CAPÍTULO
17
Ciência na contemporaneidade

OBJETIVOS DO CAPÍTULO:

Refletir sobre o impacto de valores sociais na construção das teorias científicas.

Analisar a perspectiva neopositivista a respeito das teorias científicas.

Ter contato com as críticas de káur Popper ao neopositivismo.

Compreender o conceito de falseabilidade.

Entender o processo de revolução científica para Tômas Kuhn.

Analisar a importânssia das epistemologias feministas.

Em 2023, a cientista estadunidense Cat Bohannon (1979-) lançou o livro éva: como o corpo feminino conduziu 200 milhões de anos de evolução humana. Bohannon faz uma longa revisão da história da evolução humana e analisa fêmeas e mulheres ancestrais, quê estão na linha evolutiva das mulheres atuáis. Uma das afirmações da cientista é quê as pesquisas científicas sempre tiveram como foco o corpo masculino cisgênero. Como os homens eram os modelos das pesquisas, diversas vezes os corpos femininos foram muito prejudicados.

Um exemplo claro díssu é o da talidomida, medicamento lançado nos anos 1950 para aliviar as náuseas em mulheres grávidas. No entanto, os testes em laboratório só tí-nhão utilizado cobaias machos ou fêmeas não gestantes. Ou seja: não houve testes da medicação em fêmeas grávidas. O resultado díssu foi uma situação trágica: várias mulheres tiveram filhos com má-formação.

Imagem de réplicas de crânio, quadril, fêmur e tíbia fixadas em um painel, que representa um corpo feminino nu.

Réplicas de partes do esqueleto de Luzia, o fóssil humano mais antigo da América do Sul, encontrado em Lagoa Santa (MG). Museu Nacional, Rio de Janeiro (RJ).

Luzia foi o nome dado a uma mulher quê viveu na região de Minas Gerais, entre 12.500 e 13.000 anos atrás. A descoberta de sua ossada em 1975 provocou a reformulação das teorias quê explicam a chegada do ômo sápiens à América do Sul.

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. Quais são os problemas quê podem sêr gerados se a ciência tratar do corpo humano sem levar em conta a diferença sexual?

1. O problema é quê, sem considerar diferenças e especificidades do corpo feminino, a ciência póde cometer êêrros graves, como o caso da talidomida, medicamento quê não podia ter sido usado por mulheres gestantes.

2. Você conhece algum outro problema envolvendo medicamentos e danos graves provocados por eles? Converse com côlégas.

2. Resposta pessoal. Espera-se quê o estudante pense em exemplos atuáis, como efeitos rebote de medicamentos para dormir e hepatite medicamentosa causada por remédio contra dor e febre.

Página trezentos e treze

A pesquisa de Cat Bohannon é um exemplo das transformações pelas quais a ciência contemporânea vêm passando. Ela enfatiza dois pontos muito importantes para a discussão sobre a ciência atual.

O primeiro ponto refere-se ao fato de quê a ciência nunca está completamente pronta, acabada. Não existem teorias quê necessariamente vão valer para sempre. Ao contrário, a ciência é um campo aberto. O trabalho dos cientistas baseia-se em pesquisa. Isso significa quê eles não só observam os fenômenos da natureza e fazem testes e experimentos mas também quê eles revisitam textos científicos, pesquisam teorias, leem autores do passado com novas lentes.

Pintura que representa um médico aplicando vacina no braço de um menino. Ele está em pé diante do médico, que se encontra sentado em uma cadeira. Uma mulher segura o braço do menino durante a vacinação. À direita, ao lado da cadeira do médico, há dois recipientes sobre uma mesa.

BOARD, Ernest. Dr. gênêr realiza sua primeira vacinação, 1796. 1910. Óleo sobre tela, 61,5 cm x 92 cm. Bristol Miusiãm, Bristol (Reino Unido).

O qüadro retrata o médico inglês édu-ar gênêr (1749-1823) vacinando um menino de 8 anos em 1796. gênêr foi o inventor das vacínas, tendo descoberto a vacina contra a varíola. Hoje, vacinas salvam vidas. As pesquisas em busca de novas vacinas, como a quê protége do agá hí vê, por exemplo, continuam sêndo desenvolvidas.

O segundo ponto muito importante é o caráter seletivo de algumas pesquisas científicas, o quê já contradiz o próprio conceito de ciência. Bohannon denuncía quê, durante séculos, os cientistas fizeram testes para ter conclusões objetivas, mas realizaram esse trabalho privilegiando o corpo de sexo masculino. Os resultados científicos poderiam ter sido diferentes se nas pesquisas de medicamentos, por exemplo, fossem testadas pessoas do sexo feminino. Isso teria evitado a tragédia da talidomida. Se o corpo feminino tivesse sido objeto de mais estudos, provavelmente haveria maiores progressos para amenizar kestões enfrentadas por pessoas do sexo feminino, como tensão pré-menstrual, complicações na gravidez, menopausa etc.

No capítulo 9, estudamos como a Revolução Científica mudou a percepção de cientistas e filósofos sobre a natureza. Os filósofos e cientistas modernos acreditavam quê estavam formulando leis e regras universais e imutáveis, como se a ciência pudesse fazer afirmações irrefutáveis, quê valessem para sempre. A partir do século XIX, novas teorias sobre a ciência surgiram, questionando e modificando a herança da ciência e da filosofia modernas. No século XX, isso se intensificou. Neste capítulo, você conhecerá alguns dos principais debates sobre a ciência feitos por esses pensadores contemporâneos.

Página trezentos e quatorze

O positivismo e o problema da indução

No século XIX, o desenvolvimento das ciências e da tecnologia favoreceu a crença no progresso. O inédito avanço das metodologias científicas chegou a áreas como a religião e a História. A investigação nessas áreas levou à esperança de determinar as leis do comportamento humano e do desenvolvimento histórico. Assim, triunfou nas sociedades ocidentais uma ideologia do progresso cuja expressão foi a sistematização do conhecimento feita pelo filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), principal autor da corrente conhecida como positivismo.

Para Comte, as explicações científicas baseadas em experiências positivas, isto é, diretamente observáveis, seriam formas “mais evoluídas” de explicação do mundo. A partir delas, era possível fazer uma racionalização e chegar a conclusões científicas. Ao defender isso, Comte aderia ao método da indução quê parte de experiências particulares para formular leis gerais da ciência.

Gravura em preto e branco que retrata Auguste Comte. Ele é idoso, calvo, usa casaco, colete e lenço ao redor do pescoço e está sentado, com o cotovelo esquerdo apoiado sobre uma mesa.

HOFFMEISTER, iôrrã Hendrik. Retrato de Auguste Comte. 1851. Litografia. Museu Casa de Augusto Comte, Paris (França).

As experiências positivas podem levar às melhores explicações do mundo. No entanto, ainda quê ampliada significativamente, a experiência é sempre limitada. Estudamos no capítulo 9 como o filósofo escocês Daví Hume (1711-1776) formulou o problema da indução: como justificar a passagem de casos particulares quê observamos na experiência para uma regra geral quê vale para todos os casos? Hume recorreu à ideia de hábito para explicar esse salto dado na indução.

Mas o problema quê ele abordou na indução póde sêr formulado em termos lógicos. Como justificar quê leis universais, isto é, válidas para todos os casos possíveis, possam sêr tiradas de uma amostra específica, um número finito de casos particulares? Não há justificativa lógica para isso. Vamos analisar um exemplo.

Retomemos uma ideia quê aprendemos quando estudamos Lógica: todo homem é mortal. Sócrates é homem. A conclusão lógica dessas duas premissas é quê Sócrates é mortal. Aqui há justificativa lógica para a conclusão. Mas e no caso das conclusões tiradas do método indutivo? Mil cachoorros comeram certa ração e ficaram mais dispostos. Bidu é um cachorro quê nunca comeu essa ração. pôdêmos concluir logicamente quê Bidu ficará mais disposto se comer essa ração? Não. pôdêmos esperar quê isso aconteça, mas a conclusão não tem justificativa lógica, como no exemplo de Sócrates. Por isso, podemos afirmar quê a indução é logicamente injustificável.

Página trezentos e quinze

O neopositivismo

Não há princípio lógico sobre o qual basear uma indução, o quê torna a maior parte do nosso conhecimento, na melhor das hipóteses, apenas provável. Por isso, o problema da indução coloca sérias objeções à ideia de progresso científico como defendida pelo positivismo. Depois dessa corrente, veio o neopositivismo, compôzto de pensadores quê queriam sofisticar e melhorar as teorias do positivismo.

Nomeado Círculo de Viena, o grupo de neopositivistas, fundado em 1922 pelo filósofo e físico alemão Moritz Schlick (1882-1936), esforçou-se para construir o quê foi chamado de empirismo lógico ou positivismo lógico. Esses pensadores queriam unir a Lógica e a Matemática ao empirismo do positivismo (baseado na observação de casos particulares). Isso poderia produzir uma ciência rigorosa. A ciência pensada por eles propunha enunciados quê faziam referência à natureza. Ou seja, não seria possível pensar em enunciados abstratos, como faz a Metafísica, porque eles não se reférem à natureza.

Para solucionar esse problema, eles propunham o critério de verificabilidade. Só poderia sêr científico o quê era demonstrado e verificado na natureza. Dizer “Deus é onipotente” é um enunciado metafísico, não é possível verificar se Deus é mesmo onipotente por meio de exemplos da natureza. Mas dizêr “todo sêr humano é bípede” não é um enunciado metafísico. Ele enuncia uma lei geral quê póde sêr verificada na natureza. Mesmo refinando a noção de ciência do positivismo, o neopositivismo permaneceu adotando a indução como método.

O neopositivismo pretendia utilizar observações empíricas para definir o quê era ou não ciência. O progresso da ciência aconteceria, então, por acúmulo de evidências e por eliminação de discursos quê não remetessem a fatos observáveis e quantificáveis. O austro-britânico káur Popper (1902-1994), um dos mais influentes filósofos da ciência contemporânea, criticou duramente essas pretensões neopositivistas, pois elas viriam da indução, e ele afirmava quê a indução nem sequer existe.

Para ele, o progresso científico não se dá por acúmulo, mas por correção de êêrros, o quê é bem diferente de acumular evidências. Popper ressalta a importânssia de estabelecer um critério para demarcar o quê é ou não é ciência, mas considera quê o mais importante é distinguir entre ciência e pseudociência, ou seja, o quê parece sêr científico, mas não é.

Fotografia em preto e branco de porta dupla, com vidros quadrados e puxadores. Acima da porta, há uma placa.

Entrada do Seminário de Matemática da Universidade de Viena (Áustria), ponto de encontro dos neopositivistas do Círculo de Viena. Fotografia tirada na década de 1960.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

por quê o neopositivismo não poderia verificar enunciados metafísicos?

Para o neopositivismo, tudo quê não poderia sêr verificado d fórma empírica não deveria sêr considerado como ciência, o quê exclui os enunciados metafísicos.

Página trezentos e dezesseis

O falsificacionismo de Popper

Popper propôs a teoria do falsificacionismo, segundo a qual só são científicas as teorias quê podem sêr falsificadas ou falseadas. O quê for impossível de falsificar não póde sêr considerado científico.

Ser infalsificável não significa sêr irracional ou ilógico. Mitos e narrativas religiosas são coerentes e seguem uma lógica própria, tão elaborada quanto a da ciência. Mas a sua racionalidade não é científica, por diversos fatores. Mitos fornecem certezas, em vez de probabilidades de acêrrrto ou êrro. Dogmas religiosos são inquestionáveis. A fé está além ou aquém do rigor experimental necessário à ciência. Por isso, nessas narrativas, é mais comum usar o raciocínio para justificar conclusões do quê para estabelecê-las. Por exemplo, se um mito conta de uma deusa quê era sempre muito boa, os casos contados justificam sua bondade. Na ciência, isso não é suficiente. Dizer quê todo cisne é branco é estabelecer um enunciado. Segundo Popper, esse enunciado póde sêr falsificado.

Fotografia em preto e branco de Karl Popper. Ele é idoso, calvo, usa terno e gravata borboleta e está sorrindo.

O filósofo káur Popper, em cerca de 1982.

Se é impossível comprovar definitivamente uma hipótese, permanéce possível, porém, testar se ela prediz corretamente os fatos. É possível atestar se a experiência confirma ou refuta as consequências da hipótese, isto é, akilo quê ela supõe quê vai acontecer.

Até o século XVII, acreditava-se na Europa quê todos os cisnes eram brancos. Essa crença mudou em 1697, quando exploradores holan-dezes avistaram cisnes negros na costa da Austrália. Esse fato histórico tornou-se um slôgamm do falsificacionismo de Popper: nenhum número de avistamentos de cisnes brancos consegue provar a teoria de quê todos os cisnes são brancos. O avistamento de um só cisne negro póde vir a refutá-la. Há, portanto, um enunciado – todos os cisnes são brancos –, e ele foi falsificado quando testado – pois cisnes negros foram encontrados. Se um enunciado não póde sêr falsificado, ou seja, testado e eventualmente refutado, ele não é científico.

Imagem de cisne.

Cisne negro em um lago, 2023.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Imagine a seguinte situação: um ornitólogo – zoólogo especializado em aves – deseja saber se, de fato, todos os corvos são pretos. Ele conhece o problema da indução, então, não aceita as evidências empíricas acumuladas na sua vida (ele só conhece corvos pretos). cérto dia, ele avista de relance algo quê acredita sêr uma ave da côr branca. Ele supõe quê é uma garça, mas não consegue afirmar com certeza (foi muito rápido, no limite de seu campo de visão). Poderia ter sido um corvo albino, afinal.

a) Supondo quê tenha sido mesmo uma garça branca, ele póde tomar essa observação como evidência para confirmar quê todos os corvos são pretos? Por quê?

a) Não, porque qualquer observação quê não refute diretamente a teoria/hipótese só póde levar à conclusão de quê a teoria/hipótese continua valendo.

b) Proponha outros exemplos com esse tipo de raciocínio.

b) Resposta pessoal. Auxilie os estudantes a pensar em novos exemplos. A discussão póde sêr coletiva.

Página trezentos e dezessete

Dar razão aos fatos

Imagine uma situação em quê há uma conversa entre duas pessoas e você deve decidir em qual delas acreditar. A primeira declara: “choverá ou não choverá aqui amanhã”. A segunda pessoa declara: “choverá amanhã”. Com relação à afirmação da primeira pessoa, não é preciso esperar o dia seguinte para decidir acreditar no quê foi dito.

Quem diz quê choverá ou não choverá não está dizendo algo quê é falso ou vêrdadeiro (afinal, se amanhã vai chover ou não vai chover, ninguém precisa verificar se choveu de fato). No caso da afirmação da segunda pessoa, é preciso esperar e ver se de fato choverá. Uma proposição dessa natureza póde sêr facilmente falseada. Basta não chover. Pense na meteorologia; se a previsão para amanhã é de dia ensolarado, e amanhece nublado, podemos dizêr quê a afirmação sobre o tempo ensolarado era falsa.

Você aprendeu sobre raciocínios possíveis e formas de argumento nos capítulos 6 e 7. A primeira proposição (“choverá ou não choverá amanhã”) é vaga; suas condições de verdade são indeterminadas. A segunda, não. Embora não traga certeza alguma, ela indica a possibilidade de sêr refutada pela experiência: basta não chover para quê ela seja considerada falsa. Por isso, a segunda proposição póde sêr considerada científica.

Tirinha do Garfield em três quadros. Q1: Garfield está sentado em uma poltrona, assistindo televisão com expressão de tédio. O programa televisivo anuncia: 'Agora a previsão do tempo para amanhã...'. Q2: Garfield continua com a mesma expressão. O programa informa: 'A temperatura máxima estará entre 10 abaixo de zero e 50 acima!'. Q3: sorrindo, Garfield pensa: 'Esse cara nunca erra...'.

DAVIS, Dim. [Agora a previsão do tempo para amanhã...]. In: RAMALHO JUNIOR, Francisco; FERRARO, Nicolau Gilberto; SOARES, Paulo Antônio de Toledo. Os fundamentos da Física. 12. ed. São Paulo: Moderna, 2022. v. 2, p. 30. A tirinha de gárfild ironiza o problema do falseamento na previsão do tempo ao apresentar um enunciado suficientemente vago para dificilmente sêr refutado pela experiência.

O falsificacionismo de Popper ressalta uma característica essencial da ciência: a pesquisa científica dá razão aos fatos, não às crenças individuais. Em uma verdadeira investigação científica, tudo póde e deve sêr considerado aberto à dúvida, não há verdades absolutas e fatos definitivos. Como a ciência é feita por muitas pessoas ao mesmo tempo, a objetividade e o pensamento crítico são consequência.

O falsificacionismo já foi criticado pelas mesmas razões quê levaram Popper a criticar o positivismo: o falsificacionista reduz observações, fatos e critérios de evidências apenas ao desenvolvimento lógico das teorias. O problema dessa redução é quê a teoria científica não se relaciona com a experiência apenas pela lógica. A grande crítica a Popper veio de um filósofo quê percebeu outros elemêntos quê compunham a ciência e a pesquisa dos cientistas, como estudaremos a seguir.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Com base no quê você leu, escrêeva duas proposições. Uma delas deve ter condições de verdade indeterminadas. A outra deve pôdêr sêr refutada.

Resposta pessoal. É importante quê a primeira proposição siga o modelo “ou, ou”: “ou vai chover ou não vai chover”. Já a segunda deve afirmar algo a respeito da realidade, podendo sêr refutada.

Página trezentos e dezoito

Os cientistas e seus diferentes valores

Toda proposição científica carrega pressuposições.

Uma proposição simples, como “em condições normais de tempera-túra e pressão, a á gua férve a 100 graus Celsius”, pressupõe muitos fatores: leitores alfabetizados na língua portuguesa; conhecimento da á gua; do calor; do sistema decimal etc. Por isso, até as afirmações quê fazemos sobre as evidências dependem de suposições quê não são evidentes.

Para confirmar ou refutar proposições científicas, como defendeu Popper, devemos levar em conta outros valores quê influenciam esse processo. Esse ponto foi levantado pelo crítico mais famoso das ideias de Popper, o físico e filósofo estadunidense Tômas Kuhn (1922-1996).

Fotografia em preto e branco de Thomas Kuhn. Ele é branco, calvo e usa óculos, camisa, gravata e paletó.

O filósofo estadunidense Tômas Kuhn, 1973.

Para Kuhn, se considerarmos a história da ciência, concluiremos quê a ideia de progresso inevitável da ciência segundo métodos lógicos definidos não se sustenta. Isso não quer dizêr quê a ciência é irracional. Mas é um êrro pensar quê, independentemente de época e lugar, todos os cientistas usariam a mesma metodologia. A ciência não póde sêr desvinculada dos contextos sócio-culturais em quê os cientistas vivem. É fundamental, então, reconhecer quê é impossível refutar uma teoria científica com os critérios de outra.

Em 1962, Kuhn publicou A estrutura das revoluções científicas. Nessa obra, ele apresenta um modelo completamente diferente de progresso científico, no qual há uma transição da pré-ciência, passando pela ciência normal, até a revolução, quê é a reorganização do conhecimento. Esse processo não é um ciclo fechado, mas contínuo e inacabado. Ou seja: nunca há um momento em quê a ciência se desen vólve ao ponto de criar teorias prontas e imutáveis. Os avanços da ciência são feitos porque existe seu inacabamento.

Imagem de três barras entrelaçadas, formando o desenho de um triângulo.

O triângulo de Penrose, uma ilusão de óptica popularizada pelo matemático e físico britânico róger Penrose (1931-), em 1958. O artista sueco Óscar Reutersvärd (1915-2002) é considerado o criador dessa figura, mas ele não chegou a divulgá-la antes de Penrose.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Observe a imagem. O quê você vê? Como você póde relacionar a imagem com a questão das evidências e teorias em ciência?

Objetos impossíveis apresentam um problema: nem sempre as evidências bastam para decidir a teoria. Ao contrário, dependendo da perspectiva, a maneira como as vemos muda completamente.

Página trezentos e dezenove

Incomensurabilidade e limites do conhecimento

Observe o diagrama.

Diagrama das revoluções científicas. Setas interligam os seguintes fatores, nessa ordem: pré-ciência, falta de paradigma, ciência normal, paradigma/matriz disciplinar, crise, anomalias, revolução científica/mudança de paradigma, ciência normal.

Elaborado com base nos conceitos de: KUHN, Tômas. A estrutura das revoluções científicas. Tradução: Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 12. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013.

Modelo de Tômas Kuhn para as revoluções científicas.

Para Kuhn, a ciência avança por mudança de paradigma, o quê instaura um novo padrão de ciência normal, e o processo recomeça.

A pré-ciência acontece antes quê uma agenda de pesquisa seja definida, quando não há acôr-do sobre o quê, como e por quê investigar. Diferentes interpretações, diferentes fenômenos, diferentes pressuposições contextuais coexistem, e nenhum progresso cognitivo acontece.

Com o tempo, grupos de pesquisadores se formam, partilhando entendimentos sobre alguns fenômenos. Assim, mesmo quê não exista uma interpretação universalmente aceita, aos poucos se consolida uma perspectiva teórica, quê passa a ganhar maior aceitação até quê uma ampla comunidade de pesquisadores independentes se forma, como se fossem uma orquestra: cada um segue uma partitura, mas a música e a regência são uma só. Essa é a fase da ciência normal, o quê realmente é a pesquisa durante a maior parte do tempo.

Épocas de ciência normal são dominadas por um paradigma, uma matriz disciplinar, ou seja, um modelo para fazer e ensinar ciência com o qual a comunidade de investigadores concórda. Ao adotar um paradigma, a comunidade científica aceita cértas pressuposições quê possibilitam explicações para os fenômenos. A pesquisa então avança, problemas são resolvidos, êêrros são corrigidos e o conhecimento é transmitido.

Nesse período, não há própriamente descobertas, mas, com o tempo, as observações trazem problemas quê o paradigma não consegue solucionar. São as anomalias, observações e fenômenos sem explicação quê, acumulados durante o tempo, precipitam uma crise. Então, o paradigma precisa sêr modificado. É o tempo da revolução.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Na ciência normal, conforme a descrição de Kuhn, os cientistas pensam todos da mesma forma? Justifique sua resposta com base no quê você aprendeu.

Não necessariamente. Existe um paradigma dominante nas pesquisas científicas, mas não significa quê não existam cientistas quê defendem outros paradigmas. Tais paradigmas não fazem parte do consenso aceito pela comunidade de investigadores.

Página trezentos e vinte

Mudança de paradigma

Uma mudança de paradigma é uma mudança de parâmetros, ou seja, dos critérios partilhados socialmente quê permitem dar sentido aos fatos. De tempos em tempos, revoluções científicas interrompem o progresso do conhecimento, exigindo transformações metodológicas radicais.

Revoluções são diferentes de reformas. As reformas são processos internos controlados e previsíveis, mas quê não mudam o paradigma. As revoluções são impostas por fatores incontroláveis e alteram a própria maneira como as comunidades científicas funcionam.

Kuhn acreditava quê as revoluções tornam os paradigmas de conhecimento incomensuráveis. Pense na Física de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) e na Física de Isaac níltom (1642-1727). É impossível comparar as duas, pois são dois paradigmas distintos. Já o sistema aristotélico e o sistema ptolomaico compartilham do mesmo paradigma (a Terra no centro do Universo) e podem sêr comparados.

Mas seriam os paradigmas assim tão diferentes quê até mesmo a comunicação entre cientistas se torna impossível?

Para Kuhn, assim como na política, a ciência não progride porque um indivíduo genial fez algo de extraordinário, mas porque a comunidade trabalha em conjunto.

Popper acreditava quê a objetividade científica é resultado do fato de muitas pessoas pesquisarem simultaneamente. Porém, para ele, o progresso da ciência diminuiria ou mesmo eliminaria a influência de fatores subjetivos ou extracientíficos na produção do conhecimento.

Kuhn não concordava. Para ele, a escolha entre um paradigma em crise e outro revolucionário não póde sêr feita apenas segundo as normas e os padrões da ciência normal. Os métodos científicos podem reduzir o impacto de nossa subjetividade, mas jamais a eliminar. Se a racionalidade científica é construída por um processo coletivo de auto crítica, isso só evidên-cía o quanto a ciência está sujeita a elemêntos quê são externos a ela. Cientistas são pessoas com valores, crenças e preconceitos como quaisquer outras.

incomensurável
: sem medida, akilo quê, por sua grandeza e importânssia, não póde sêr medido.

Gravura que representa Isaac Newton encaixando um prisma no orifício de uma porta. A luz externa passa através do prisma e incide no encosto de uma cadeira, projetando nele as cores do arco-íris. Ao lado da cadeira, há um microscópio, folhas de papel, pena e tinteiro sobre uma mesa.

[DISPERSÃO da luz solar através de um prisma. ca. 1666]. Gravura em madeira. Representação, de altoría desconhecida, de uma experiência conduzida por Isaac níltom.

As investigações de níltom a respeito da natureza promoveram uma ruptura fundamental com o paradigma quê marcava o pensamento científico desde a Antigüidade.

Página trezentos e vinte e um

Infográfico clicável: Frankenstein.

A ciência não é diferente de outras atividades humanas. Ela se relaciona com nóssos conhecimentos tradicionais, aqueles quê aprendemos onde nascemos e quê são compostos de valores morais, religiosos, sociais etc. Para Kuhn, há certos valores quê os cientistas prezam para decidir qual hipótese deve sêr preferida. Os valores relacionam-se ao quê almejamos realizar, e não a algoritmos exatos para decidir entre a verdade e a falsidade. Toda a realidade é permeada de valores quê estão incorporados nas nossas práticas e ações como ideais quê nos orientam e nem sempre estão totalmente de acôr-do com outras crenças. E essa realidade cerca todas as pessoas, inclusive cientistas.

Imagem de pessoa segurando uma carta de tarô. A carta contém a figura de um homem pendurado de cabeça para baixo. Sob a mão da pessoa, há cinco cartas dispostas sobre uma mesa. À direita, há um gato preto ao lado do restante do baralho.

Pessoa faz leitura de tarô. Fotografia de 2021.

No cotidiano, é possível identificar crenças e valores quê não correspondem aos modelos paradigmáticos presentes nas diversas ciências.

As críticas de Kuhn pretendiam combater a imagem exageradamente positivista de ciência, segundo a qual nós, no mundo contemporâneo, seríamos mais evoluídos do quê nóssos antepassados primitivos por controlar mais a natureza e ter mais conhecimentos. Da perspectiva de Kuhn, isso é uma ilusão.

Kuhn recebeu várias críticas: sua teoria seria, no fundo, relativista e faria da ciência uma atividade irracional. O filósofo rebateu essas críticas. Para ele, uma coisa é afirmar quê a escolha de paradigmas e explicações científicas, como todas as nossas escôlhas racionais, é influenciada por muitos tipos de juízos. Outra bem diferente, e mesmo perigosa, é sustentar quê a escolha de paradigmas e matrizes disciplinares é em si irracional e quê, por isso, o conhecimento científico vale tanto quanto qualquer opinião.

Para Kuhn, há pelo menos duas distinções quê devem sêr feitas quando falamos em objetividade científica e quê nos ajudam a entender por quê a ciência não é irracional. Primeiro, valores como simplicidade, consistência e conformidade à experiência são usados para avaliar teorias científicas. Segundo, cientistas avaliam até quê ponto esses valores são importantes para cada teoria ou hipótese, comparando-as entre si.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Pense no seu cotidiano. escrêeva dois exemplos de crenças e valores da sua cultura quê não se relacionam com o quê você estuda nas aulas de Física, Química, Matemática, Biologia etc.

Resposta pessoal. Os estudantes podem apontar exemplos variados de crenças e valores quê não sêjam aceitos pêlos paradigmas científicos, como a crença em astrologia, dogmas das religiões etc.

Página trezentos e vinte e dois

Epistemologia feminista

A partir dos anos 1980, muitas filósofas feministas começaram a chamar a atenção para um conjunto grande de valores quê influenciam a pesquisa científica. A filósofa estadunidense Helen Longino (1944-) argumenta quê há valores sociais quê privilegiam perspectivas masculinas em detrimento de femininas. Claro quê um algoritmo ou uma equação matemática não são sexistas, mas a maneira de dividir o trabalho em um laboratório ou centro de pesquisa são. A prática científica foi, e ainda é, permeada por machismo.

Fotografia em preto e branco de Marie Curie. Ela é branca, está com o cabelo preso e usa blusa estampada e casaco.

A cientista polonesa Marie Curie, em fotografia tirada por volta de 1920.

A cientista Marie Curie (1867-1934), pioneira no estudo da radioatividade e duas vezes vencedora do prêmio Nobél, sofreu grande discriminação durante sua vida. No início de sua carreira, por exemplo, ela precisou abandonar seu país natal, a Polônia, para estudar na França. Nessa época, as universidades polonesas não aceitavam estudantes mulheres.

Em 2020, um grupo de pesquisadoras dos Estados Unidos publicou um artigo em favor de mais diversidade na ciência com base em um estudo de Ornitologia, a ciência quê estuda as aves. Sempre foi crença comum quê o canto das aves era predominantemente um comportamento dos machos para atrair as fêmeas no período de acasalamento. As fêmeas quê cantavam eram raras ou atípicas. As pesquisadoras descobriram quê isso não era verdade, pois apenas em cértas espécies só os machos cantam, principalmente as do Hemisfério Norte. As cientistas atribuem a tese equivocada ao fato de quê apenas recentemente, a partir dos anos 2000, a Ornitologia passou a ter mais mulheres cientistas. A partir de então, o canto das aves passou a sêr estudado mais seriamente, pois foram as cientistas quê se interessaram pelo tema, e novas descobertas foram realizadas a respeito do canto das fêmeas.

Saiba mais

Vídeo. PONTO de mutação. Direção: Bernt Capra. Estados Unidos: [s. n.], 1990. dê vê dê (112 min). O filme retrata o encontro de um político, uma cientista e um poeta. Eles debatem temas atuáis e dilemas prementes relativos à ecologia, à sustentabilidade, à relação da ciência com outros saberes e às nossas responsabilidades com as gerações do futuro.

Áudio. #PODCAST Mais mulheres e meninas na ciência. Brasília, DF: Fiocruz Brasília, 2021. Disponível em: https://livro.pw/ioktl. Acesso em: 5 out. 2024. Os episódios dêêsse podcast contam a trajetória de pesquisadoras em diferentes áreas de conhecimento, os desafios quê enfrentaram na carreira, além de descobertas e feitos quê contribuíram para a história da ciência.

Página trezentos e vinte e três

PERSPECTIVAS

O texto a seguir é um fragmento do livro A tensão essencial, publicado originalmente em 1977, de Tômas Kuhn. No trecho, ele enumera aspectos necessários para uma boa teoria científica.

Pergunto, antes de tudo: quais são as características de uma boa teoria científica? Selecionei cinco dentre uma variedade de respostas bastante comuns, não porque sêjam as mais abrangentes, mas porque são individualmente importantes e, do ponto de vista coletivo, suficientemente variadas para indicar o quê está em questão. Primeiro, uma teoria deve se conformar com precisão à experiência: em seu domínio, as consequências dedutíveis da teoria devem estar em clara concordância com os resultados da experimentação e da observação existentes. Segundo, uma teoria deve sêr consistente, não apenas intérnamente ou autoconsistente, mas também com outras teorias correntes aplicáveis a aspectos da natureza quê lhe são afins. Terceiro, ela deve ter uma extensa abrangência; em particular, as consequências da teoria devem ir muito além das observações, leis ou subteorias particulares cuja explicação motivou sua formulação. Quarto, e fortemente relacionado, ela deve sêr simples, levando ordem a fenômenos quê, em sua ausência, permaneceriam individualmente isolados e coletivamente confusos. Quinto – um item um pouco incomum, mas de importânssia crucial para as decisões científicas efetivas –, uma teoria deve sêr fértil em novos achados de pesquisa, deve abrir portas para novos fenômenos ou a relações antes ignoradas entre fenômenos já conhecidos.

KUHN, Tômas. A tensão essencial. Lisboa: Biblioteca de Filosofia Contemporânea: Edições 70, 2011. p. 341.

Imagem de fórmulas, gráficos, esquemas e modelos científicos.

Exemplos de demonstrações de múltiplas teorias científicas, de diversas áreas do conhecimento.

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. Identifique no texto de Kuhn onde aparece a relação entre a dedução, a indução e a hipótese.

1. Dedução: consequências dedutíveis; consistente intérnamente ou autoconsistente. Indução: se conformar com precisão à experiência; extensa abrangência; levando ordem a fenômenos quê, em sua ausência, permaneceriam individualmente isolados e coletivamente confusos; relações antes ignoradas entre fenômenos já conhecidos. Hipótese: explicação motivou sua formulação; fértil em novos achados de pesquisa; abrir portas para novos fenômenos.

2. De acôr-do com o texto, uma teoria científica é considerada boa quando ela possibilita “novos achados de pesquisa”, abrindo as portas para o estudo de novos fenômenos e de relações ignoradas até então entre fenômenos já estudados. Em sua opinião, por quê esse é considerado um critério importante por Kuhn para avaliar o valor de uma teoria científica? Justifique.

2. Resposta pessoal. É importante quê o estudante obissérve quê uma teoria científica quê ábri novas possibilidades de estudo revela uma compreensão mais ampla da realidade, o quê é fundamental para a pesquisa científica.

3. Redija um texto argumentativo-dissertativo para problematizar a seguinte questão: como podemos entender a relação entre aumento de informação e melhoria do conhecimento no progresso científico?

3. Produção pessoal. É importante quê os estudantes construam argumentos mobilizando as informações discutidas, especialmente as ideias elaboradas por Popper e Kuhn.

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CONEXÕES com...
SOCIOLOGIA e HISTÓRIA
Mulheres nas universidades do século XIX

O texto a seguir analisa o contexto universitário no qual Marie Curie estava inserida entre o final do século XIX e o início do século XX.

[…] até a virada do século XIX para o século XX, a presença de mulheres em todas as universidades francesas era baixa, nunca ultrapassando 3% do número total de estudantes […]. Nesse pequeno grupo, a maioria das estudantes integrava os cursos de humanidades […]. Os estudantes quê procuravam os cursos de ciência, em geral, seguiam os estudos até o doutorado e […] pouquíssimas mulheres permaneciam tanto tempo na Universidade e longe da esféra privada […].

Tal porcentagem estudantil feminina era composta, em grande parte, por estrangeiras, quê vieram à França em busca de uma educação universitária, inacessível em seu país, ou atraídas pelo prestígio da metrópole cultural […]. Maria Sklodowska foi uma dessas estudantes estrangeiras, ela fazia parte de um grupo de 23 mulheres dentre dois mil estudantes matriculados na Faculdade de Ciências da Universidade de Paris-Sorbonne, em 1891 […].

[…]

Imagem de edifício de dois pavimentos, com colunas, arcos, esculturas e frontão na fachada. O topo contém uma cúpula e a área em frente ao edifício é arborizada.

Universidade de Paris-Sorbonne, em Paris (França), 2023.

[…] Embora, a partir de 1800, o ensino secundário fosse gratuito para as meninas e o ensino superior oferecesse bolsas de estudo para franceses e estrangeiros, ingressar no ensino superior exigia cértas condições materiais, como os custos relacionados à migração e moradia. Dessa forma, podemos destacar quê o fato de Marie Curie obtêr uma bolsa de estudos foi fundamental para quê completasse uma segunda graduação em Matemática […]

[…]

[…] No contexto em quê a Faculdade de Ciências de Paris-Sorbonne formava estudantes, quê eram em maioria homens de classes sociais abastadas, Marie Curie tornou-se a primeira mulher a obtêr um doutorado na Paris-Sorbonne. […]

EL JAMAL, Natasha Obeid; GUERRA, Andreia. O caso Marie Curie pela lente da história cultural da ciência: discutindo relações entre mulheres, ciência e patriarcado na educação em ciências. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 24, p. e35963, 2022. Disponível em: https://livro.pw/aygim. Acesso em: 5 out. 2024. p. 8-9.

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. De acôr-do com o texto, como era a participação feminina nas universidades francesas no final do século XIX?

1. A presença de mulheres era baixa, nunca ultrapassando 3% do número total de estudantes. Além díssu, a maioria das estudantes integrava os cursos de humanidades e enfrentava dificuldades para chegar até o doutorado.

2. Quais eram as principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres quê desejavam concluir cursos superiores no final do século XIX?

2. A ssossiedade esperava quê as mulheres se ocupassem de atividades da esféra privada. Além díssu, os custos para se manter no ensino superior eram elevados e exigiam condições materiais que nêm todas as mulheres tí-nhão.

3. Com base no quê você estudou ao longo do capítulo, a menor participação feminina nas pesquisas científicas no final do século XIX impactou o processo de elaboração de teorias científicas? Justifique.

3. Espera-se quê os estudantes retomem a questão das epistemologias feministas e obissérvem quê os valores machistas impactaram o processo de elaboração de teorias científicas.

4. Pesquise informações a respeito da participação feminina nos estudos científicos no Brasil de hoje. A situação atual é semelhante ou diferente daquela encontrada no final do século XIX na França? Justifique.

4. A proposta da atividade é promover um diálogo com Sociologia, analisando dados estatísticos a respeito da participação feminina na pesquisa universitária e na pesquisa científica d fórma mais ampla.

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RECAPITULE

Ao longo do capítulo, você refletiu sobre o processo de construção das teorias científicas, entendendo a maneira como filósofos analisaram criticamente o trabalho de pesquisa e elaboração de teorias científicas.

Em primeiro lugar, você pôdi entender o impacto de fatores não científicos e como valores sociais excludentes podem marcar a pesquisa e a reflekção de cientistas. Com isso, a própria maneira como os pesquisadores refletem sobre o mundo é marcada por crenças, tradições e côstúmes, exigindo uma crítica constante dos métodos e do fazer científico.

Em seguida, você refletiu sobre o positivismo e o problema da indução. Entendeu como a indução é logicamente insustentável e observou como o movimento neopositivista tentou criar uma ciência rigorosa, capaz de enfrentar o critério de verificabilidade.

Gravura representando máquinas. Ao centro, um homem utiliza um telégrafo. Atrás dele, um indivíduo ergue um martelo contra uma tábua, disposta sobre uma mesa. Perto dele, homens operam uma prensa. A porta do ambiente está aberta e mostra a paisagem externa, na qual uma locomotiva se desloca no litoral. No mar, há dois navios a vapor.

CURRIER ênd IVES. O progresso do século. 1876. Litografia. Ilustração quê destaca a ideia de progresso, associada ao pensamento positivista.

Depois, você analisou as críticas formuladas por káur Popper às pretensões neopositivistas e sua preocupação em delimitar d fórma clara o quê é ciência e o quê é pseudociência. Para isso, ele formulou a teoria do falsificacionismo, afirmando quê apenas são ciências aquelas teorias quê podem sêr falsificadas, ou seja, quê podem sêr testadas pela experiência.

Em seguida, você analisou as ideias de Tômas Kuhn, especialmente a maneira como esse filósofo pensou o problema da transição das teorias científicas. Para Kuhn, as ciências são produzidas em contextos sócio-culturais precisos, não podendo sêr entendidas fora deles.

O avanço da ciência, para Kuhn, se dá com mudanças de paradigmas propiciadas pela constante observação de fenômenos da realidade. Uma revolução implica uma mudança incomensurável do conhecimento, abrindo caminho para a formulação de novos paradigmas.

Finalmente, você analisou a importânssia de criticar as epistemologias dominantes em nossa ssossiedade, abrindo caminho para novas epistemologias, como a feminista.

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ATIVIDADES FINAIS

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. O texto a seguir é um fragmento de uma apresentação de káur Popper.

Admito quê a qualquer momento somos prisioneiros apanhados no referencial das nossas teorias; das nossas expectativas; das nossas experiências passadas; da nossa linguagem. Mas somos prisioneiros num sentido pickwickiano; se o tentarmos, poderemos sair de nosso referencial a qualquer momento. É verdade quê tornaremos a encontrar-nos em outro referencial, mas êste será melhor e mais espaçoso; e poderemos, a qualquer momento, deixá-lo também.

POPPER, káur. A ciência normal e seus perigos. In: LAKATOS, Imre; MUSGRAVE, élam (org.). A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. Tradução: Octavio Mendes Cajado. São Paulo: cúltriks, 1979. p. 63-71. p. 69.

pickwickiano
: alusão à personagem Mr. Pickwick, de xárlês Dickens (1812-1870).

Ilustração representando Mister Pickwick. Ele é branco, calvo, obeso, usa botas, calça, colete, sobretudo e óculos, está com um relógio de bolso e segura uma taça.

KYD. Mr. Pickwick. 1889. Aquarela. A ilustração faz parte da obra The Pickwick papers, de xárlês Dickens, publicada originalmente em 1836.

A personagem protagonista de The Pickwick papers (no Brasil, foi publicado como As aventuras do Sr. Pickwick), Samuel Pickwick, é um empresário bem-sucedido de temperamento passivo, leal e inocente. Sua simplicidade quase infantil o faz sêr freqüentemente enganado por vigaristas.

a) Explique por quê Popper afirma quê somos prisioneiros de nossas teorias.

1. a) Popper afirma quê nossas teorias delimitam a maneira como entendemos o mundo, possibilitando a expressão de nóssos conhecimentos. Nessa perspectiva, não poderíamos elaborar conhecimentos quê estejam além das teorias quê possuímos.

b) De quê maneira a perspectiva defendida por Kuhn se diferencia daquela proposta por Popper nesse fragmento?

1. b) A passagem de uma teoria para outra ocorre segundo a lógica das revoluções científicas, quê, segundo Kuhn, é a forma de se criar um novo paradigma.

2. Leia o texto a seguir e responda ao quê se pede.

Os corpos das mulheres têm sido considerados um desvio da norma masculina, afirmam [as professoras Eulalia péres e Silvia García], e os resultados da pesquisa médica realizada entre homens são aplicados mais tarde nas mulheres, ‘mesmo se os resultados para as mulheres no diagnóstico, prevenção e tratamento não tênham sido estudados adequadamente’. Durante anos, as mulheres foram sistematicamente excluídas dos ensaios clínicos de novos medicamentos: até 1988, os testes da agência estatal dos Estados Unidos só incluíam homens; portanto, não se sabia se provocariam efeitos colaterais desconhecidos para elas (ou se seriam descobertos remédios quê fossem mais eficazes para as mulheres). Atualmente ainda existem grandes lacunas no conhecimento específico sobre a saúde das mulheres, e estas continuam sêndo minoria (ou inexistentes) em numerosos estudos de biomedicina.

SALAS, raviér. A ciência quê discrimina as mulheres. El País, [Madrid], 8 mar. 2017. Disponível em: https://livro.pw/rkapz. Acesso em: 5 out. 2024.

Ilustração representando 10 homens e duas mulheres em 12 tubos de ensaio.

MIRADA ESTÚDIO CRIATIVO. [Sem título]. In: lópes, Larissa. Como a histórica falta de mulheres em ensaios clínicos afeta a saúde delas. Galileu, [s. l.], 8 mar. 2022. Ilustração quê representa a proporção menor de organismos femininos nos testes clínicos da indústria farmacêutica.

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a) De acôr-do com o texto, como o corpo das mulheres foi entendido pelas ciências médicas ao longo do tempo?

2. a) O texto afirma quê o corpo feminino foi considerado como um desvio da norma masculina. Muitas vezes, as mulheres foram excluídas de ensaios clínicos realizados para o desenvolvimento de medicamentos.

b) A situação descrita no texto modificou-se no presente? Justifique.

2. b) De acôr-do com o texto, ainda quê tênham ocorrido mudanças, atualmente permanecem grandes lacunas nos conhecimentos a respeito da saúde das mulheres.

c) Com base no texto, é possível afirmar quê a produção do conhecimento científico está isenta de valores sociais e é orientada d fórma neutra? Justifique.

2. c) O texto evidên-cía o fato de quê muitas pesquisas científicas são marcadas por valores sociais, como o machismo, produzindo um conhecimento quê não póde sêr classificado de neutro ou isento.

3. (Unesp – 2020)

Diariamente somos inundados por inúmeras promessas de curas milagrosas, métodos de leitura ultrarrápidos, dietas infalíveis, riqueza sem esfôrço. Basta abrir o jornál, vêr televisão, escutar o rádio, ou simplesmente abrir a caixa de correio eletrônico. A grande maioria dêêsses milagres cotidianos é vestida com alguma roupagem científica: linguagem um pouco mais rebuscada, aparente comprovação experimental, depoimentos de ‘renomados’ pesquisadores, utilização em grandes universidades. São casos típicos do quê se costuma definir como ‘pseudociência’.

(Marcelo Knobel. “Ciência e pseudociência”. In: Física na escola, vol. 9, no 1, 2008.)

Pode-se elaborar a crítica filosófica aos conhecimentos pseudocientíficos por meio

a) da imposição de novos sistemas ideológicos.

b) da confiança em teorias fundamentadas no senso comum.

c) da ampla divulgação de ideias individuais.

d) da preservação de saberes populares.

e) da demonstração de ausência de evidências empíricas.

Resposta: e.

4. (UEL-PR – 2020) Leia o texto a seguir.

Esta é uma concepção de ciência quê considera a abordagem crítica sua característica mais importante. Para avaliar uma teoria o cientista deve indagar se póde sêr criticada – se se expõe a críticas de todos os tipos e, em caso afirmativo, se resiste a essas críticas.

POPPER, káur. Conjecturas e refutações. Trad. Sérgio Bath. Brasília: UNB, 1982. p. 284.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a filosofia de Popper, assinale a alternativa correta.

a) A concepção de ciência da qual fala Popper é aquela quê possui o princípio de verificabilidade, com proposições rigorosas quê procuram corrigir as teorias científicas.

b) A ciência busca alcançar o conhecimento de tipo essencial, pois ele garante a verdade de uma teoria científica, permitindo o desenvolvimento em direção à verdade objetiva visada pela ciência.

c) Uma teoria científica é verdadeira se suas proposições são empiricamente falsificáveis via testes, permitindo quê sêjam autocorrigidas e desenvolvidas na direção de uma verdade objetiva.

d) Os testes empíricos nas ciências humanas, tais como psicologia e sociologia, visam confirmar seu valor de cientificidade, pois suas teorias são falsificáveis.

e) A concepção de ciência quê Popper sustenta é a passivista ou receptacular, na qual as teorias científicas são elaboradas por meio dos sentidos e o êrro surge ao interferirmos nos dados obtidos na experiência.

Resposta: c.

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