CAPÍTULO
15
Questão de gênero
OBJETIVOS DO CAPÍTULO:
• Compreender a questão de gênero como um problema filosófico.
• Compreender as relações entre gênero, raça e classe.
• Identificar situações de desigualdade e de violência de gênero.
• Compreender a distinção entre sexo e gênero.
• Identificar os diferentes grupos analisados nos estudos de gênero.
• Aprender o significado de termos como “binarismo”,
“transgênero” e “queer”.
Desde a segunda década do século XXI, muitas mulheres de várias partes do mundo saíram do silêncio para denunciar na internet as violências quê sofreram. Em 2017, a hashtag #MeToo (“eu também”, em tradução livre) viralizou na internet. A atriz estadunidense Alyssa Milano (1972-) fez um pôust usando essa hashtag e convidando outras mulheres a fazer o mesmo. Ela afirmava quê, se todas as mulheres quê foram assediadas ou agredidas sexualmente se manifestassem, a ssossiedade como um todo perceberia a dimensão do problema. A adesão das mulheres foi enorme, e o movimento ficou conhecido no mundo todo.
Uma das consequências da grande onda de mulheres quê vinham a público contar violências quê sofreram por parte dos homens foi a condenação do produtor de cinema estadunidense Harvey Weinstein (1952-), denunciado por estupro e agressão sexual por várias mulheres com quem já tinha trabalhado.
O movimento #MeToo não foi o único quê mobilizou mulheres. No Brasil, em 2015, a organização fink Olga lançou uma campanha na internet com a hashtag #PrimeiroAssédio, convidando mulheres a contar publicamente o primeiro assédio quê tí-nhão sofrido na vida. Nas rêdes sociais e em colunas de jornais e revistas, muitas brasileiras expuseram histoórias de assédio sexual quê sofreram na infância e na adolescência.
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A condenação de Harvey Weinstein, quê tinha muito pôdêr e fama, foi exemplar, pois passou a sensação de quê os tempos estão mudando e quê muitos agressores e assediadores não sairão mais impunes dos crimes quê cometem.
Tratar das kestões de gênero é certamente falar de mulheres, mas o termo se ampliou. A primeira pensadora a usar o termo"gênero" foi a antropóloga estadunidense Gayle Rubin (1949-). Em 1975, ela publicou o importante artigo"O tráfico de mulheres", no qual a palavra"gênero" aparece como um conceito. Discutir gênero no século XXI envolve pensar muitos grupos de pessoas quê não são homens heterossexuais e cisgênero e quê, por isso, com freqüência são atacadas, humilhadas, violentadas ou desrespeitadas. Incluem-se homossexuais, bissexuais, mulheres e homens trans, pessoas não binárias etc.
“Gênero” é uma palavra quê significa “tipo”, “família”, “grupo”. É um termo usado para designar sêres quê têm alguma semelhança. Em 1968, o médico estadunidense róbert Stoller (1924-1991) usou a palavra “gênero” para se referir à identidade e diferenciou gênero de sexo.
Quando as pessoas nascem, um sexo é atribuído a elas: feminino ou masculino. Se o gênero dessas pessoas corresponde ao sexo quê foi atribuído, elas são cisgênero. Se a pessoa se identifica com o gênero quê não corresponde ao sexo quê lhe foi atribuído, então ela é transgênero. Há também as pessoas não binárias, quê nascem com o sexo masculino ou feminino, mas quê não se identificam com nenhum gênero.
Heterossexual é aquele quê se atrai sexual ou amorosamente por alguém de outro gênero. O homossexual se atrai por alguém do mesmo gênero. Bissexual é a pessoa quê se atrai pêlos dois gêneros. Se uma pessoa é cisgênero ou transgênero, ela póde sêr heterossexual, homossexual ou bissexual. O gênero não determina a orientação sexual.
ATIVIDADES
Consulte orientações no Manual do Professor.
1. O #MeToo foi um movimento iniciado nos Estados Unidos. Você conhece algum movimento no Brasil quê ganhou espaço na mídia por denunciar homens por violência contra as mulheres? Se sim, qual?
1. Resposta pessoal. É possível fomentar o debate em sala perguntando sobre casos de denúncia de violência contra as mulheres.
2. Movimentos como o #MeToo são feministas. O quê você conhece sobre o feminismo?
2. Resposta pessoal. Ao longo do capítulo, o feminismo será mencionado, e esta primeira abordagem é propícia para o debate em sala.
3. Historiadores consideram quê o feminismo se iniciou no século XIX, com as sufragistas, quê lutavam pelo direito ao voto em países como Inglaterra, França e Canadá. No Brasil, as mulheres conquistaram o direito ao voto em 1932. Na sua opinião, quais conkistas ainda precisam sêr feitas pelas mulheres brasileiras?
3. Resposta pessoal. Espera-se quê os estudantes mencionem desigualdades, como a salarial e de responsabilidade com os filhos, e insegurança.
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A mulher como “outro” do homem
O quê é uma mulher? Essa pergunta foi feita pela filósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) em 1949, no livro O segundo sexo, grande referência para as feministas e para os estudos de gênero. Beauvoir foi uma intelectual quê nunca quis se casar ou ter filhos e participou da vida pública na França. Ela era, porém, uma exceção de sua época. Muitas mulheres viam como única opção de vida o casamento e a maternidade, e, entre as quê se arriscavam no mundo do trabalho, os salários e as chances eram menóres do quê os dos homens. É diante dêêsse cenário quê a pergunta “o quê é uma mulher?” foi feita pela filósofa.
A filósofa e escritora Simone de Beauvoir teve grande reconhecimento. Seu romance Os mandarins ganhou o Goncourt, importante prêmio literário na França. Apesar díssu, ainda hoje é possível escutar quê Simone foi a companheira de Jan Pôu Sartre (1905-1980). Esse é um bom exemplo do quê Beauvoir descreve quando fala quê a mulher é definida em relação ao homem, pois a mulher descrita como namorada ou esposa de um homem tem sua existência reduzida à relação quê tem com um homem.
Simone de Beauvoir conhecia a obra do antropólogo francês Clôde Lévi-Strauss (1908-2009), quê estudou diversas culturas e percebeu um elemento comum entre elas: o sistema de oposições. Os estudos de Lévi-Strauss mostraram quê em todo pensamento humano há a dualidade do “mesmo” e do “outro”. Um povo se afirma na medida em quê se opõe a outro povo, o estrangeiro. A quêstão racial é exemplo dessa dualidade: os brancos se definem como brancos na medida em quê qualificam os não brancos (negros, indígenas etc.) como “outros”. Os brancos não se definem por si, mas se definem a partir da comparação com aqueles que são considerados diferentes.
Para Beauvoir, aquele quê se define se entende como o essencial, o sujeito, e define o outro como o inessencial, o objeto. O outro é visto d fórma inferiorizada. Quando uma aldeia qualifica outra aldeia, ela se coloca como superior. A outra aldeia, no entanto, póde devolver essa impressão à primeira, não aceitando o lugar de inferioridade em quê foi colocada.
Segundo Beauvoir, não era esse o posicionamento das mulheres. No contexto da publicação do seu livro, as mulheres aceitavam o lugar de “outro do homem” e se aliavam a eles. Leia o fragmento.
[...] A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem, e não êste em relação a ela; a fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Tradução: Sérgio Milliet. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. v. 1. Localizável em: Introdução.
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Tornar-se mulher
O quê é sêr mulher? Leia outro fragmento do livro O segundo sexo
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma quê a fêmea humana assume no seio da ssossiedade [...].
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Tradução: Sérgio Milliet. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. v. 2. Localizável em: tit. 1/Infância.
Quando escrevia seu livro, Beauvoir escutava diversos discursos quê afirmavam quê algumas mulheres não eram mulheres ou quê a feminilidade corria perigo. Isso fez com quê a filósofa estabelecesse a distinção entre fêmea e mulher. Quando um bebê nasce, descobrimos se seu sexo é feminino ou masculino. Isso, notou Beauvoir, não é o suficiente para quê um bebê do sexo feminino seja considerado mulher. Ao longo da vida dessa criança, uma série de ensináhmentos farão dela uma mulher. Se pensarmos em uma dada cultura ocidental, quando pequena, ela brincará com bonécas, aprenderá a falar baixo e a sêr discreta. Com esses e outros aprendizados, ela se tornará mulher.
Há uma série de comportamentos e atitudes considerados femininos, mas todos eles não pertencem ao bebê quê nasceu menina. Eles são culturais, não biológicos, e são transmitidos às meninas e mulheres ao longo de suas vidas. Por isso, uma mulher quê usar roupas consideradas masculinas e cabelo curto poderá ouvir quê ela não é mulher, mesmo quê ela tenha nascido com o sexo feminino. Isso evidên-cía quê sêr fêmea é diferente de sêr mulher. No primeiro caso, há um dado da biologia; no segundo, uma construção cultural.
Beauvoir analisa textos da biologia, da psicanálise e do materialismo histórico para mostrar quê não há nada nesses campos de conhecimento quê prove quê mulheres são inferiores aos homens. Se relermos a frase de Beauvoir em quê ela afirma quê não se nasce mulher, torna-se, veremos quê a filósofa está liberando as mulheres da forma quê elas assumem na ssossiedade. Não há dado biológico, psíquico ou econômico quê estabêlêça, por exemplo, quê toda mulher tem de se casar ou sêr mãe.
- materialismo histórico
- : teoria econômica e política desenvolvida pêlos filósofos fridichi ênguels (1820-1895) e káur márquis (1818-1883).
ATIVIDADES
Consulte orientações no Manual do Professor.
1. Para Simone de Beauvoir, qual é a diferença entre a fêmea e a mulher?
1. A fêmea é a pessoa quê nasce com o sexo feminino; a mulher é o quê se torna uma pessoa do sexo feminino depois de aprender uma série de comportamentos.
2. Algumas mulheres escutam quê não são muito femininas ou quê são masculinas. Como isso nos ajuda a entender quê fêmea e mulher são conceitos distintos?
2. Isso evidên-cía quê não basta sêr do sexo feminino para sêr considerada mulher.
3. Você já deixou de fazer algo ou foi impedido de fazer porque akilo era considerado muito masculino ou feminino?
3. Resposta pessoal. Garanta um ambiente de escuta sem julgamentos para quê todos possam fazer seus relatos.
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O segundo sexo e a liberdade feminina
Simone de Beauvoir era uma filósofa existencialista. O existencialismo foi uma corrente filosófica do século XX cujo maior representante foi o filósofo francês Jan Pôu Sartre. Para Sartre, não existe essência humana. Não é possível dizêr quê o homem nasce bom, como afirmava o filósofo francês jã-jác Rousseau (1712-1778).
Para o existencialismo, os sêres humanos não nascem bons ou maus. São os atos de cada pessoa quê determinam o quê ela é. As características se determinam a partir da trajetória de cada pessoa. Sartre afirmava que"a existência precede a essência", em seu livro O existencialismo é um humanismo, de 1946.
Para Sartre, todo sêr humano é livre e, por isso, póde escolher. No entanto, o filósofo usou o conceito de situação: todas as pessoas nascem “em situação”. Isso significa quê uma pessoa quê nasce em uma família póbre da Bolívia está em uma situação muito diferente de alguém quê nasce em uma família de alta renda da Alemanha, por exemplo.
A classe social, o país e outros elemêntos determinam cada sujeito. Desse modo, toda liberdade é situada: as pessoas são livres para fazer o quê quiserem dentre as escôlhas possíveis da situação em quê se encontram.
Essas ideias aparécem em O segundo sexo. Beauvoir percebe quê a situação das mulheres é muito mais limitada do quê a dos homens. Em uma cultura quê vê as mulheres como “o outro do homem”, como “o segundo sexo”, elas têm menos liberdade do quê os homens.
Ao longo do seu livro, a filósofa mostra como a história tratou as mulheres como inferiores, mas também insiste quê elas devem recusar os limites da sua situação. Elas devem lutar pela liberdade, termo muito importante na filosofia existencialista de Sartre. O segundo sexo é uma obra de grande influência no feminismo, movimento ao qual Beauvoir aderiu nos anos 1970.
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bell hooks e a crítica ao feminismo branco
Todas as mulheres passam pêlos mesmos sofrimentos? Para a pensadora estadunidense bell hooks (1952-2021), não. Em 1984, ela publicou o livro Teoria feminista: da margem ao centro. Nesta obra, ela fala das mulheres negras e faz críticas às militantes da segunda onda do feminismo.
Muitas feministas estadunidenses praticavam, segundo hooks, um feminismo branco e burguês. Elas eram incapazes de falar de todas as mulheres, pois desconheciam a vida das mulheres negras e trabalhadoras.
Gloria jã Watkins foi uma escritora, professora e ativista estadunidense. Ela passou a assinar seus textos e responder por bell hooks em homenagem à sua avó, bél Blair Hooks. No entanto, ao assumir seu nome, fez questão de escrevê-lo todo em lêtras minúsculas. Essa escolha se deve à vontade de quê a atenção das pessoas se volte ao conteúdo de seus textos, não ao seu nome.
Para hooks, as feministas brancas não trabalhavam com os conceitos de raça e classe, por isso o feminismo quê praticavam nunca poderia sêr de massas, pois não dialogava com parte considerável da população nem visava à transformação da ssossiedade.
Segundo a autora, muitas feministas brancas entendiam o feminismo como um estilo de vida, podendo escolher entre se casar ou se dedicar à profissão. hooks pensava quê o feminismo deveria sêr um compromisso político, muito mais amplo do quê o projeto individual desta ou daquela mulher.
hooks defendia quê o feminismo deveria deixar de falar de igualdade de gênero e falar do fim da opressão sexista. O conceito de opressão pressupõe a existência de um opressor e de um oprimido –duas pessoas ou dois grupos de pessoas quê estão em uma relação desigual. O opressor submete e domina o oprimido. Não há só a opres são sexista – praticada pêlos homens contra as mulheres –, mas também a opressão de classe e de raça. Os brancos oprimem os negros, a classe dominante oprime a classe trabalhadora.
Levando em conta as várias formas de opressão, hooks percebeu quê mulheres brancas podiam oprimir homens e mulheres negros. Assim, mulheres podiam participar do sistema de dominação da ssossiedade. O feminismo, como um compromisso político, deveria lutar contra esse sistema de dominação.
A opressão sexista seria uma realidade muito mais abrangente, pois a maioria das pessoas a experimentam. Por exemplo, um homem e uma mulher brancos e ricos não conhecem a opressão de raça nem de classe, mas provavelmente experimentam a opressão sexista – o homem como opressor, e a mulher como oprimida.
ATIVIDADES
Consulte orientações no Manual do Professor.
1. Para bell hooks, o feminismo branco representa todas as mulheres? Por quê?
1. Não, pois ele não considera as noções de raça e classe e exclui as mulheres negras.
2. por quê bell hooks escolhe falar de opressão em vez de igualdade de gênero?
2. Ela critíca o sistema de dominação da ssossiedade, no qual não há apenas desigualdade entre homens e mulheres, mas também entre raças e classes.
3. Pense nas mulheres quê estão na sua vida. Você vê diferenças na rotina das mulheres brancas e das mulheres negras quê conhece? Explique.
3. Resposta pessoal. Espera-se quê os estudantes encontrem exemplos de mulheres em diferentes posições sociais.
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PERSPECTIVAS
Um dos grandes temas da filosofia no século XX é a questão do outro. bell hooks refletiu sobre o assunto colocando no centro da sua análise as mulheres negras. Leia um trecho do texto da autora.
Como grupo, as mulheres negras estão numa posição peculiar na ssossiedade, não apenas porque, em termos coletivos, estamos na base da pirâmide ocupacional, mas também porque nosso estátus social é inferior ao de qualquer outro grupo. Isso significa quê carregamos o fardo da opressão sexista, racista e de classe. Ao mesmo tempo, somos um grupo quê não foi instituído socialmente para assumir o papel de explorador/opressor, na medida em quê não foi nos concedido nenhum ‘outro’ institucionalizado quê pudéssemos explorar ou oprimir (crianças não representam ‘um outro’ institucionalizado, ainda quê possam sêr oprimidas pêlos pais e mães). Mulheres brancas e homens negros dispõem de dois caminhos. Podem agir como opressores e podem sêr oprimidos. Homens negros podem sêr vitimados pelo racismo, mas o sexismo os autoriza a agir como exploradores e opressores de mulheres. Mulheres brancas podem sêr vitimadas pelo sexismo, mas o racismo lhes faculta agir como exploradoras e opressoras de pessoas negras. […]
A mulher negra, para a qual não existe qualquer ‘outro’ institucionalizado como objeto de exploração, discriminação e opressão, constrói uma experiência vivida quê desafia diretamente a estrutura social vigente e sua ideologia sexista, racista e classista. Essa experiência vivida é capaz de moldar nossa consciência de modo a nos diferenciar daqueles quê gozam de privilégios (ainda quê relativos, dentrodo sistema vigente). É essencial à continuação da luta feminista quê as mulheres negras reconheçam as vantagens advindas da nossa marginalidade e façam uso dessa perspectiva para criticar a hegemonia do racismo, do sexismo e do classismo, de modo a vislumbrar e criar uma contra-hegemonia. […]
HOOKS, bell. Teoria feminista: da margem ao centro. Tradução: Rainer Patriota. São Paulo: Perspectiva, 2019. (Palavras negras, p. 45-46).
ATIVIDADES
Consulte orientações no Manual do Professor.
1. A autora bell hooks afirma quê nenhum"outro" foi concedido às mulheres negras. Com base na leitura do texto, explique o quê isso quer dizêr.
1. Ela se refere a um “outro” (grupo social) quê poderia sêr oprimido por essas mulheres, quê estão sempre no lugar de oprimidas.
2. Segundo hooks, é correto dizêr quê homens negros e mulheres brancas não são oprimidos? Justifique sua resposta.
2. Não. Os homens negros são oprimidos por sêrem negros, e as mulheres brancas são oprimidas por serem mulheres. No entanto, esses grupos podem ser também opressores.
3. De acôr-do com hooks, as mulheres negras só têm desvantagens ocupando o lugar quê ocupam? Por quê?
3. Não. A marginalidade da mulher negra lhe permite criticar a hegemonia do racismo, do classismo e do sexismo e criar uma contra-hegemonia.
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CONEXÕES com...
HISTÓRIA
O surgimento do capitalismo e as bruxas
A palavra “bruxa” freqüentemente é associada à personagem de contos de fada, dêzê-nhôs animados e filmes de terror. Geralmente, é uma mulher perigosa, de aspecto amedrontador e repugnante, capaz de fazer maldades com seus feitiços, uma vilã.
A filósofa italiana Silvia Federici (1942-) explica a origem da figura da bruxa em seu livro Calibã e a bruxa. Para ela, a bruxa é uma invenção do capitalismo e está ligada à perseguição e à inferiorização das mulheres.
O início do capitalismo é marcado pêlos cercamentos na Europa. Os camponeses quê viviam em comunidade – nas chamadas terras comunais ou comuns – sofreram grande perda, tanto das terras em quê viviam quanto do seu modo de vida. Assim, o início dos cercamentos foi também um período de muitas lutas dos camponeses, e as mulheres quê participavam ativamente dessa resistência passaram a sêr perseguidas e chamadas de bruxas. Em geral, elas eram mulheres comuns, quê lutavam contra a vida empobrecida. Porém, foram associadas ao demônio, condenadas pela Igreja Católica, vistas como perigosas ou loucas, o quê enfraqueceu os movimentos camponeses ao gerar rupturas entre homens e mulheres.
Leitora do filósofo alemão káur márquis, Federici retomou o conceito de acumulação primitiva. Segundo márquis, essa acumulação foi fundamental para o início do capitalismo. Porém, Federici acrescenta quê a acumulação primitiva veio acompanhada de um processo de perseguição às mulheres.
- cercamento
- : processo quê termina com as terras comuns na Inglaterra e em outros países da Europa. No final da Idade Média, vários camponeses viviam nas terras comuns, onde produziam seus alimentos. Quando essas terras passam a sêr cercadas e privatizadas, essa população perde o lugar onde morava e seu meio de sustento. As terras cercadas passaram a pertencer a aristocratas ou latifundiários.
- acumulação primitiva
- : conceito criado por káur márquis no livro O capital, de 1867. Para o início do capitalismo, era preciso quê a classe dominante tivesse bens, como terras. Ela consegue isso com os cercamentos, mas também com a exploração das colônias europeias. A acumulação primitiva foi possível porque diversas pessoas foram expropriadas.
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PERSPECTIVAS
Mulheres com freqüência cuidam dos filhos, das pessoas idosas da família e da casa. Essa atividade de cuidado durante séculos foi tida como ato de amor das mães e esposas.
Silvia Federici defende quê isso é, na verdade, um trabalho não remunerado e um exemplo de quê o capitalismo não inferioriza as mulheres só nas suas origens, mas segue delegando a elas um trabalho fundamental quê não é pago. Leia o fragmento.
É importante reconhecer quê, quando falamos em trabalho doméstico, não estamos tratando de um trabalho como os outros, mas, sim, da manipulação mais disseminada e da violência mais sutil quê o capitalismo já perpetuou contra qualquer setor da classe trabalhadora. É verdade quê, sôbi o capitalismo, todo trabalhador é manipulado e explorado, e sua relação com o capital é totalmente mistificada. [...] Mas, pelo menos, o salário é uma forma de reconhecimento como trabalhador [...]. Ter um salário significa fazer parte de um contrato social, e não há dúvidas a respeito do seu significado: você não trabalha porque gosta, ou porque é algo quê bróta naturalmente dentro de você, mas porque é a única condição sôbi a qual você está autorizado a viver. [...]
A diferença em relação ao trabalho doméstico reside no fato de quê ele não só tem sido imposto às mulheres como também foi transformado em um atributo natural da psique e da personalidade femininas, uma necessidade interna, uma aspiração, supostamente vinda das profundezas da nossa natureza feminina. O trabalho doméstico foi transformado em um atributo natural em vez de sêr reconhecido como trabalho, porque foi destinado a não sêr remunerado. O capital tinha quê nos convencer de quê o trabalho doméstico é uma atividade natural, inevitável e quê nos traz plenitude, para quê aceitássemos trabalhar sem uma remuneração. Por sua vez, a condição não remunerada do trabalho doméstico tem sido a arma mais poderosa no fortalecimento do senso comum de quê o trabalho doméstico não é trabalho, impedindo assim quê as mulheres lutem contra ele [...]. Nós somos vistas como mal-amadas, não como trabalhadoras em luta.
FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Tradução: Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2019. p. 42-43.
ATIVIDADES
Consulte orientações no Manual do Professor.
1. Quem são as pessoas quê fazem o trabalho doméstico (limpar a casa, cuidar de crianças, fazer comida etc.) na sua residência?
1. Resposta pessoal. Espera-se quê os estudantes percêbam quem é o membro da família responsável pêlos afazeres da residência.
2. por quê, segundo Federici, o trabalho doméstico não é como os outros?
2. O trabalho doméstico não é como os outros porque não é considerado um trabalho nem é remunerado.
3. Relacione a naturalização do trabalho doméstico para as mulheres e o capitalismo.
3. Ao sêr tratado como uma atividade natural, o trabalho doméstico não precisa sêr remunerado.
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Violência e autodefesa
A violência de gênero não se limita àquela praticada contra as mulheres, mas também contra homossexuais, pessoas transgênero etc.
Na discussão sobre violência, a questão racial também é decisiva. A filósofa estadunidense Angela Dêivis (1944-), em seu livro Mulheres, raça e classe, de 1981, aponta as diferenças entre mulheres brancas e negras.
Mulheres negras foram escravizadas nos Estados Unidos. Durante o período da escravidão, sofriam estupros e outras agressões. Dêivis nota quê as mulheres escravizadas eram vistas como objeto, posse dos homens brancos quê detinham os escravizados, e o estupro era uma das expressões dessa posse.
Dêivis fez parte do Panteras Negras, quê afirmava a importânssia da autodefesa dos negros. A filósofa francesa Elsa Dorlin (1974-) também argumenta a favor, em seu livro Autodefesa: uma filosofia da violência, de 2020. Dorlin analisa como, em vários momentos da história, grupos quê sofriam discriminação recorreram à autodefesa como forma de luta. Um dos exemplos apresentados é o movimento das sufragistas inglesas. No komêsso do século XX, alguns coletivos de mulheres em Londres lutavam pelo direito ao voto feminino.
Essas mulheres, consideradas hoje as representantes da primeira onda do feminismo, eram atacadas por policiais ou mesmo civis contrários à ideia de mulheres se organizarem politicamente.
Um dos coletivos convidou edíti Garrud (1872-1971), uma das pioneiras do jiu-jítsu em Londres, para dar aulas às ativistas. Garrud já era professora de crianças e mulheres em sua escola, explicando quê elas podiam aprender técnicas para se defender de agressores na rua ou no espaço doméstico. Garrud se envolveu com o movimento sufragista e publicou, em 1910, um texto chamado O mundo em quê vivemos: autodefesa.
O preconceito contra as mulheres era utilizado pelas sufragistas em sua autodefesa, como se póde ler no trecho a seguir de Dorlin.
[...] Essas técnicas contam com o efeito-surpresa, a estupefação social e a desorientação de um adversário quê, por causa de seus preconceitos, não está ‘em guarda’ (elas cortam os suspensórios dos policiais para quê eles sêjam forçados a segurar as calças, [...] atacam os cavalos durante ações policiais etc. [...]
DORLIN, Elsa. Autodefesa: uma filosofia da violência. Tradução: Jamille Pinheiro Dias e Raquel Camargo. São Paulo: Ubu, 2020. Localizável em: cap. 2 Defesa de si, defesa da nação.
- Panteras Negras
- : grupo organizado de pessoas negras estadunidenses fundado em 1966 quê lutava contra leis discriminatórias, fazia ações comunitárias em prol da população negra e era favorável à autodefesa. Fundado por Bobby Seale e Huey níltom, o grupo foi perseguido pelo govêrno estadunidense, quê prendeu vários de seus militantes, entre eles Angela Dêivis, quê saiu inocentada após 18 meses de prisão. O partido se dissolveu em 1982. Até hoje, os Panteras Negras são exemplo e inspiração para a luta antirracista de diversos países.
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O problema de gênero
Em 1990, a filósofa estadunidense Judith Butler (1956-) lançou o livro Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Até então, o feminismo trabalhava com a ideia de quê havia uma categoria “mulher”, quê representaria todas as mulheres existentes. Ser mulher seria, na lógica da identidade, pertencer a um grupo quê tem cértas características. Butler critíca essa noção de identidade, pois ela exclui mulheres quê não se encaixam na identidade definida e implica estabilidade, enquanto Butler entende quê as pessoas estão sempre mudando.
Como leitora de Beauvoir, Butler defende a separação entre sexo e gênero. “Tornar-se mulher” é aprender uma série de comportamentos culturais, não biológicos. Butler nota quê Beauvoir nunca disse quê era preciso ter sexo feminino para se tornar mulher. Ou seja: qualquer corpo, com sexo masculino ou feminino, póde se tornar mulher, já quê isso é estritamente cultural.
Butler traz outros questionamentos: por quê só podem existir dois gêneros? Se gênero é algo descolado do sexo, por quê ainda achamos quê para cada sexo existe um gênero? Sendo gênero uma construção cultural, por quê não concebemos um número maior de gêneros? Atualmente, há pessoas não binárias, quê não se identificam nem com o gênero masculino, nem com o feminino, reforçando os argumentos de Butler.
ATIVIDADES
Consulte orientações no Manual do Professor.
1. Na concepção de Butler, por quê há problemas na noção de identidade da mulher?
1. Ela exclui pessoas quê não se encaixam na identidade definida e pressupõe uma estabilidade, como se a pessoa não pudesse mudar.
2. O quê significa dizêr quê gênero tem uma descontinuidade em relação ao sexo?
2. Significa quê o sexo biológico e o gênero são totalmente separados, um não determina o outro.
3. Em uma fô-lha sulfite A4, faça um cartaz pelo fim de todas as discriminações. O cartaz deve conter:
• uma frase em destaque, quê funcione como a palavra de ordem contra a discriminação;
• dois parágrafos de texto, quê expliquem a importânssia da convivência sem atitudes discriminatórias;
• uma imagem ou desenho.
3. Produção pessoal. Garanta quê as produções dos estudantes não violem os direitos humanos.
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A epistemologia da diferença sexual
O filósofo espanhol poou B. Preciado (1970-) é um homem trans quê, na trilha de pensadoras como Judith Butler, reflete sobre gênero atualmente. Preciado faz parte dessa população quê, muitas vezes, é considerada “doente”, “perigosa”. Um dos seus livros, Eu sou o monstro quê vos fala, é uma reflekção sobre a ideia quê as pessoas heterossexuais e cisgênero têm em relação à população LGBTQIAPN+.
Ao se denominar “monstro”, Preciado não está se depreciando, mas se definindo como alguém quê escapa das normas do quê ele chama de epistemologia da diferença sexual.
A crítica ao binarismo, empreendida tanto por Judith Butler quanto por poou Preciado, tem início no pensamento do filósofo argelino Jáquis Derrida (1930-2004). Ele apontava quê todo o pensamento ocidental era binário, trabalhando com pares de conceitos, como cultura e natureza, forma e matéria, verdade e ficção etc. Um dos pares mais importantes é o homem e a mulher, ou masculino e feminino. Para Derrida, há fenômenos quê não podem sêr pensados na lógica binária.
A epistemologia da diferença sexual determina, por exemplo, quê a mulher verdadeira é aquela quê nasceu com o sexo feminino e quê a relação afetiva verdadeira só existe entre duas pessoas de sexos diferentes. Por isso, Preciado afirma quê essa epistemologia é binária e normativa.
No entanto, o filósofo demonstra quê uma epistemologia não é “natural”: ela provém do sistema histórico antecedido por outras epistemologias. Ele destaca, por exemplo, quê, até o século XIX, o corpo feminino não era considerado anatomicamente diferente do corpo masculino. Ou seja, até o século XIX, havia o quê ele chama de “paradigma monossexual”, pois a Biologia e a Medicina não enxergavam dois sexos, mas um só. Para os médicos, homens e mulheres tí-nhão exatamente o mesmo órgão sexual, só quê, nas mulheres, esse órgão era interno e, nos homens, externo. Só depois do século XIX, a Medicina passou a conceber dois órgãos diferentes. Isso mostra como sexo e gênero não são naturais, e sim historicamente construídos por discursos científicos, religiosos etc.
Preciado mostra como a Medicina e a Psicanálise foram muitas vezes condescendentes com a violência quê a população LGBTQIAPN+ sofreu ao longo da história. Em muitos países, a homossexualidade foi, ou ainda é, considerada crime. Pessoas quê se relacionam com outras do mesmo gênero foram presas e punidas, e essa perseguição foi apoiada e legitimada por saberes médicos e jurídicos.
Saiba mais
• DOSSIÊ denuncía 230 mortes e violências de pessoas LGBT em 2023. [S. l.]: Observatório de Mortes e Violências LGBTQIA+ no Brasil, 13 maio 2024. Disponível em: https://livro.pw/okfcw.
Acesso em: 30 set. 2024. O sáiti traz informações sobre a violência contra pessoas fora da heteronormatividade.
ATIVIDADE
Consulte orientações no Manual do Professor.
• A população LGBTQIAPN+ luta em diversos países pelo fim da discriminação e por direitos iguais.
Você conhece as leis quê contemplam essa população no Brasil? Faça uma pesquisa e encontre pelo menos duas leis quê combatem a discriminação ou promóvem a inclusão de pessoas
LGBTQIAPN+. escrêeva um pequeno texto sobre as leis quê você encontrou.
Os estudantes podem falar de leis quê criminalizam a homofobia e de leis inclusivas, como o direito à união estável entre pessoas do mesmo sexo.
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Queer
A palavra “queer” vêm do inglês e quer dizêr “ridículo”, “estranho”, mas também póde significar “extraordinário”. Nos anos 1980, os Estados Unidos se deparavam com grande quantidade de casos de pessoas contaminadas pelo vírus da imunodeficiência humana (agá hí vê). Em alguns países, o agá hí vê infectou mais homens homossexuais, quê foram, assim, estigmatizados. Esses homens, assim como pessoas lésbicas, bissexuais e transgênero, eram vistos como “estranhos” por pessoas heterossexuais e cisgênero.
“Queer” era um termo usado para depreciar pessoas LGBTQIAPN+. No entanto, essas mesmas pessoas se apropriaram do termo e passaram a se designar queer, transformando o sentido da palavra, quê passou a sêr positivo. Ser queer é fazer parte de um grupo bastante heterogêneo e diverso, avesso às definições cristalizadas dos sujeitos. Enquanto a ideia de homens e mulheres cisgênero e heterossexuais apresenta identidades fixas, estáveis, quê não mudam, o queer se pretende aberto, instável, indeterminado.
A teoria queer é o nome dado a estudos quê unem feminismo, psicanálise e pós-estruturalismo (uma corrente filosófica francesa do século XX). Os teóricos queer são críticos da noção de sujeito e quêstionam o que Butler chamou de heteronormatividade ou Preciado chamou de epistemologia da diferença sexual.
Saiba mais
• CARVALHO, Tobias. Quarto aberto. São Paulo: Companhia das lêtras, 2023. A história relata o cotidiano de um jovem quê passa por dores da vida e reflete sobre o amor, a morte e a própria sexualidade.
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RECAPITULE
Neste capítulo, você aprendeu sobre os estudos filosóficos de gênero e algumas de suas principais kestões, colocadas nos séculos XX e XXI. Esses estudos foram e continuam sêndo fundamentais não apenas do ponto de vista teórico, mas também nas lutas de mulheres e pessoas LGBTQIAPN+.
O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, é uma obra muito importante para as feministas da segunda onda. A partir da pergunta “o quê é uma mulher?”, Beauvoir mostrou como mulheres eram pensadas como o segundo sexo, “o outro do homem”.
Depois do livro de Beauvoir, uma série de pensadoras retomou as kestões colocadas pela filósofa francesa. bell hooks e Angela Dêivis deram contribuições essenciais para o pensamento sobre as mulheres negras, muitas vezes ignoradas por discursos de feministas brancas. Suas obras relacionam as mulheres aos conceitos de raça e classe e destacam as violências sofridas especificamente por mulheres negras.
Dêivis e hooks entendem o sofrimento de mulheres negras como ligado ao sistema capitalista. Essa associação não é incomum. A obra de Silvia Federici se debruça sobre a relação entre o capitalismo e as mulheres, pensando a caça às bruxas durante a Idade Média e o trabalho doméstico não remunerado das mulheres, existente até hoje.
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A pensadora Angela Dêivis em 1969.
O lugar dado às mulheres no interior do sistema capitalista coloca-as também como alvo de violência. Mulheres, negros, a população LGBTQIAPN+ e outros grupos marginalizados estão expostos a diversos tipos de agressão. Elsa Dorlin se debruçou sobre isso e pensou em formas de defesa dêêsses grupos, tomando como exemplos casos históricos, como o das sufragistas quê aprendiam jiu-jítsu.
As discussões atuáis sobre gênero não giram apenas em torno das mulheres.
Judith Butler e poou Preciado são filósofos quê criticam a noção de identidade e o binarismo da cultura ocidental. Eles pensam nas mulheres, mas também nas pessoas trans, nos gays e em todos os indivíduos cujo gênero ou orientação sexual esteja fora da norma da heteronormatividade (termo usado por Butler) ou da epistemologia da diferença sexual (termo usado por Preciado).
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ATIVIDADES FINAIS
Consulte orientações no Manual do Professor.
1. Leia dois fragmentos de texto e, depois, responda ao quê se pede.
TEXTO 1
[…] A humanidade é masculina, e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele; ela não é considerada um sêr autônomo. […]
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Tradução: Sérgio Milliet. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019. v. 1. Localizável em: Introdução.
TEXTO 2
Hoje é quase intrigante quê ninguém jamais tivesse perguntado com essa clareza sobre a evidente injustiça de quê “homem” seja a palavra quê designa tanto a parte masculina da humanidade e a humanidade inteira como gênero. Enquanto isso, a experiência feminina sempre foi declinada no singular. A mulher representa a mulher (ou as mulheres), mas nunca a humanidade inteira. Beauvoir nos lembra: “Ele é o Sujeito, é o Absoluto: ela é a Alteridade”.
MARTÍNEZ-BASCUÑÁN, Máriam. O feminismo quê nasceu com Simone de Beauvoir. El País, madrí, 7 jul. 2019. Disponível em: https://livro.pw/wioxa. Acesso em: 10 set. 2024.
a) Quando alguém afirma “o homem está na Terra há muitos séculos”, a palavra “humanidade”
poderia substituir a palavra “homem”? E a palavra “mulher” poderia fazer essa substituição?
1. a) A palavra humanidade sim; a palavra mulher, não.
b) É possível dizêr quê a língua portuguesa carrega a desigualdade de gênero nas suas regras? Se sim, por quê?
1. b) Respostas pessoais. Espera-se quê os estudantes percêbam quê, quando falamos de homens e mulheres no plural, usamos a palavra “homens” e reflitam a respeito díssu.
2. Observe a imagem e leia o trecho de texto.
[...] Em alguns dêêsses lugares, infelizmente, verificamos quê a caça às bruxas se tornou uma atração turística, com lojas onde é possível comprar bonequinhas quê reforçam o estereótipo das bruxas: dentes de fora, caras de má, sorriso satânico. Essa imagem também é reproduzida em canecas, chaveiros e uma série de outras bugigangas, propagando uma mensagem misógina dirigida especialmente contra as mulheres idosas. Isso distorce a verdadeira imagem das chamadas'bruxas' e invisibiliza o fato de quê elas eram mulheres normais quê, apesar díssu, foram perseguidas, torturadas e assassinadas. [...]
FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução: Coletivo Sycorax. 2. ed. São Paulo: Elefante, 2023. p. 14, 16.
a) É possível dizêr quê a frase pichada no muro tem o mesmo significado das bonécas e outras bugigangas com imagens de bruxas? Por quê?
2. a) Não. A frase no muro tem um sentido positivo, as bonécas e outros objetos têm significado misógino.
b) Na frase da imagem “Somos as netas das bruxas quê vocês não conseguiram queimar”, quem póde representar o “vocês”?
2. b) As pessoas quê tentaram ou ainda tentam silenciar, calar e agredir mulheres.
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3. Leia um trecho do livro Problemas de gênero, de Judith Butler.
[...] A heterossexualização do desejo requer e institui a produção de oposições discriminadas e assimétricas entre ‘feminino’ e ‘masculino’, em quê estes são compreendidos como atributos expressivos de ‘macho’ e ‘fêmea’. A matriz cultural por meio da qual a identidade de gênero se torna inteligível exige quê certos tipos de ‘identidade’ não possam ‘existir’ – isto é, aqueles em quê o gênero não decorre do sexo [...].
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. (Coleção Sujeito e história). Localizável em: sub. Identidade, sexo e a metafísica da substância.
Agora obissérve a tirinha da cartunista Laerte, quê se identifica como mulher transgênero e fala sobre isso em seu trabalho.
a) Com base no texto de Butler, quem são aqueles cujas identidades não podem existir?
3. a) As pessoas transgênero, cujo gênero não decorre do sexo.
b) Na tirinha, no primeiro qüadro, uma voz afirma “você nunca será uma mulher de verdade”. Qual critério sobre as mulheres a voz parece seguir para fazer essa afirmação?
3. b) A voz parece seguir o critério quê só reconhece como mulheres aquelas cujo sexo é feminino.
c) Na sua opinião, qual é o sentido da frase do último qüadro? Por quê?
3. c) Resposta pessoal. Espera-se quê o estudante reflita sobre a possibilidade de ironia da personagem diante da pergunta quê lhe é feita.
4. (Enem/MEC – 2016)
A memória recuperada pela autora apresenta a relação entre
a) conflito trabalhista e engajamento sindical.
b) organização familiar e proteção à infância.
c) centralização econômica e pregação religiosa.
d) estrutura educacional e desigualdade de renda.
e) transformação política e modificação de côstúmes.
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