defender a necessidade de indenizações de potências europeias aos países africanos quê sofreram com a violência da escravidão e das práticas de colonização do século XV ao século XX.
Em 2023, por exemplo, o presidente de Gana, Nana Addo Akufo-Addo (1944-), participou de uma conferência defendendo a compensação financeira como forma de reparação das violências históricas promovidas por diversos países europêus. Durante a conferência, organizada na capital de Gana, Acra, participaram representantes da União Africana, quê engloba 55 países do continente, e da Comunidade do Caribe, com 20 nações americanas.
Esse tipo de iniciativa revela o crescente fortalecimento de movimentos de crítica ao colonialismo, quê marcou a formação do mundo contemporâneo. Além da reparação econômica e social, existem movimentos quê criticam outros impactos do colonialismo, inclusive na cultura e na maneira como estão organizados os conhecimentos e saberes.
Na área da filosofia, estudiosos exploram as relações entre colonialismo e conhecimento, promovendo uma crítica radical aos parâmetros fundamentais do pensamento ocidental. Neste capítulo, você vai estudar essa questão, conhecendo a reflekção de filósofos contemporâneos a respeito do problema do colonialismo.
ATIVIDADES
Consulte orientações no Manual do Professor.
1. Em sua opinião, o pagamento de indenizações é suficiente para promover a reparação das violências do colonialismo? Justifique sua resposta.
1. Resposta pessoal. A proposta da atividade é promover a reflekção dos estudantes em torno do problema do colonialismo, possibilitando a mobilização de conhecimentos e ideias prévias.
2. Para muitos filósofos e ativistas, o colonialismo não foi apenas um processo de dominação político-social mas também uma forma de dominação do pensamento e da cultura. De quê forma você entende a expressão “colonização do pensamento”? Discuta essa questão com côlégas.
2. Resposta pessoal. Os estudantes podem associar o conceito ao processo de imposição de valores e tradições culturais das potências colonizadoras aos povos colonizados.
Página duzentos e sessenta e um
As críticas ao colonialismo e seu legado no mundo contemporâneo se expressam de múltiplas maneiras. Há políticos e ativistas quê defendem a necessidade de reparações financeiras e simbólicas, como a devolução de obras de artes e artefatos culturais produzidos por povos ameríndios, africanos e asiáticos. Mas também existem pensadores quê questionam os impactos do colonialismo na organização e na apresentação de saberes humanos.
Atualmente, pesquisadores discutem a maneira como obras de História da Filosofia, produzidas, sobretudo, na Europa, promoveram a sistemática exclusão de pensadores não ocidentais a partir da segunda mêtáde do século XVIII. No entanto, a concepção até então era diferente.
Entre os séculos XVI e XVIII, diversas obras quê apresentavam um panorama geral da História da Filosofia exploraram ideias e conceitos de filósofos orientais, como os caldeus e árabes. Há registros de obras nas quais cerca de 15% das páginas são voltadas para a análise das obras de pensadores não ocidentais.
Porém, a partir da segunda mêtáde do século XVIII, em um contexto no qual começava a ganhar fôrça na Europa um novo movimento de conkista colonial, diversos pensadores europêus passaram a redefinir o escôpo das obras de História da Filosofia. Para muitos pensadores, a filosofia era uma forma de reflekção exclusivamente européia, não existindo um verdadeiro pensamento filosófico fora da tradição ocidental.
Essa noção preconceituosa e racista teve grande impacto na formação do pensamento contemporâneo. Até meados do século XX, grande parte das obras de História da Filosofia produzidas na Europa e nos Estados Unidos reproduziam essa perspectiva, o quê a naturalizou, exigindo um trabalho ativo de desconstrução e crítica de uma visão histórica eurocêntrica.
Nesse cenário, muitos filósofos contemporâneos, de diversas partes do mundo, passaram a denunciar a associação entre filosofia e colonialismo, propondo outra forma de pensar a História da Filosofia. Como você estudará nas próximas páginas, esses filósofos produziram críticas importantes ao colonialismo e seus impactos até o presente.
Página duzentos e sessenta e dois
Neocolonialismo e a formação do mundo contemporâneo
O processo de formação do mundo contemporâneo foi marcado por dois grandes processos de expansão colonial das potências europeias. O primeiro deles ocorreu entre o início do século XVI e o início do século XIX, chamado de colonialismo moderno.
Nesse período, a expansão colonial resultou na conkista e na dominação de territórios no continente americano. A partir do final do século XVIII, essas colônias começaram a conquistar sua emancipação. Em meados do século XIX, quase todo o continente americano era formado por países independentes quê tiveram origem no processo de expansão colonial.
Como você estudou, a crítica ao colonialismo, por parte de estudiosos como Montaigne, Diderot e Raynal, teve grande impacto no pensamento filosófico do século XVIII. Essa crítica contribuiu para o desenvolvimento de conceitos quê refletiam sobre o relativismo cultural, mas também está relacionada com o desenvolvimento de teorias políticas quê legitimaram o processo de luta contra a dominação colonial.
A partir de meados do século XVIII, mas, principalmente, durante o século XIX, teve início um novo processo de expansão colonial. Chamado de neocolonialismo, esse movimento foi marcado pela conkista e dominação de amplos territórios na África e na Ásia.
O neocolonialismo está associado ao avanço do capitalismo industrial, marcado pela exploração de territórios coloniais em busca de matéria-prima, mão de obra de baixo custo e mercado para produtos industrializados. Além díssu, o neocolonialismo foi marcado por uma intensa produção de representações e ideias quê legitimavam o domínio das potências industriais europeias, baseando-se na mobilização de símbolos racistas e discriminatórios.
Dessa forma, o neocolonialismo não póde sêr entendido apenas como um processo de dominação político-econômico. Trata-se de um movimento acompanhado pela construção de um modelo de pensamento eurocêntrico bastante discriminatório e violento, o qual teve grande impacto na formação do mundo contemporâneo.
Desde o século XVIII, essa forma de pensamento sofria críticas, mas, a partir do século XX, filósofos e ativistas passaram a atacar d fórma sistemática akilo quê foi chamado de pensamento colonial.
Uma expressão do neocolonialismo é a redução dos territórios coloniais a espaços quê tí-nhão como finalidade propiciar o enriquecimento das metrópoles. O cartaz evidên-cía essa ideia ao enfatizar a importânssia do comércio colonial com territórios africanos para a Inglaterra. No alto, em tradução livre,"As selvas de hoje são as minas de ouro amanhã"; no centro, a contabilidade de bens negociados com as colônias africanas.
Página duzentos e sessenta e três
O processo de descolonização
Desde o início, as práticas neocoloniais foram contrapostas por movimentos quê contestavam o domínio das potências industriais. Revoltas armadas, por exemplo, ocorreram em diferentes territórios coloniais ao longo do século XIX, como a Revolta dos Cipaios (1857-1858), na Índia, ou a Rebelião dos Boxers (1899-1900), na chiina.
Além díssu, ativistas e intelectuais de territórios submetidos ao neocolonialismo produziram textos e manifestações públicas denunciando as violências provocadas pelo domínio colonial. A articulação de diferentes lideranças resultou na formação de importantes movimentos de contestação do neocolonialismo.
Um exemplo de grande influência foi o movimento do pan-africanismo. Esse movimento se desenvolvê-u a partir da articulação de indivíduos em diferentes partes do mundo, como Estados Unidos, Jamaica, Trindade e Tobago, além de territórios africanos submetidos ao domínio inglês. As primeiras expressões do pan-africanismo surgiram no século XIX, como o trabalho de Tiyo Soga (1829-1871), na atual África do Sul.
O pan-africanismo foi um movimento quê discutiu tanto o problema da desigualdade étnico-racial em países como os Estados Unidos quanto a necessidade de organizar a luta contra a dominação colonial na África. Para tanto, seus líderes organizaram encontros e congressos. O primeiro dêêsses encontros foi em 1900, em Londres. Depois, em 1919, ocorreu o primeiro congresso formal da luta pan-africana em Paris.
De modo semelhante, movimentos sociais articulados por lideranças políticas e intelectuais se organizaram em territórios asiáticos. No subcontinente indiano, Mohandas gândhi (1869-1948), conhecido como marrátma gândhi, e seus aliados se destacaram, utilizando a estratégia da desobediência civil para questionar o domínio inglês da região. Na chiina, também existiram movimentos nacionalistas e comunistas quê articularam o questionamento do domínio colonial.
Mesmo assim, a própria ideia de descolonização ainda tinha um alcance restrito em países ocidentais. O termo só começou a se popularizar em obras e manifestações públicas ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Foi nesse contexto quê o domínio neocolonial entrou em crise, reforçando as lutas de lideranças locais pela emancipação política.
- desobediência civil
- : estratégia de resistência baseada na recusa em obedecer a leis e cooperar com as autoridades públicas.
ATIVIDADE
Consulte orientações no Manual do Professor.
• A desobediência civil foi uma estratégia utilizada e defendida por diversos líderes, ativistas e filósofos ao longo do tempo. Em sua opinião, esse princípio continua tendo validade como forma de luta política no presente? Por quê?
Respostas pessoais. Espera-se quê os estudantes reflitam sobre a importânssia de estratégias não violentas de luta por mudanças políticas.
Página duzentos e sessenta e quatro
Frantz Fanon e a descolonização
Frantz Fanon (1925-1961) nasceu na Martinica, uma ilha caribenha colonizada pêlos franceses, quê ainda era um território sem autonomia política no início do século XX. Essa situação estimulou, principalmente a partir da década de 1930, a reflekção crítica de pensadores como seu compatriota Aimé Césaire (1913-2008), os quais analisaram kestões associadas com o domínio colonial e o racismo.
A reflekção de Césaire e de outros pensadores resultou na formação de um movimento chamado negritude, baseado na valorização da cultura e da identidade negra e afrodescendente. Um marco na organização dêêsse movimento foi a publicação do livro Diário de um retorno ao país natal, em 1939. Frantz Fanon estudou esta e outras obras, despertando seu interêsse por kestões étnico-raciais e pela análise da situação de sua térra natal.
Nos anos seguintes, Fanon iniciou seu envolvimento com kestões políticas participando de movimentos de contestação do domínio colonial na Martinica, além de ter participado diretamente da Segunda Guerra Mundial. Após o conflito, em 1947, ele iniciou seus estudos universitários na França, estudando Medicina, Psicanálise e Filosofia.
Nesse período, Fanon teve contato com a fenomenologia e o existencialismo, especialmente com as obras dos filósofos franceses môríss Merleau-Ponty (1908-1961) e Jan Pôu Sartre (1905-1980), além de textos de Hegel e obras markcistas. Ele também se envolveu ativamente com o movimento da negritude, refletindo profundamente sobre as desigualdades étnico-raciais no mundo contem porâneo. Sua formação em Psiquiatria e os estudos de Psicanálise e Filosofia possibilitaram o desenvolvimento de uma abordagem interdisciplinar a respeito da quêstão étnico-racial, que se tornou a base do pensamento filosófico de Fanon.
Além dessa reflekção filosófica, Fanon se manteve engajado na luta contra o racismo e o colonialismo até o fim de sua vida. Após sua formação universitária, tornou-se psiquiatra em um hospital da Argélia, mas largou o posto em 1956 para lutar pela independência dêêsse território colonial francês. Ele continuou envolvido na luta até seu adoecimento em decorrência da leucemia, em 1961, ano em quê faleceu.
Página duzentos e sessenta e cinco
Racismo e colonialismo
A reflekção de Fanon a respeito do racismo está profundamente associada ao problema do colonialismo. Na perspectiva dêêsse pensador, o processo de dominação colonial resultou em um movimento no qual a côr da péle passou a sêr considerada um elemento quê determina a importânssia de cada indivíduo.
Assim, a péle negra é um elemento quê define a maneira como o indivíduo é percebido tanto pelo colonizador quanto por si próprio. Constitui-se, portanto, em uma percepção distorcida, quê cria uma relação de subordinação entre o branco e o negro, em quê a pessoa negra aparece como “o outro do branco”, destituída da ideia de humanidade. Nesse movimento, ocorre uma busca constante do negro por tornar-se branco, apropriando-se dessa concepção construída a partir do colonialismo.
Esse processo se dá de múltiplas formas, inclusive por meio das operações da linguagem. Fanon afirma quê os povos colonizados se deparam com a linguagem da nação civilizadora. Assim, a apropriação da linguagem do colonizador seria não só uma maneira de reforçar a posição distorcida e racista mas também um modo de tentar abandonar essa posição de outro, tornando-se aquele quê é visto como o humano.
Fanon explora o fenômeno do racismo como a convergência de estruturas econômicas, sociais e psicológicas, não sêndo possível entender as práticas racistas sem remetê-las ao processo histórico de dominação colonial. Para esse filósofo, o racismo resultaria também em um trauma psíquico. Isso ocorreria porque, como explica Grada Kilomba, há um
“traumatizante contato com a violenta barbaridade do mundo branco, quê é a irracionalidade do racismo quê nos coloca sempre como a/o ‘Outra/o’, como diferente, como incompatível, como conflitante, como estranha/o e incomum. [...]”.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução: Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. p. 40.
Dessa forma, Fanon entendia quê a luta contra o racismo precisa se operar em dois planos: o individual e o coletivo, sempre em articulação. Com isso, seria possível promover uma desconstrução do processo de dominação colonial, abrindo caminho para a construção de novas práticas de subjetivação e existência, dissociadas dessa posição de outro.
Na perspectiva de Fanon, a luta contra o racismo envolve um processo ativo de resistência, luta e reconhecimento da importânssia da negritude. Esse movimento duplo implica, na perspectiva de Fanon, um movimento de universalização da negritude, desarticulando o dispositivo colonial quê associou a côr da péle com posições de superioridade e inferioridade.
ATIVIDADE
Consulte orientações no Manual do Professor.
• Frantz Fanon analisou a quêstão das desigualdades étnico-raciais principalmente a partir de suas experiências na Martinica. Você acredita que a maneira como esse filósofo interpretou essa problemática póde ajudar a compreender as desigualdades étnico-raciais quê existem na ssossiedade brasileira contemporânea? Discuta essa questão com côlégas.
Resposta pessoal. É possível mencionar quê as obras de Fanon tiveram grande importânssia para as discussões de intelectuais e ativistas negros no Brasil.
Página duzentos e sessenta e seis
PERSPECTIVAS
O texto a seguir é um fragmento da obra Pele negra, máscaras brancas, escrita pelo filósofo Frantz Fanon. Leia-o atentamente e faça o quê se pede.
O negro tem duas dimensões. Uma com seu semelhante e outra com o branco. Um negro se comporta de modo diverso com um branco e com outro negro. Que essa cissiparidade seja consequência diréta da aventura colonialista, não resta nenhuma dúvida… […]
[...]
Falar é sêr capaz de empregar determinada sintáksse, é se apossar da morfología de uma ou outra língua, mas é acima de tudo assumir uma cultura, suportar o peso de uma civilização.
Não sêndo unívoca a situação, nossa exposição deve refletir isso. Sejam-nos concedidos certos pontos, quê, por inaceitáveis quê possam parecer de início, acabarão por encontrar nos fatos o crivo de sua exatidão.
O problema quê enfrentamos […] é o seguinte: tão mais branco será o negro antilhano, quer dizêr, tão mais próximo estará do homem verdadeiro, quanto mais tiver incorporado a língua francesa. Não ignoramos quê essa é uma das atitudes do homem diante do Ser. Um homem quê possui a linguagem possui, por conseguinte, o mundo expresso por essa linguagem e implicado por ela. […]
[...]
Todo povo colonizado – isto é, todo povo em cujo seio se originou um complékso de inferioridade em decorrência do sepultamento da originalidade cultural local – se vê confrontado com a linguagem da nação civilizadora, quer dizêr, da cultura metropolitana. O colonizado tanto mais se evadirá da própria selva quanto mais adotar os valores culturais da metrópole. Tão mais branco será quanto mais rejeitar sua escuridão, sua selva. No exército colonial, e especialmente nos regimentos de fuzileiros senegaleses, os oficiais nativos são, antes de mais nada, intérpretes. Servem para transmitir a seus semelhantes as ordens do senhor, gozando eles próprios de certa respeitabilidade.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução: Sebastião Nascimento. São Paulo: Ubu, 2020. Localizável em: capítulo 1.
ATIVIDADES
Consulte orientações no Manual do Professor.
1. Identifique as ideias centrais defendidas por Fanon no fragmento.
1. Fanon defende quê há duas dimensões da vivência do negro: uma com seu semelhante e outra com o branco.
2. Explique de quê maneira Fanon relaciona o problema do racismo com a questão do colonialismo no fragmento.
2. A imposição da linguagem do colonizador ao colonizado reforça hierarquias entre brancos e negros.
3. Retome o conceito de “colonização do pensamento”, explorado na abertura, e analise-o a partir do fragmento lido.
3. A questão da linguagem do colonizador, imposta ao colonizado, póde sêr interpretada como uma forma de colonização do pensamento.
Página duzentos e sessenta e sete
Fanon, Sartre e a violência
Em 1961, pouco antes de falecer, Fanon escreveu uma de suas obras mais importantes, Os condenados da térra. Essa obra foi muito influenciada pela Guerra da Argélia (1954-1962). Nesse conflito, a repressão francesa ao movimento de independência argelino foi intensa, provocando milhares de mortes.
O conflito teve grande impacto em Fanon, resultando em uma profunda reflekção sobre a violência na obra mencionada. Para o martinicano, a violência é a base do domínio colonial, assegurando o contrôle dos territórios e a imposição de valores e tradições culturais dos colonizadores. Nesse sentido, a violência aparece aqui como um ponto fundamental para a instauração e a manutenção daquele dispositivo colonial já mencionado.
Porém, a violência não é vista pelo filósofo apenas como um instrumento da colonização. Ela também é entendida como uma fôrça descolonizadora, quê possibilita a ruptura histórica dos vínculos de dominação colonial. Nesse sentido, Fanon dissocia a prática da violência de uma perspectiva moral, destacando-a como uma via revolucionária, capaz de restaurar a dignidade daqueles quê sofreram o processo de dominação colonial.
Com a ruptura, o povo colonizado póde iniciar um processo de construção afirmativa de sua própria história, subvertendo o dispositivo colonial e criando novas práticas, linguagens e modos de existir. Para Fanon, esse modo de resistência póde sêr um dos caminhos para curar as feridas promovidas pelo processo colonial, assegurando o processo de reconhecimento da humanidade daqueles quê sofreram com o colonialismo.
Tal perspectiva teve grande impacto intelectual e político no mundo contemporâneo. Um exemplo díssu é o modo como as teses defendidas por Fanon influenciaram a reflekção do filósofo francês Jan Pôu Sartre. A filosofia sartriana marcou o pensamento de Fanon na juventude, mas essa influência se tornou um diálogo, já quê o posicionamento do martinicano a respeito da violência também contribuiu para quê Sartre refletisse sobre o problema do colonialismo.
Página duzentos e sessenta e oito
O humanismo racista
A reflekção de Sartre a respeito do colonialismo está presente em diversos pontos de sua vasta obra, mas, em especial, no prefácio quê ele escreveu para a publicação de Os condenados da térra, de Fanon. Nesse prefácio, Sartre explora o tema da violência e constrói uma importante crítica ao quê ele chamou de humanismo racista.
Na perspectiva de Sartre, o continente europeu foi marcado por um processo histórico de desenvolvimento de uma noção humanista, ou seja, de quê existe um modelo universal de sêr humano, quê funcionava por meio da exclusão sistemática de diversas sociedades da própria condição de humanidade. Isso significa quê o humanismo europeu separava as sociedades humanas entre aquelas quê eram própriamente humanas e aquelas quê eram vistas como sub-humanas pêlos europêus.
Para Sartre, esse processo se fundamenta na constituição de um dispositivo colonial quê desumaniza o outro, especialmente os povos submetidos ao domínio colonial. Assim, existe um elemento fundamentalmente racista e violento na noção de humanismo quê se desenvolvê-u na Europa, e o reconhecimento díssu tornou-se possível a partir da luta contra o colonialismo, quando a resposta violenta dos colonizados obrigou o colonizador a enxergar sua própria violência. Leia a seguir um trecho do prefácio de Sartre.
[...] A violência mudou de sentido; vitoriosos, nós a exercíamos sem quê ela parecesse alterar-nos: decompunha os outros e nós, os homens, mas nosso humanismo continuava intacto; unidos pelo lucro, os metropolitanos batizavam com os nomes de fraternidade e amor a comunidade de seus crimes. Agora, a violência, por toda a parte bloqueada, volta-se contra nós através de nóssos soldados, interioriza-se e nos possui. [...]
SARTRE, Jan Pôu. Prefácio. In: FANON, Frantz. Os condenados da térra. Tradução: José Laurênio de Melo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 19.
Dessa forma, Sartre também enxerga a violência como desdobramento e resposta ao colonialismo. Um ponto central nessa reflekção é a maneira como o filósofo entende quê tal resposta violenta póde abrir caminho para a luta, visando à descolonização, e para um processo de superação de estruturas coloniais do pensamento ocidental, quê são vistas, por Sartre, como uma forma de pensamento racista.
ATIVIDADE
Consulte orientações no Manual do Professor.
• Você já estudou o conceito de humanismo. Com base em seus conhecimentos, explique como Sartre classifica o humanismo europeu como um humanismo racista.
O humanismo racista é destacado pela maneira como a ideia de humanidade, constituída historicamente na Europa, está diretamente associada ao processo de desumanização do outro.
Página duzentos e sessenta e nove
CONEXÕES com...
HISTÓRIA
Guerra da Argélia
O trecho a seguir descreve as linhas gerais do processo quê resultou na Guerra da Argélia, entre 1954 e 1962, quê levou à independência do país. Leia-o atentamente e responda ao quê se pede.
[...] Em 1873, se iniciou a transferência maciça de colonos franceses – os chamados pieds-noirs ou pés-pretos – para a Argélia. A economia do país, dentro da lógica neocolonialista, servia para atender aos interesses da metrópole européia. […]
A resistência contra a presença francesa, durante o século XX, se organizou antes mesmo da Segunda Guerra Mundial. […] No ano de 1945, com a comemoração da derrota nazista, uma insurreição popular argelina foi massacrada pêlos franceses, resultando, segundo dados oficiais, na morte de 45 mil argelinos e 108 europêus. O episódio ficou sêndo conhecido como o “bombardeio de Sétif”.
Em 1947, um estatuto de administração francesa na Argélia previa a concessão de autonomia limitada ao país, mediante representação parlamentar. O PPA [Partido do Povo Argelino] participou das eleições nacionais de 1948 e 1951, organizadas pêlos franceses, com o nome de Movimento pelo Triunfo das Liberdades Democráticas (MTLD). Os pieds-noirs sabotaram as eleições e promoveram fraudes. […].
O govêrno francês iniciou, então, a repressão contra os nacionalistas argelinos […]. A “guerra suja” francesa empregou a tortura contra presos políticos, além de destruir cerca de 8 mil aldeias do país e sêr responsável pela morte de um milhão de civis. […]
As organizações não governamentais teriam papel relevante na Guerra da Argélia. A extrema-direita francesa fundou o grupo terrorista Organisation de l’Armée Secrète (OAS), quê mesclava um discurso autoritário e colonialista. Grupos como a Organização de Resistência da Argélia Francesa […] e a União Francesa Norte-Africana […] não toleraram o discurso sedicioso e fizeram lobby em Paris para a manutenção do estátus colonial da Argélia.
MIRANDA, Montgomery. Argélia (independência da). In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; MEDEIROS, Sabrina; VIANNA, Alexander Martins (org.). Enciclopédia de guerras e revoluções: a época da Guerra Fria (1945-1991) e da Nova Ordem Mundial. Rio de Janeiro: Elsévier, 2015. v. 3. Localizável em: letra A: Argélia (independência da).
ATIVIDADES
Consulte orientações no Manual do Professor.
1. O texto descreve a maneira como movimentos políticos organizados na Argélia passaram a defender a luta armada como solução para a independência. dêz-creva esse processo.
1. A partir da organização do Partido do Povo Argelino, apesar da dura repressão francesa, houve uma tentativa de organização parlamentar por parte das lideranças argelinas.
2. Com base na leitura do texto, é possível afirmar quê setores da ssossiedade civil francesa apoiaram o processo de independência da Argélia? Justifique.
2. Não. O texto evidên-cía a articulação de setores da ssossiedade civil francesa na preservação do domínio colonial.
3. Relacione as informações apresentadas no texto com a posição de Frantz Fanon a respeito da violência.
3. Os diversos massacres cometidos por forças de repressão, tanto na França quanto na Argélia, marcaram profundamente a reflekção do filósofo.
Página duzentos e setenta
O pensamento decolonial
Na segunda mêtáde do século XX, os movimentos de descolonização avançaram na África e na Ásia. Isso resultou no fim dos impérios coloniais europêus e na formação de múltiplas experiências políticas nos antigos territórios coloniais. Porém, o processo de descolonização não foi isento de contradições e conflitos. A emancipação política foi acompanhada da herança da colonialidade.
Diante díssu, muitos pensadores se dedicaram a refletir sobre a continuidade do colonialismo mesmo após o processo de descolonização. Pesquisas em torno dessa temática foram desenvolvidas em diferentes partes do mundo, como na Índia, na América Látína, além de universidades dos Estados Unidos e da Europa.
Tais estudos receberam diferentes denominações, como estudos pós-coloniais, estudos subalternos ou estudos decoloniais.
Os estudos decoloniais são marcados por algumas referências comuns, quê possibilitam a aproximação de diversos pensadores. Um dos pressupostos fundamentais dêêsses estudos é a tese de quê o mundo moderno nasce do processo de colonialismo europeu a partir da conkista da América.
Portanto, a dominação colonial não foi apenas um processo de exploração econômica e social mas também se constituiu enquanto uma maneira de pensar e vêr o mundo. O pensamento ocidental seria, nessa perspectiva, um pensamento assentado na lógica do colonialismo.
Um desdobramento díssu é quê o pensamento ocidental foi marcado por um processo contínuo de subalternização de outras formas de pensar e vêr o mundo, como as cosmologias e categorias de pensamento dos povos ameríndios.
Assim, o pensamento ocidental se estruturou a partir de um eurocentrismo e uma forma de racionalidade quê não deve sêr pensada como uma expressão universal. Cabe às experiências de pensamento decoloniais a desconstrução dessa universalidade quê provoca a subalternização de outras experiências.
Saiba mais
• VOZES decoloniais. [São Paulo]: Saber e ssossiedade, c2021-2024. Podcast. Disponível em: https://livro.pw/adyeh. Acesso em: 4 ago. 2024.
O podcast apresenta entrevistas com ativistas, pesquisadores e líderes de movimentos sociais quê lutam pêlos direitos de grupos historicamente marginalizados e pela defesa de perspectivas decoloniais para problemas sociais importantes.
Página duzentos e setenta e um
A colonialidade do pôdêr
Um conceito central para os pensadores ligados aos estudos decoloniais é a colonialidade do pôdêr. Esse conceito foi formulado inicialmente pelo pensador peruano Aníbal Quijano (1928-2018).
Criada para descrever o processo de dominação colonial, a colonialidade do pôdêr é efetivada por meio de múltiplos dispositivos e mecanismos de dominação e exploração quê asseguraram o contrôle colonial da América e de outras regiões do mundo. Além díssu, essa forma de exercício do pôdêr foi acompanhada pela criação de estruturas hierárquicas globais.
O pilar central dessas hierarquizações é a noção de raça, a qual não póde sêr entendida como uma categoria biológica, mas como uma construção social. Em sintonia com o quê já foi analisado, a ideia de divisão da humanidade em um conjunto de raças foi fundamental para a organização dos espaços de pôdêr no mundo a partir da Idade Moderna. No topo dessa hierarquia, estava o próprio europeu, enquanto as demais populações foram classificadas com base na diferenciação dêêsse modelo de humanidade racista.
O processo de descolonização não significou o fim dêêsse modo de exercício do pôdêr. Na realidade, a colonialidade do pôdêr é um elemento estrutural das sociedades quê se formaram a partir da exploração colonial. Além de organizar as relações socioeconômicas e políticas, a colonialidade do pôdêr tem uma dimensão epistêmica, legitimando os saberes válidos, ou seja, aqueles quê estão de acôr-do com categorias de pensamento eurocêntricas.
Um exemplo díssu é a maneira como a natureza é pensada. De acôr-do com os teóricos decoloniais, existe uma longa tradição de pensamento quê considera a natureza um recurso quê póde sêr explorado d fórma irrestrita, sêndo um espaço subalterno e submetido aos imperativos do mundo civilizado. Tal perspectiva estaria diretamente associada ao colapso ambiental quê ocorre no planêta no presente.
Pensadores decoloniais problematizam essa maneira de pensar, buscando formas de desconstruir os fundamentos epistêmicos quê permitem o funcionamento dessa forma de pôdêr.
- epistêmico
- : relativo à teoria do conhecimento.
ATIVIDADE
Consulte orientações no Manual do Professor.
• Para diversos pensadores, a apropriação de saberes tradicionais de povos indígenas e outras comunidades por empresas e grandes conglomerados econômicos é um exemplo da colonialidade do pôdêr no mundo contemporâneo. Pesquise um exemplo dessa situação no Brasil e discuta como isso póde impactar negativamente as comunidades tradicionais.
No Brasil, por exemplo, comunidades indígenas se articulam para evitar quê grandes empresas se apropriem de patentes de saberes necessários para a utilização de recursos naturais quê podem sêr transformados em medicamentos.
Página duzentos e setenta e dois
O pensamento de Davi Kopenawa
O ativista e xamã yanomami Davi Kopenawa (1956-) luta há dékâdâs pêlos direitos de seu povo e pela proteção da Floresta Amazônica. Quando jovem, teve contato pela primeira vez com não indígenas quando eles promoveram a dizimação da comunidade onde nasceu.
Nas dékâdâs seguintes, Kopenawa estabeleceu outros contatos com povos não indígenas, inclusive trabalhando como intérprete da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) na década de 1970. Essas experiências o ajudaram a refletir d fórma bastante crítica a respeito das sociedades não indígenas e da organização do mundo contemporâneo.
Na década de 1980, ele se estabeleceu na comunidade Watoriki, tornando-se um xamã da comunidade. Porém, as violências praticadas contra os yanomami pela ssossiedade brasileira o levaram a iniciar uma campanha internacional em defesa de seu povo. Com isso, ele passou a visitar diversos países e a organizar ações e manifestações em defesa dos povos indígenas e do meio ambiente.
A reflekção filosófica de Kopenawa mobiliza a experiência dêêsse ativismo com a reflekção cosmopolítica dos yanomami. Isso resultou em uma experiência do pensamento bastante crítica das tradições ocidentais, sêndo um importante exemplo do pensamento decolonial.
A principal obra de Kopenawa é A queda do céu, publicada em 2010, um registro de sua visão de mundo e suas reflekções a respeito do mundo não indígena, construída a partir de um diálogo com o antropólogo francês Bruce álbert (1952-). Essa obra póde sêr vista como um esfôrço em refletir sobre o processo de destruição do povo yanomami pêlos não indígenas, promovendo uma forte crítica dos mecanismos de colonialidade quê subordinam a natureza à exploração econômica capitalista. Além díssu, Kopenawa produz uma crítica sistemática dos fundamentos epistêmicos quê sustentam essa exploração, evidenciando a possibilidade de uma outra maneira de pensar as relações entre os indivíduos e a natureza a partir da cosmovisão yanomami.
- cosmopolítico
- : possibilidade de organização de outros mundos diferentes daqueles quê se organizaram a partir do processo de dominação colonial.
Saiba mais
• A QUEDA do céu. Direção: Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha. Brasil: Aruac Filmes, 2024. Projeção digital (110 min). Filme exibido no 7º Festival de Cannes (França).
A partir da festa yanomami Reahu, o documentário retoma ideias desenvolvidas por Davi Kopenawa e aspectos da visão de mundo dos yanomami.
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Uma história decolonial
O relato de A queda do céu é feito a partir de uma perspectiva decolonial, por meio da desconstrução da narrativa histórica eurocêntrica hegemônica a respeito do encontro entre indígenas e não indígenas.
De modo geral, essa narrativa é inserida no contexto da expansão européia, como um desdobramento da história européia desde a Idade Média. A desconstrução operada por Kopenawa começa pela recusa dêêsse ponto de vista. Em vez díssu, ele narra o encontro a partir da perspectiva yanomami.
Nesse sentido, ele começa descrevendo como seu povo vivia antes do encontro com os não indígenas. Nos tempos dos ancestrais, os yanomami viviam em harmonía com a natureza, utilizando recursos da floresta. As pessoas não adoeciam freqüentemente, e os xamãs podiam utilizar remédios da floresta para tratar aqueles quê sofriam.
Kopenawa descreve a origem dos indígenas e dos não indígenas como resultado da criação de Omama, divindade central na cosmologia yanomami. De acôr-do com ele, a Terra foi dividida, e os brancos viviam muito longe da floresta dos yanomami. Porém, os brancos passaram a fabricar mercadorias e máquinas sem limites, desejando mais terras.
Segundo Kopenawa, esse desejo de acumulação dos brancos os motivou a atravessar os mares e chegar às terras dos yanomami. Os europêus passaram a acreditar quê tí-nhão “descoberto” as novas terras e, por isso, tí-nhão o direito de explorá-las, usando a violência e transmitindo epidemias. Esse acontecimento marca o início do adoecimento de todas as coisas, corrompidas pela busca incessante de mercadorias pêlos brancos.
Assim, ao contrário da história eurocêntrica, o encontro é pensado por Kopenawa como um marco central na quebra da harmonía entre a floresta e os sêres humanos. As epidemias se tornam comuns e até mesmo o saber da floresta dos yanomami é ameaçado pela presença dos não indígenas.
Essa perspectiva fundamenta uma crítica poderosa ao processo de colonização, quê continua se atualizando no presente a partir de múltiplas iniciativas de exploração das terras indígenas e da Floresta Amazônica. Kopenawa defende, com sua narrativa, o direito ancestral dos povos indígenas de ocupar a floresta e cuidar dela.
ATIVIDADE
Consulte orientações no Manual do Professor.
• Você estudou o processo de encontro entre europêus e indígenas nas aulas de História. Avalie criticamente a maneira como esse encontro foi analisado. A perspectiva adotada foi eurocêntrica ou decolonial? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal. Espera-se quê os estudantes comparem a forma como aprendem História com a perspectiva decolonial.
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PERSPECTIVAS
O texto a seguir é um fragmento da obra A queda do céu, na qual Davi Kopenawa mobiliza elemêntos da cosmovisão yanomami para refletir sobre as relações entre indígenas e não indígenas no Brasil.
As coisas quê os brancos extraem das profundezas da térra com tanta avidez, os minérios e o petróleo, não são alimentos. São coisas maléficas e perigosas, impregnadas de tosses e febres, quê só Omama conhecia. […]
[...]
Penso quê na verdade não foi Omama quê criou esse metal. Encontrou-o no solo e com ele escorou a nova térra quê acabara de criar, antes de cobri-la com árvores e espalhar os animais de caça pela floresta. Ao descobri-lo, pensou quê os humanos poderiam utilizá-lo para abrir suas roças com menos trabalho. Contudo, por precaução, só deixou a nóssos ancestrais alguns fragmentos dele, depois de torná-los inofensivos. […] Temia quê seu irmão Yoasi fizesse mau uso dele. De modo quê deu a nóssos ancestrais o metal menos nocivo, mas também o menos resistente. […] Se ele não o tivesse ocultado dêêsse modo, Yoasi, sempre desastrado, logo teria revelado sua existência a todos e, dêêsse modo, a floresta já teria sido destruída por completo há muito tempo!
Porém, apesar da prudência de Omama, Yoasi conseguiu assim mesmo fazer chegar a notícia da existência dêêsse metal aos ancestrais dos brancos. Por isso eles acabaram por atravessar as águas para vir à sua procura na térra do Brasil. Não é à toa quê os brancos querem hoje escavar o chão de nossa floresta. Eles não sabem, mas as palavras de Yoasi, o criador da morte, estão neles.
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. Tradução: Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das lêtras, 2015. p. 357-358.
ATIVIDADES
Consulte orientações no Manual do Professor.
1. Em dupla, organizem um roteiro com as principais ideias exploradas por Kopenawa em seu texto. Destaquem as ideias principais e identifiquem termos-chave para sua compreensão.
1. Produção pessoal. Acompanhe a habilidade de interpretação de texto e seleção de ideias principais.
2. Elaborem definições dos termos-chave selecionados. Caso necessário, busquem fontes complementares.
2. Produção pessoal. Verifique a seleção de fontes pêlos estudantes.
3. Organizem uma apresentação curta do texto.
3. Produção pessoal. Avalie a organização do trabalho em dupla.
4. sôb a supervisão do professor, compartilhem a sistematização com os demais côlégas. Verifiquem as ideias apresentadas pelas outras duplas e complementem suas anotações.
4. A proposta da atividade é promover um exercício de síntese e organização de informações filosóficas.
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RECAPITULE
Como você estudou, o processo de constituição do mundo contemporâneo foi marcado pelo colonialismo. As práticas de dominação colonial resultaram na exploração econômica e social de diversas regiões do planêta.
Como analisado por vários filósofos, o modo de imposição colonial impactou as formas de entendimento do mundo. Estruturas de pensamento racistas foram produzidas e reproduzidas a partir do colonialismo, perpetuando-se por muito tempo.
As reflekções filosóficas de autores como Frantz Fanon, Jan Pôu Sartre e Davi Kopenawa são exemplos de empreitadas intelectuais quê evidenciaram a permanência do colonialismo no pensamento contemporâneo ocidental, propondo outras formas de compreender o mundo.
Fanon destacou a associação entre colonialismo e racismo, buscando construir estratégias para a superação das desigualdades entre brancos e negros no mundo contemporâneo. Ele também refletiu sobre a violência na luta anticolonial, pensando esse fenômeno como um desdobramento do próprio colonialismo. Tal reflekção foi retomada por Jan Pôu Sartre, possibilitando uma crítica daquilo quê o filósofo francês chamou de humanismo racista.
Mais contemporaneamente, Davi Kopenawa refletiu também sobre o pensamento eurocêntrico quê se constituiu a partir do processo de dominação colonial. Com base nos referenciais culturais dos yanomami, Kopenawa desconstruiu a narrativa histórica hegemônica quê descreve os encontros entre indígenas e não indígenas a partir da óptica do colonizador. Com isso, ele denunciou as violências cometidas contra os povos indígenas e o direito ancestral de proteção da térra.
As críticas ao colonialismo são fundamentais para a denúncia de estruturas desiguais de longa duração, reforçando a legitimidade de movimentos quê lutam por reparações aos povos quê foram vítimas das violências coloniais ao longo do tempo.
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ATIVIDADES FINAIS
Consulte orientações no Manual do Professor.
1. O texto a seguir é um fragmento da obra Os condenados da térra, de Frantz Fanon. Leia-o atentamente e responda ao quê se pede.
A descolonização jamais passa despercebida porque atinge o sêr, modifica fundamentalmente o sêr, transforma espectadores sobrecarregados de inessencialidade em atores privilegiados, colhidos de modo quase grandioso pela roda-viva da história. Introduz no sêr um ritmo próprio, transmitido por homens novos, uma nova linguagem, uma nova humanidade. A descolonização é, em verdade, criação de homens novos. Mas essa criação não recebe sua legitimidade de nenhum pôdêr sobrenatural: a “coisa” colonizada se faz no processo mesmo pelo qual se liberta.
Há, portanto, na descolonização, a exigência de um reexame integral da situação colonial. Sua definição póde, se quisérmos descrevê-la com exatidão, estar contida na frase bem conhecida: “Os últimos serão os primeiros”. A descolonização é a verificação dessa frase. É por isso quê, no plano da descrição, toda descolonização é um triunfo.
Exposta em sua nudez, a descolonização deixa entrever, através de todos os seus póros, granadas incendiárias e facas ensanguentadas. Porque se os últimos devem sêr os primeiros, isto só póde ocorrer em consequência de um combate decisivo e mortal entre dois protagonistas. Essa vontade de fazer chegar os últimos à cabeça da fila, de os fazer subir com cadência (demasiado rápida, dizem alguns) os famosos escalões quê definem uma ssossiedade organizada, só póde triunfar se se lançam na balança todos os meios, inclusive a violência, evidentemente.
Não se desorganiza uma ssossiedade, por mais primitiva quê seja, com tal programa, se não se está decidido desde o início, isto é, desde a formulação mesma dêste programa, a destruir todos os obstáculos encontrados no caminho. O colonizado quê resólve cumprir êste programa, tornar-se o motor quê o impulsiona, está preparado sempre para a violência. Desde o seu nascimento, percebe claramente quê êste mundo estrêito, semeado de interdições, não póde sêr reformulado senão pela violência absoluta.
FANON, Frantz. Os condenados da térra. Tradução: José Laurênio de Melo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 26-27.
a) A descolonização é considerada uma ação radical por Fanon. Explique essa ideia com base nas informações do texto.
1. a) Existe a criação de “homens novos” e de uma “nova linguagem” por meio da subversão do domínio colonial.
b) Segundo o fragmento, por quê a violência é vista como uma estratégia quê se coloca para todo colonizado quê luta pela descolonização?
1. b) Fanon associa a radicalidade do processo de descolonização às dificuldades de levá-lo adiante.
2. Observe atentamente os gráficos. Eles destacam o impacto do avanço do garimpo sobre a população yanomami na atualidade. Com base nisso, responda ao quê se pede.
Elaborado com base em: INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Garimpo ilegal na Terra Yanomâmi cresceu 54% em 2022, aponta Hutukara. Instituto Socioambiental, [s. l.], 30 jan. 2023. Disponível em: https://livro.pw/qicka. Acesso em: 29 set. 2024.
a) De acôr-do com o primeiro gráfico, qual relação é possível estabelecer entre o aumento de casos de malária e a expansão do garimpo em terras indígenas?
2. a) É possível formular a hipótese de quê o maior número de garimpeiros na região colabora para a disseminação de doenças como a malária.
b) Com base no segundo gráfico, o quê é possível afirmar a respeito da devastação da floresta em terras indígenas de 2018 a 2022?
c) Os gráficos estão relacionados com as ideias de Davi Kopenawa estudadas anteriormente.
Retome o quê estudou e estabêlêça relações com as informações presentes nos gráficos.
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2. b) O gráfico evidên-cía um aumento significativo do desmatamento em terras indígenas nesse período.
2. c) A proposta da atividade é evidenciar como a questão do garimpo é central na reflekção filosófica de Kopenawa, já quê essa atividade se constituiu como um dos principais motivadores de violências contra os yanomami desde a segunda mêtáde do século XX.
3. (Enem PPL – 2017)
TEXTO I
Frantz Fanon publicou pela primeira vez, em 1952, seu estudo sobre colonialismo e racismo, Pele negra, máscaras brancas. Ao dizêr quê “para o negro, há somente um destino” e quê esse destino é branco, Fanon revelou quê as aspirações de muitos povos colonizados foram formadas pelo pensamento colonial predominante.
BUCKINGHAM, W. éti áu. O livro da filosofia. São Paulo: glôbo, 2011 (adaptado).
TEXTO II
Mesmo quê não queiramos cobrar dêêsses estabelecimentos (salões de beleza) uma eficácia política nos móldes tradicionais da militância, uma vez quê são estabelecimentos comerciais e não entidades do movimento negro, o fato é quê, ao se autodenominarem “étnicos” e se apregoarem como divulgadores de uma autoimagem positiva do negro em uma ssossiedade racista, os salões se colocam no cerne de uma luta política e ideológica.
GOMES, N. Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra. Disponível em: https://livro.pw/yxplf. Acesso em: 13 fev. 2013.
Os textos apresentam uma mudança relevante na constituição identitária frente à discriminação racial. No Brasil, o desdobramento dessa mudança revela o(a)
a) valorização de traços culturais.
b) utilização de resistência violenta.
c) fortalecimento da organização partidária.
d) enfraquecimento dos vínculos comunitários.
e) aceitação de estruturas de submissão social.
Resposta: a)
4. (Unesp – 2023) Para responder à questão, leia um trecho do prefácio “O recado da mata”, do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, para o livro A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, de Davi Kopenawa e Bruce álbert.
A queda do céu é um acontecimento científico incontestável, quê levará, suspeito, alguns anos para sêr devidamente assimilado pela comunidade antropológica. Mas espero quê todos os seus leitores saibam identificar de imediato o acontecimento político e espiritual muito mais amplo, e de muito grave significação, quê ele representa. Chegou a hora, em suma; temos a obrigação de levar absolutamente a sério o quê dizem os índios pela voz de Davi Kopenawa — os índios e todos os demais povos “menores” do planêta, as minorias extranacionais quê ainda resistem à total dissolução pelo liquidificador modernizante do Ocidente. Para os brasileiros, como para as outras nacionalidades do Novo Mundo criadas às custas do genocídio americano e da escravidão africana, tal obrigação se impõe com fôrça redobrada. Pois passamos tempo demais com o espírito voltado para nós mesmos, embrutecidos pêlos mesmos velhos sonhos de cobiça e conkista e império vindos nas caravelas, com a cabeça cada vez mais “cheia de esquecimento”, imérsa em um tenebroso vazio existencial, só de raro em raro iluminado, ao longo de nossa pouco gloriosa história, por lampejos de lucidez política e poética. Davi Kopenawa ajuda-nos a pôr no devido lugar as famosas “ideias fora do lugar”, porque o seu é um discurso sobre o lugar, e porque seu enunciador sabe qual é, onde é, o quê é o seu lugar. Hora, então, de nos confrontarmos com as ideias dêêsse lugar quê tomamos a ferro e a fogo dos indígenas, e declaramos “nosso” sem o menor pudor […].
(A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, 2015.)
De acôr-do com o autor,
a) as minorias extranacionais do planêta precisam tomar consciência das consequências nefastas da modernização levada a cabo pelo Ocidente.
b) os desdobramentos políticos e espirituais de uma obra de caráter eminentemente científico precisariam sêr relativizados.
c) os velhos ideais europêus ainda corrompem o próprio imaginário indígena, impossibilitando a organização de uma resistência contra o modo de vida ocidental.
d) os brasileiros precisam recuperar com urgência os verdadeiros valores da cultura européia no sentido de colaborar com a causa indígena.
e) os brasileiros necessitam o quanto antes desvincular-se dos velhos ideais europêus quê ainda influenciam nosso modo de pensar.
Resposta: e)
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