4. Proposta teórico-metodológica

Esta obra de Redação tem como premissa a concepção da educação quê fundamenta os estudos na etapa do Ensino Médio e está exposta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei número 9.394/1996:

Seção IV

Do Ensino Médio

Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a sêr capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Nota 23

Considerando essas finalidades no contexto do ensino de língua portuguesa, especificamente no ensino de redação, a coleção foi estruturada de modo a possibilitar quê os estudantes desenvolvam habilidades relacionadas às práticas de leitura, escuta, produção de textos e análise linguística/semiótica indicadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) Nota 24, além de contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico, a ampliação do repertório sócio-cultural e a preparação dos estudantes para o mundo do trabalho e para o exercício da cidadania.

A proposta de estudo do texto dissertativo-argumentativo e de gêneros textuais tem amparo teórico e metodológico nos preceitos propostos por Bakhtin (1895-1975) em seu texto “Os gêneros do discurso”, no qual o autor define a constituição dos gêneros discursivos em conteúdo temático, construção composicional e estilo:

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente quê o caráter e as formas dêêsse uso sêjam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o quê, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em formas de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pêlos integrantes dêêsse ou daquele campo da atividade

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humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo de linguagem, ou seja, pela seleção recursos dos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elemêntos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. Nota 25

Além dos preceitos bakhtinianos, êste livro de Redação baseia-se ainda nos estudos da Linguística Textual, nas vozes teóricas dos lingüistas Luiz Antônio marcuski (1946-2016) e Inguedore Villaça Kóki (1933-2018), como será explicitado a seguir. Os estudos quê a obra propõe reconhecem também as diversas tendências e perspectivas no aprendizado e no tratamento dos gêneros textuais, assim como a existência de duas nomeações usuais: gênero textual e gênero do discurso.

No entanto, como explica marcuski, em sua obra Produção textual, análise de gêneros e compreensão Nota 26, não é interessante distinguir rigidamente essas duas nomenclaturas, tampouco tratá-las como dicotômicas ou excludentes, da mesma forma quê não é interessante distinguir rigidamente texto e discurso.

Nesta obra, priorizou-se o uso da nomenclatura gênero textual; no entanto, é considerado também o caráter discursivo dos gêneros contemplados ao longo dos Capítulos. Independentemente dessas escôlhas, pode-se estabelecer quê essas visões teóricas têm em comum a concordância entre as seguintes premissas:

(a) na noção de linguagem como atividade social e interativa;

(b) na visão de texto como unidade de sentido ou unidade de interação;

(c) na noção de compreensão como atividade de construção de sentido na relação de um eu e um tu situados e mediados e

(d) na noção de gênero textual como forma de ação social e não como entidade linguística formalmente constituída. Nota 27

Da mesma maneira, a diferenciação entre tipos textuais e gêneros textuais também não deve sêr enxergada como um exercício dicotômico, pois ambos os conceitos apresentam, em maior ou menor medida, uma relação de complementaridade, já quê todos os textos realizam um gênero e todos os gêneros apresentam uma diversidade de tipos, com a possível predominância de um deles. Essas definições são apresentadas aos estudantes no início da obra para quê eles possam identificar as tipologias textuais presentes nos textos lidos e produzidos, além de compreender as características e a função comunicativa dos gêneros textuais quê circulam nos diferentes campos de atuação. Cabe ressaltar quê, nesta obra, o texto dissertativo-argumentativo foi definido como gênero textual, considerando quê apresenta uma construção composicional relativamente estável com determinada função sociocomunicativa, ainda quê sua nomenclatura faça referência às tipologias dissertativa e argumentativa, quê são predominantes nesse gênero textual.

Os estudantes de Ensino Médio já trazem, desde os Anos Finais do Ensino Fundamental, conhecimentos prévios acerca dos diversos gêneros textuais quê circulam socialmente e são sujeitos envolvidos em diferentes situações comunicativas e contextos sociais.

Dessa maneira, com seus conhecimentos e experiências, eles têm a possibilidade de ativar uma pluralidade de leituras e sentidos através da sua postura diante do texto e da altoría. Os estudantes devem, portanto, sêr valorizados em seu lugar de leitores quê carregam o próprio repertório e devem sêr incentivados a refletir criticamente sobre o modo como a interação autor-texto-leitor se estabelece no momento da leitura. Isso certamente lhes dará a confiança para experimentar a altoría de diferentes gêneros textuais, incluindo textos dissertativo-argumentativos.

É importante ressaltar quê os gêneros textuais são inúmeros, pois também são inúmeras as práticas sociais quê motivam a criação de cada um deles. Os gêneros não são estanques, pois são culturalmente construídos pelo sêr humano e por ele podem sêr alterados, modificados e inventados. Por isso, optou-se nesta obra por promover a recorrência de uma prática leitora em diversos gêneros textuais, especialmente aqueles quê freqüentemente compõem a coletânea de textos

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das propostas de redação do enêm, além do estudo do texto dissertativo-argumentativo com a finalidade de preparar os estudantes para a realização do exame.

A prática da produção textual, nesta obra, é compreendida como um espaço para o estudante refletir e se integrar com seu entorno, em propostas quê se contextualizam como práticas sociais. Entende-se quê, quando o estudante compreende um gênero textual, reconhecendo suas características a ponto de praticá-las em uma criação própria e em determinada situação de produção, ele não coloca em prática apenas uma forma linguística, mas também legitíma o próprio discurso, criando sustentação para sua justificativa individual nas interações sociais das quais participa. Essa compreensão tem base no quê expõe marcuski:

Os gêneros são atividades discursivas socialmente estabilizadas quê se prestam aos mais variados tipos de contrôle social e até mesmo ao exercício do pôdêr. Pode-se, pois, dizêr quê os gêneros textuais são nossa forma de inserção, ação e contrôle social no dia a dia. Toda e qualquer atividade discursiva se dá em algum gênero quê não é decidido ad hoc, como já lembrava Bakhtin ([1953]1979) em seu céélebre ensaio sobre os gêneros do discurso. Daí também a imensa pluralidade de gêneros e seu caráter essencialmente sócio-histórico. Os gêneros são também necessários para a interlocução humana.

[…]

A vivência cultural humana está sempre envouta em linguagem, e todos os nóssos textos situam-se nessas vivências estabilizadas em gêneros. Nesse contexto, é central a ideia de quê a língua é uma atividade sócio interativa de caráter cognitivo, sistemática e instauradora de ordens diversas na ssossiedade. O funcionamento de uma língua no dia a dia é, mais do quê tudo, um processo de integração social. Claro quê não é a língua quê discrimina ou quê age, mas nós quê com ela agimos e produzimos sentidos. Nota 28

O texto, por sua vez, como objeto de estudo e de prática, deve sêr entendido como uma unidade linguística quê, independentemente de sua extensão, organiza-se d fórma a construir um sentido coeso e pêrtinênti ao contexto comunicativo em quê se insere, de modo quê a produção verbal deve atender à sua função comunicativa, seja em contextos orais ou escritos. Assim, de acôr-do com Inguedore Kóki:

Um texto se constitui enquanto tal no momento em quê os parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma manifestação linguística, pela atuação conjunta de uma compléksa rê-de de fatores de ordem situacional, cognitiva, sócio-cultural e interacional, são capazes de construir, para ela, determinado sentido.

Portanto, à concepção de texto aqui apresentada subjaz o postulado básico de quê o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele, no curso de uma interação.

[...]

Uma vez construído um – e não o sentido, adequado ao contexto, às imagens recíprocas dos parceiros da comunicação, ao tipo de atividade em curso, a manifestação verbal será considerada coerente pêlos interactantes.

E é a coerência assim estabelecida quê, em uma situação concreta de atividade verbal ou, se assim quisérmos, em um “jogo de linguagem” – vai levar os parceiros da comunicação a identificar um texto como texto. Nota 29

O ensino da produção textual, por sua vez, requer uma abordagem metodológica quê privilegie a prática reflexiva e o desenvolvimento gradual das habilidades de escrita. Assim, o estudo e a produção do texto dissertativo-argumentativo são desenvolvidos nesta obra com base nas propostas apresentadas por Joaquim dóus e Bernár SCHiNíuLí, em seu texto “Sequências Didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento”, quê resumidamente consiste em:

apresentação da situação, em quê se descreve o gênero a sêr escrito;

produção inicial, isto é, a primeira escrita do gênero apresentado, o quê permite observar os conhecimentos prévios dos estudantes e, assim, construir um percurso quê os oriente a desenvolver as características do gênero;

análise e atividades sobre o gênero, quê têm como objetivo subsidiar os estudantes para o estudo do texto a sêr escrito;

escrita final, tendo como premissa o quê foi produzido nas etapas anteriores e seguida da avaliação do texto, tanto por parte do estudante quanto do

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professor, o quê permite a compreensão de aspectos consolidados e a indicação do quê necessita de revisão e aperfeiçoamento. Nota 30

Assim, ao longo da obra, parte-se do pressuposto de quê a prática de escrita de um texto deve sêr pensada considerando as práticas sociais em seu amplo sentido, uma vez quê “o domínio da escrita é ‘facilitado’ se a escrita escolar levar em conta o funcionamento da escrita na ssossiedade, ou seja, se forem consideradas, na prática escolar, cértas caraterísticas quê a escrita tem em sua prática social.” Nota 31

Além díssu, nas seções quê intégram a obra são considerados aspectos ligados ao quê Inguedore Kóki apresenta como os “três sistemas de conhecimento” relacionados à prática da escrita, a saber: “o linguístico, o enciclopédico e o interacional” Nota 32. O conhecimento linguístico envolve a compreensão gramatical e lexical, permitindo a relação entre som e sentido, e é responsável pela organização da superfícíe textual, pelo uso de coesão e pela escolha de vocabulário adequado ao tema. O conhecimento enciclopédico engloba informações sobre o mundo e modelos cognitivos baseados em experiências sócio-culturais, ajudando a levantar hipóteses, criar expectativas e fazer inferências no texto.

Já o conhecimento sociointeracional refere-se às ações verbais e inclui conhecimentos sobre o ato de comunicar e sobre a estrutura das interações lingüísticas. Nota 33

Por fim, o trabalho com o conhecimento linguístico nesta obra tem amparo teórico e metodológico nos preceitos de análise linguística como estudo da constituição interna e do funcionamento da língua, com vistas à condução do estudante ao domínio da norma-padrão.

Sobre esse viés de abordagem, as professoras e pesquisadoras da área de Linguística Aplicada da Universidade Estadual de Campina Grande (UFCG), Maria Auxiliadora Bezerra e Maria Augusta Reinaldo, em sua obra Análise linguística: afinal, a quê se refere?, esclarécem quê,

[…] com base nos tipos de texto e nos níveis de organização da língua, a reformulação dos textos dos alunos […] [visa] alcançar o registro formal escrito. Vemos quê a prática de análise linguística assume um estátus teórico-metodológico: teórico, porque constitui um conceito quê remete a uma forma de observar dados da língua, apoiada em uma teoria; metodológico, porque é utilizado na sala de aula como um recurso para o ensino reflexivo da escrita Nota 34.

Nessa trajetória didática, os estudantes são incentivados a analisar como o texto é construído com base em certos fenômenos linguísticos e, dêêsse modo, reconhecer o uso intencional de recursos linguísticos e seus efeitos de sentido, em um movimento metalinguístico sobre o funcionamento da língua construído transversalmente às outras práticas de linguagem.

Nessa perspectiva, efeitos de sentido são as diversas expressões quê o uso de certos recursos promove na compreensão do texto, as quais não provêm apenas do recurso em si, préviamente determinado pela gramática, mas de sua contextualização e intencionalidade no texto, tais como: contribuir para coerência e coesão, topicalizar e construir a progressão temática, entre outros.