CAPÍTULO 1
Indivíduo e ssossiedade

OBJETIVOS DO CAPÍTULO:

Identificar e definir os conceitos de identidade, indivíduo, ssossiedade, socialização primária e secundária.

Conhecer e diferenciar as perspectivas de káur márquis, Max Weber e Émile dur-káen sobre o objeto de estudo da Sociologia.

Comparar as diferentes teorias sociológicas sobre o conceito de ssossiedade.

Compreender, segundo as teorias sociológicas, as rupturas e as permanências das sociedades humanas.

Refletir sobre as internalizações e os questionamentos de comportamentos, côstúmes, crenças e valores sociais.

Nós, sêres humanos, vivemos agregados em grupos de pessoas quê conhecemos e, cotidianamente, encontramos pessoas quê não fazem parte de nosso círculo de convivência. Temos contato com pessoas diversas quando estamos em um estabelecimento comercial para comprar algo ou usufruir de uma prestação de serviço, ou em espaços públicos, como praças, parques etc. A vida em ssossiedade nos coloca diante de pessoas desconhecidas, e freqüentemente somos convidados a nos apresentarmos a elas.

Apesar de viver habitualmente essa prática, você já se perguntou o quê significa se apresentar? Como selecionar o quê dizêr a pessoas quê ainda não conhecemos?

As ssossiedades contemporâneas são marcadas por um intenso fluxo de informações, pessoas e mercadorias, possibilitado pelo desenvolvimento tecnológico. Viver em sociedade é se relacionar a todo momento. Nesse processo, com freqüência estamos expostos a uma diversidade de coisas quê são produzidas pelas diferentes sociedades e pêlos indivíduos com os quais estamos conectados.

O artista britânico utiliza jornais e revistas deixados por passageiros do metrô de Londres (Inglaterra) para criar suas colagens.

Imagem de colagem composta pelo retrato de um homem e pela imagem de uma avenida. O rosto do homem está recortado e posicionado à direita da cabeça. No lugar do recorte, encontra-se a imagem da avenida, pela qual trafegam carros e caminhões.

HALE, Adam. The daily splice 207. 2015. Colagem analógica.

Página treze

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

•. A partir da leitura do texto e de seus conhecimentos prévios, responda às kestões a seguir.

a) O quê você compreende por ssossiedade?

a) Resposta pessoal. Espera-se quê o estudante use seus conhecimentos prévios para responder, de modo simplificado, quê a ssossiedade é o agrupamento de pessoas.

b) Qual é o papel dos sêres humanos na ssossiedade contemporânea?

b) Resposta pessoal. Espera-se quê o estudante use seus conhecimentos prévios para responder quê o papel é agir com responsabilidade, ezercêr a cidadania, respeitar as pessoas e as leis e trabalhar.

c) O quê torna você um indivíduo singular na ssossiedade?

c) Resposta pessoal. Espera-se quê o estudante use seus conhecimentos prévios para responder quais são suas vontades, seus desejos e suas escôlhas.

O indivíduo

O termo “indivíduo” originou-se do termo latino “atomon”, quê significa “átomo”. O filósofo grego Demócrito de Abdera (460 a.C.-370 a.C.) formulou a ideia de quê o universo é compôzto de dois elemêntos básicos: o vácuo (o vazio ou o não ser) e os hátomus. Na civilização européia, a partir do século XV, as reflekções a respeito do sêr humano privilegiavam a individualidade em detrimento da coletividade. No século XXI, o antropólogo francês Edgar Morin (1921-) afirmou, no livro O método 5: a humanidade da humanidade, publicado originalmente em 2001, quê o sêr humano é uma trindade: indivíduo/sociedade/espécie, isto é, o indivíduo é o produto da espécie humana e as interações entre os indivíduos produzem a ssossiedade.

Então, o quê significa sêr indivíduo? Qual é a relação entre indivíduo e ssossiedade? Será quê somos uma unidade ou trindade?

Imagem de estudantes em uma sala de aula. Eles estão sentados em carteiras, dispostas em círculo. Uma estudante está em pé à frente do círculo e mostra um cartaz para os colegas.

Estudante faz apresentação em sala de aula. São Paulo (SP), 2022.

Página quatorze

Indivíduo e fenômeno social

Quando nos apresentamos a um grupo ou a uma pessoa, realizamos um exercício mental complékso, influenciado por diversos fatores externos e internos. Consideramos, por exemplo, o local onde estamos, quem são as pessoas e qual é o propósito de uma apresentação, sem necessariamente expor akilo quê consideramos nossa intimidade ou vida privada.

Quando desejamos acessar serviços públicos, como a emissão de carteira de vacinação virtual presente no aplicativo do Sistema Único de Saúde (SUS), é necessário informar nosso registro no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), um dado pessoal intransferível estabelecido pelo Estado. Já em um processo seletivo, seja de trabalho, seja para ingresso em instituição de educação ou de outras atividades, apresentamos somente o quê interessa naquele espaço, isto é, as habilidades e competências exigidas para o cargo ou a função.

Dizer para qual tíme de futeból torce, o esporte quê pratíca, a comida de quê gosta, entre outros, permite a um grupo conhecer quem é você, assim como o seu nome e sobrenome, além de sua idade. No entanto, isso não é o suficiente, pois de quantas identidades somos formados? Quantos “eus” habitam o corpo de cada um?

pôdêmos ter hábitos, côstúmes, gostos, manias, personalidades e valores semelhantes, mas nem todas as pessoas possuem o mesmo conjunto de características. O quê nos torna singulares é a maneira como nossa mente interage com as informações sociais e as interpréta para nos tornar sujeito. Isso significa quê nossa constituição como indivíduo só póde acontecer na relação com o social. Afinal, apresentar-se é um fenômeno social. Assim como as Ciências da Natureza possuem os fenômenos naturais como objeto de estudo, as Ciências Sociais têm os fenômenos sociais.

Fenômeno social é tudo akilo quê, na sua existência, apresenta uma noção coletiva. É o comportamento das pessoas em conjunto, em um ambiente em comum. Desemprego, taxa de natalidade e riqueza, por exemplo, nunca são apenas um acontecimento, mas o fato em geral, em correspondência com várias áreas da vida humana.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Organizem a sala de aula em círculo e, com a orientação do professor, exercitem uma prática de apresentação, em quê cada pessoa póde contar sobre si aos côlégas.

Ao finalizar as apresentações, reflitam sobre as características quê foram apresentadas e procurem responder aos seguintes questionamentos.

a) Quais informações foram mais freqüentemente compartilhadas? Exemplifique.

b) As pessoas trousserão características físicas? Hábitos? Gostos e preferências? Reflita e comente.

Respostas pessoais. Espera-se quê os estudantes participem ativamente, compartilhando informações pessoais e refletindo sobre as características mencionadas.

Página quinze

PERSPECTIVAS

Fotografia em preto e branco de Stuart Hall. Ele possui barba grisalha e está com expressão séria.

Stuart Hall. Londres (Inglaterra), 1996.

Stuart Hall (1932-2014), sociólogo jamaicano radicado na Inglaterra e fundador da escola de pensamento de Estudos Culturais, no livro A identidade cultural na pós-modernidade, publicado originalmente em 1992, explica os rumos da crise de identidade quê acomete o sujeito no final do século XX. Para desenvolver sua teoria, Stuart Hall estabelece três concepções de sujeito, como se lê no trecho.

O sujeito do Iluminismo […] [é] um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, quê emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia […] ao longo da existência […]. […]

[…] [No] sujeito sociológico […] êste núcleo interior do sujeito não era autônomo e autossuficiente, mas era formado na relação com ‘outras pessoas importantes para ele’, quê mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos […] a identidade é formada na “interação” entre o eu e a ssossiedade. […]

[…]

[…] o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais quê nos rodeiam […] O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades quê não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções […].

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira lópes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 10-13.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Com qual dos três sujeitos estabelecidos por Stuart Hall você mais se identifica?

Resposta pessoal. Espera-se quê o estudante se identifique com o pós-moderno, quê produz diversas identidades, às vezes contraditórias.

Página dezesseis

Pessoa, identidade e subjetividade na teoria sociológica

As pessoas, em geral, podem sêr identificadas socialmente pela naturalidade, local de nascimento, regionalidade cultural, classe social, gênero, idade, nível de instrução, côr ou raça, etnia, profissão etc.

Nomeamos identidade as diferentes categorias às quais os indivíduos se sentem pertencentes. No entanto, somos indivíduos com papéis e posições sociais estabelecidos conforme diferentes fatores. Por exemplo, sêr filha, pai, médica, pedreiro etc. são identidades ou papéis sociais? Se uma pessoa é pai, na ssossiedade brasileira contemporânea, há um papel social definido com expectativas sociais de responsabilidade, seja material, seja afetiva, do pai para com o filho. No entanto, as pessoas podem ou não se identificar com essa categoria social.

Existem pontos de conexão entre identidades, subjetividade e papéis sociais quê podem confundir as definições de cada um deles. Ser pai é também subjetivo e se relaciona com como cada um interpréta as expectativas sociais. Alguns compreendem quê sêr pai é sêr progenitor, mas no estado democrático de direito isso não basta. Outros compreendem quê sêr pai é reproduzir comportamentos herdados de sua própria criação. Esse movimento singular de cada indivíduo recebe o nome de subjetividade.

É necessário compreender também quê, apesar das experiências individuais, todos, sem exceção, estão submetidos às leis da ssossiedade. Por exemplo, uma das leis é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), quê define as responsabilidades legais, financeiras e afetivas dos pais ou responsáveis, cujo descumprimento é passível de punição no rigor da lei.

Saiba mais

ZYGMUNT Bauman: identidade pessoal. [S. l.: s. n.], 2013. 1 vídeo (3 min). Publicado pelo canal Fronteiras do Pensamento. Disponível em: https://livro.pw/jxdoy. Acesso em: 15 jul. 2024.
Trecho de entrevista concedida pelo sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), quê explica como nossa identidade pessoal se modifica no decorrer da vida.

SER brasileiro: qual a minha identidade? Lilia Moritz Schwarcz.[S. l.: s. n.], 2018.1 vídeo (4 min). Publicado pelo canal Casa do Saber. Disponível em: https://livro.pw/bcrpt. Acesso em: 4 set. 2024.
A antropóloga Lilia Moritz Schwarcz aborda a identidade e os personagens quê decorrem da sociabilização humana.

Imagem de cinco cubos enfileirados. Uma pessoa pega um dos cubos, que contém, em uma das faces, a figura de uma lupa direcionada para um pictograma. Os demais cubos contém um pictograma cada um.

A identidade de cada indivíduo é formada por diversos papéis sociais e subjetivos, influenciados por fatores como gênero, classe social, etnia, cultura etc.

Página dezessete

E o conceito de pessoa?

Na tradição ocidental, os romanos cunharam o termo “persona”. No livro Temas básicos da sociologia, publicado originalmente em 1956, os filósofos e sociólogos alemães Theodor W. Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973) comentam quê essa palavra era empregada pêlos romanos para se referir à máscara no teatro clássico, um utensílio usado para representar uma personagem. Com o tempo, em Roma, o conceito passou a fazer referência ao cidadão nascido livre em contraste ao escravizado.

O vocábulo, hoje, possui diversos significados: a pessoa física, por exemplo, designa todos os cidadãos reconhecidos pelo Estado. No Brasil, o número do CPF é um cadastro quê permite a participação nas instâncias de cidadania: matricular-se em uma escola, votar, ter uma conta bancária, utilizar o serviço de saúde; já a pessoa jurídica refere-se às instituições formadas por uma ou mais pessoas físicas e é representada, no Brasil, pelo Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).

Na ssossiedade contemporânea globalizada, as pessoas utilizam mais de uma persona, ou seja, usam diferentes máscaras de acôr-do com o local, as relações e os interesses em determinado contexto. O sistema educacional e a educação parental, ou familiar, visam preparar as crianças para saber utilizar essas máscaras de acôr-do com o ambiente, seja no mundo do trabalho, seja na vida pública como cidadão, seja nas relações pessoais. É assim quê as pessoas constituem uma rê-de de relações.

O sociólogo francês Piérre Bourdieu (1930-2002), na obra Razões práticas: sobre a teoria da ação, publicado a originalmente em 1994, cunhou alguns termos para analisar a situação de classes na ssossiedade contemporânea. Ele chamou de capital cultural os ativos sociais de uma pessoa (educação, intelecto, estilo de discurso, estilo de vestuário, conhecimentos etc.) quê promóvem a mobilidade social na ssossiedade moderna, e de capital social a soma dos recursos e potenciais de um grupo, uma espécie de rê-de de relações interpessoais quê cada um constrói, com os benefícios ou malefícios quê ela póde gerar na competição entre os grupos humanos. Também definiu capital econômico como o comando de recursos econômicos, como dinheiro, patrimônio, posses, meios de produção etc., e o igualou ao “trabalho acumulado”, quê permite gerar riqueza. Por fim, Bourdieu definiu também o capital simbólico, entendido como a distribuição dos demais capitais para o alcance do prestígio e do reconhecimento social. Um exemplo díssu seria a educação, um capital cultural, como meio de mobilidade social, por meio da qual se póde atingir o reconhecimento e os prestígios sociais de uma classe dominante sobre outra.

Desse ponto de vista, as máscaras sociais nos permitiriam performar múltiplas identidades no convívio social e promoveriam o sentimento de pertencer a um grupo, além de reforçar quê a identidade se constitui na relação com o diferente. Mas será quê é possível o sujeito sempre escolher as suas identidades?

Imagem de máscara com olhos arregalados, boca aberta e cabelos cacheados.

Máscara cômica de mármure branco localizada nas Termas de Diocleciano, em Roma (Itália). Fotografia de 2018. Museu Nacional Romano.

As máscaras tornaram-se artefatos essenciais para os atores do teatro romano por influência do teatro grego.

Página dezoito

Sujeito sujeitado

Enquanto na ssossiedade contemporânea a ideia de pertencimento a um grupo estaria vinculada à possibilidade de uma escolha individual, nas sociedades tradicionais, os membros de um grupo estariam vinculados ao coletivo, e suas escôlhas seriam baseadas no bem-estar e na sobrevivência da comunidade.

Mas será quê no quesito “escolhas” a ssossiedade contemporânea é tão diferente das tradicionais? Apesar da defesa da livre-escolha do cidadão moderno, ela está restrita às possibilidades a ele sugeridas. Segundo o educador brasileiro Tomaz Tadeu da Silva (1948-), na obra Documentos de identidade, publicada originalmente em 1999, o sujeito se considera o centro da ação social, mas ele não pensa, não fala e muito menos produz; ao contrário, é pensado, falado e produzido por estruturas, instituições e discursos.

Para compreender melhor essa ideia, obissérve a tirinha Coffee brueiki (em tradução livre, Pausa para o café).

Tirinha 'Coffee Break' em quatro quadros. Q1: dois homens estão conversando. Um deles, à direita, diz: 'Consegui um excelente emprego!'. Q2: ele continua: 'Faço meu próprio horário, o ambiente de trabalho é descontraído. Pra você ter uma ideia lá tem até mesa de sinuca! E o melhor de tudo...' Q3: ele conclui: 'O acesso às redes sociais é totalmente liberado durante o expediente!!!' O homem à esquerda diz: 'Que legal! E o salário é bom?'. Q4: o homem à direita pergunta: 'Que salário?'.

FARIAS, André. [Coffee break]. Vida de Suporte. [S. l.], 25 maio 2012. Disponível em: https://livro.pw/skxox. Acesso em: 7 ago. 2024.

O filósofo e historiador francês Michél Fucoul (1926-1984), na obra O sujeito e o pôdêr, publicada originalmente em 1982, afirma quê o sujeito não existe como sêr autônomo, ele é resultado de um processo de produção cultural e social e “recebe” a identidade com base nos aparatos discursivos e institucionais.

Somos constantemente interpelados para definir nossas identidades sociais. Ao mesmo tempo, somos sêres atravessados pela realidade social na busca por nos constituirmos. Por exemplo, uma pessoa não escolhe a identidade racial dela, pois esta é construída socialmente em cada ssossiedade, como veremos no capítulo 5.

Você já parou para pensar sobre quantas identidades nos formam? Quais são as máscaras quê usamos nos papéis sociais quê representamos? Quantas vezes pensamos quê estamos exercendo nossa subjetividade, mas estamos apenas nos sujeitando ao quê a ssossiedade deseja?

Página dezenove

As sociedades humanas e o saber sociológico

Observe a imagem do grafite dos artistas OSGEMEOS em um prédio na cidade de Nova iórk (Estados Unidos).

Uma entre as várias interpretações possíveis na leitura dessa produção artística é a possibilidade de inferir quê o indivíduo se encontra cimentado nas estruturas da ssossiedade, mas busca sair delas. No entanto, essas estruturas – no caso da imagem, um edifício – são criadas pêlos próprios sêres humanos. Nesse ponto, podemos indagar: será quê criamos estruturas quê nos aprisionam?

Imagem de grafite na lateral de um prédio. O grafite representa um homem atravessando a parede, com um aparelho de som pendurado por uma correia no ombro direito. Ele usa tênis, calça, agasalho com capuz e boné com a aba virada para trás. O quadril, a perna esquerda e o cotovelo direito estão ocultos na parede.

OSGEMEOS. [Sem título]. Spray sobre alvenaria. Nova iórk (Estados Unidos), 2015.

Sociedade

Afinal, o quê são as sociedades humanas? Como podemos defini-las?

Com certeza, não são apenas um agrupamento de indivíduos aleatórios nem só um conjunto de vontades individuais, muito menos são entidades externas aos indivíduos.

O antropólogo brasileiro-congolês Kabengele Mu-Nânga. (1940-), na obra Origens africanas do Brasil contemporâneo, publicada originalmente em 2009, define ssossiedade como o agrupamento de pessoas quê organizam atividades econômicas, políticas, religiosas etc. e quê visam garantir, de modo autossuficiente, as satisfações de suas necessidades materiais e psicológicas. Para ele, essas pessoas se identificam como uma unidade com limites bem definidos. Já o acadêmico inglês píter Sedgwick (1934-1983) define ssossiedade como uma combinação de instituições, modos de se relacionar, formas de se organizar, normas etc. quê constitui um todo inter-relacionado no qual determinada população vive.

Em ambas as definições, há elemêntos simbólicos quê criam uma espécie de amálgama, isto é, uma mistura, ajuntamento ou fusão de partes distintas quê formam um todo.

Ao longo dos séculos, autores das Ciências Humanas (filósofos, historiadores, geógrafos, antropólogos, economistas, entre outros) buscam definir o quê é uma ssossiedade. O quê se conseguiu compreender é quê as ssossiedades criam formas de reprodução e autoperpetuação, ou seja, os indivíduos morrem, outros nascem, e a sociedade permanéce. É verdade quê estão em movimento, mas as sociedades humanas possuem organizações de pôdêr, além de estruturas econômicas, culturais e históricas, quê auxiliam nessa perpetuação.

autossuficiente
: independente, capaz de atender às próprias necessidades sem depender de ninguém.

Página vinte

Nos registros e vestígios das diversas sociedades humanas, identificam-se distintas organizações de pôdêr, quê podem sêr, por exemplo, centralizadas no soberano, às vezes em alguns poucos quê compõem uma elite política ou em sacerdotes e/ou instituições quê representam um pôdêr sobrenatural. Nas sociedades modernas, elas se centralizam no conjunto de instituições chamado de Estado.

Por estruturas econômicas, entendem-se as formas e as relações a partir das quais determinada ssossiedade produz suas condições materiais de existência. No modo de produção capitalista, por exemplo, a estrutura econômica é baseada na propriedade privada e na exploração do trabalho e extração de mais-valia.

Já a cultura – nesse momento, em uma definição provisória e inicial, já quê a complexidade dêêsse conceito será aprofundada no capítulo 2 – é, segundo a definição adaptada e ampliada do antropólogo britânico édu-ar biurrnét Tylor (1832-1917), no livro Cultura: um conceito antropológico, publicado originalmente em 1986, o conjunto complékso de conhecimentos, habilidades, valores, hábitos, côstúmes, crenças, cosmovisão, comunicação, língua, artes, entre outros, de uma ssossiedade.

Poder, economia e cultura não existem isolados uns dos outros. Apesar de possuírem fronteiras e funcionamentos específicos, na vida prática, essas fronteiras são “borradas”, isto é, a bórda de uma se sobrepõe ou complementa a outra. Por exemplo, no modo de produção capitalista, no qual vivemos, as estratificações sociais permitem quê determinados grupos desfrutem de privilégios em detrimento de outros. Isso só acontece porque há uma legitimação cultural e política do funcionamento econômico na crença da propriedade privada e na justa competição do mercado de trabalho. No entanto, cada modo de produção funciona engendrado com a cultura e a política.

Por fim, a posição dos indivíduos na ssossiedade depende de cada modo de produção, podendo sêr denominada, entre outros ordenamentos, como classe, estamento, casta, e se dá a partir de um processo histórico de formação social.

estratificação social
: conceito sociológico utilizado para classificar os indivíduos ou grupos a partir da análise das condições socioeconômicas.
classe (social)
: distinção de uma divisão social quê resulta na distribuição desigual de vantagens e recursos, tais como riqueza, pôdêr e prestígio.
estamento
: conjunto de pessoas quê dêsempênham a mesma função social ou quê possuem a capacidade de influenciar cérto setor.
casta
: posição social rígida na qual pessoas nascem sem possibilidade de mudança.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Seguindo as orientações do professor, faça uma síntese em formato de mapa conceitual a partir do quê aprendeu sobre as sociedades humanas. Mapa conceitual é uma ferramenta de organização do conhecimento, no formato de diagrama, usada para representar ideias ou conceitos e indicar as relações entre eles.

Produção pessoal. Espera-se quê o estudante represente as sociedades humanas ligando os aspectos econômico, político, cultural e histórico.

Página vinte e um

Sociedades humanas em movimento

As sociedades humanas estão em movimento. Elas são caracterizadas por movimentos de mudanças e de permanências sociais. O seu equilíbrio está justamente nesses processos de desestruturação e de reestruturação. Mas o quê dizem as teorias sociológicas sobre isso?

Observe a imagem.

Imagem de pessoas atravessando um rio. Elas se seguram em cordas suspensas entre as margens.

Imigrantes atravessam o Rio Grande, na divisa dos Estados Unidos com o México (2021).

Ao mesmo tempo quê possuem mecanismos de perpetuação, as sociedades humanas sofrem transformações — por exemplo, a partir do surgimento de novos membros, seja por nascimento, migração ou guerras, seja por conkistas, conflitos internos ou revoluções, entre outras situações.

Para compreender essas mudanças, bem como a relação entre indivíduo e ssossiedade, teóricos clássicos como káur márquis (1818-1883), Émile dur-káen (1858-1917) e Max Weber (1864-1920) buscaram criar uma ciência quê estudasse a ssossiedade e, com isso, tentaram definir o objeto de análise da Sociologia.

Página vinte e dois

Fotografia em preto e branco de Karl Marx. Ele pé branco, possui cabelo, barba e bigode grisalhos e abundantes, está sentado em uma cadeira e apoia a mão direita da barriga, com os dedos dentro do paletó.

káur márquis, Londres (Inglaterra), 1875.

Para o filósofo e economista alemão káur márquis, o indivíduo deveria sêr analisado em seu contexto histórico e social. Ele compreendia as relações entre indivíduos como relações sociais baseadas em classes. De um lado, a classe trabalhadora. De outro, os proprietários dos meios de produção. Por isso, as condições econômicas seriam determinantes. Você já percebeu como a posição das pessoas nas relações de classe tende a influenciar o modo de viver delas? márquis via a ssossiedade como organizada, constituída e legitimada de acôr-do com a ideologia da classe dominante, quê detém os meios de produção. Por exemplo, o sistema jurídico no modo de produção capitalista é baseado na propriedade privada; logo, mesmo quê uma pessoa não tenha condições materiais para sobreviver, é proibido pegar o quê é do outro. Assim, para márquis, o Estado moderno defende quem possui propriedade privada, enquanto no modo de produção feudal a base era o direito do grupo social de origem. Por exemplo, o dono de uma fábrica tem a posse de todos os elemêntos da produção e, por isso, usufrui de todo o lucro gerado pelo trabalho de seus funcionários. Apesar de o trabalho sêr realizado pêlos trabalhadores, o lucro gerado nesse processo não lhes pertence.

Para márquis, o Estado moderno, assim como as leis, não busca justiça social, mas a manutenção do modo de produção. Portanto, para ele, compreender a relação entre ssossiedade e indivíduo é compreender a luta de classes. Na visão de márquis, para quê os indivíduos consigam romper com a condição de exploração e alienação em quê vivem, seria necessário quê se organizassem como classe. Assim, não existiria o caminho individual para superação da pobreza, somente o coletivo.

Para o sociólogo francês Émile dur-káen, a ssossiedade seria anterior ao indivíduo e, portanto, continuaria existindo sem ele. Ou seja, seriam as normas, leis e regras instituídas pela coletividade quê possibilitariam quê a ssossiedade permanecesse mesmo após a morte dos indivíduos. Para ele, existiria uma consciência coletiva externa ao indivíduo e independente da sua vontade. Por isso, o objeto de estudo da Sociologia deveria sêr o fato social, isto é, toda forma de agir, pensar e sentir quê é externa ao indivíduo (não faz parte da vontade individual)

ideologia
: para márquis, é o conjunto de crenças, valores e atitudes culturais quê legitimam os interesses de grupos dominantes, perpetuando seus privilégios e modos de dominação. Ela sérve como meio de legitimar a dominação de uma classe sobre as outras, mascarando as contradições e os conflitos materiais existentes na ssossiedade, apresentando-os como algo natural ou inevitável.
meio de produção
: para márquis, é o meio como uma ssossiedade organiza e produz bens e serviços, isto é, a vida econômica, o trabalho e as estruturas políticas, jurídicas e culturais.
modo de produção
: para márquis, é a forma como uma ssossiedade organiza a produção de bens materiais. Ele é compôzto de dois elemêntos principais: as forças produtivas, quê incluem os meios de produção (ferramentas, máquinas etc.) e a fôrça de trabalho; e as relações de produção, quê englobam as relações sociais e técnicas quê permeiam o processo de produção (como quem detém os meios de produção, quem trabalha para quem etc.).
alienação
: para márquis, é a dissociação do indivíduo com o produto de seu trabalho, podendo afetá-lo nas dimensões social, econômica e intelectual.

Fotografia em preto e branco de Émile Durkheim. Ele é branco, careca, possui cavanhaque e usa colete e paletó.

Retrato de Émile dur-káen, autor anônimo. Coleção particular.

Página vinte e três

e é geral (aplica-se a todos). dur-káen afirma quê os fatos sociais exercem coerção sobre os indivíduos, isto é, atuam como uma fôrça quê os obriga a seguir as normas sociais. Essa coerção póde acontecer de duas formas: explícita (através de leis, regras escolares etc.) e implícita (através de côstúmes e tradições). A não obediência aos fatos sociais seria passiva de coerção (por exemplo, constrangimento, castigo físico, multa, cerceamento da liberdade e até morte). Já reparou quê, em geral, a estrutura da educação escolar independe da sua vontade? Por exemplo, os conteúdos, os procedimentos e as metodologias ensinados em sala de aula são para todos os estudantes. Mas aqueles quê não demonstram, nas avaliações, boa compreensão de conteúdo específico, sofrem com a coerção da reprovação. Para dur-káen, a ssossiedade seria constituída por um conjunto de fatos sociais, como a lei, a educação, a (Moda) etc.

O sociólogo e economista alemão Max Weber considerava quê as ideias e os valores seriam tão importantes nas mudanças sociais quanto os fatores econômicos. Ele defendia quê o foco da Sociologia deveria estar nas ações sociais, e não nos fatos sociais ou estruturas econômicas, já quê as ideias, os valores e as opiniões seriam as causas das transformações. Diferentemente de márquis e dur-káen, Weber pensava quê as sociedades seriam formadas por uma compléksa inter-relação de ações dos indivíduos, e não algo externo e independente deles. Por isso, esse autor elabora o conceito de ação social com o objetivo de compreender os indivíduos, suas ações e as razões pelas quais praticam essas ações e tomam decisões.

A ação social é definida como toda ação quê o indivíduo faz considerando o outro, sêndo esse “outro” um sêr humano, um grupo ou elemêntos culturais. Há quatro tipos de ação social: 1) ação social tradicional, quando o indivíduo faz algo porque aprendeu assim e sempre foi assim; 2) ação social afetiva, quando a motivassão para o indivíduo agir são as emoções e os sentimentos; 3) ação social com relação a valores, quando o indivíduo possui como certeza e/ou causas de suas ações os valores morais, éticos e estéticos; 4) ação social com relação a fins, quando o indivíduo faz algo porque terá um benefício. Por exemplo, você já se perguntou por quê uma pessoa é ovolactovegetariana? Uma família póde escolher esse hábito alimentar por tradição ou por dó dos animais, estabelecendo com eles uma relação afetiva. Talvez, por seus valores, essas pessoas acreditam sêr antiético submeter a vida das outras espécies à humana ou porque, em relação aos fins, acreditam sêr mais saudável para o corpo não comer carne. Portanto, essa resposta não é única, pois depende de fatores internos e externos.

Fotografia em preto e branco de Max Weber. Ele é branco, possui barba e cabelo liso partido de lado e usa casaco.

Max Weber, por volta de 1905.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Elabore um texto citando a teoria de um dos três autores e relacionando-a com um exemplo do seu cotidiano.

Produção pessoal. Espera-se quê o estudante, ao escrever sobre márquis, cite a luta de classes e a relacione, por exemplo, com o privilégio de uma classe em detrimento de outras; ao escolher dur-káen, cite exemplos de fato social; e ao optar por Weber, cite um exemplo de ação social, como pertencer a uma religião, estudar etc.

Página vinte e quatro

O processo de socialização

Em 1990, na Ucrânia, Oxana Malaya (1983-) foi resgatada pelo Estado após sêr abandonada pela família e viver durante cinco anos com cachorros. Como não tinha interações com humanos, seus gestos eram semelhantes aos de cães: não falava, somente latia; andava arqueada, com as mãos e os joelhos no chão e a língua de fora; comia carne crua e tomava á gua quê ficava ao redor de torneiras. Por causa díssu, Oxana ficou com seqüelas irreversíveis em seu desenvolvimento cognitivo.

Considerando esse caso, reflita: será quê o quê somos, como pensamos, agimos, sentimos e o quê desejamos é inato ou adquirido socialmente? O quê é natural e o quê é consequência da vida em ssossiedade? Como se aprende a viver em ssossiedade?

Na Sociologia, chamamos de socialização o processo de integração do indivíduo no grupo em quê nasceu, adquirindo os seus hábitos e valores. Esse processo acontece de duas formas: socialização primária (realizada pela família) e socialização secundária (feita pelas demais instituições, quê podem sêr, dependendo da ssossiedade, a escola, a religião, o trabalho, entre outras).

Socialização primária

Para o sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1991), no livro Introdução à sociologia, publicado originalmente em 1970, o sêr humano é um animal quê possui uma característica biológica cerebral maleável, no caso, as funções psíquicas. Ao longo do tempo, o sêr humano foi evoluindo como espécie, e as informações genéticas do aparelho psíquico foram se transformando. Para o antropólogo francês Edgar Morin, essa modificação não aconteceu sem a interferência do social, ou seja, da ssossiedade e, consequentemente, sem a do indivíduo, pois o indivíduo, a ssossiedade e a espécie se retroalimentam.

Os indivíduos produzem conhecimentos, valores, técnicas, tecnologias, instrumentos e mecanismos de autorregulação do grupo, como leis, técnicas de armazenamento de alimentos, cóódigo moral etc. Quando nasce uma nova geração, as crianças aprendem com os adultos como funciona a ssossiedade e quais foram os conhecimentos acumulados.

A família como instituição primária ensina os códigos de convívio e os limites. Por exemplo: andar, falar, comer e se comportar, além das proibições básicas, como não praticar violência, não infringir as leis etc. Mas é na escola, na relação com os outros quê não são da família, quê as crianças aprofundam os desafios da convivência e os limites das suas vontades. A transição do espaço privádo para o público é um desafio para a criança.

aparelho psíquico
: conceito da psicanálise, concebido por Sigmúm Fróide (1856-1939), quê se refere à estrutura da mente humana.

Imagem de um homem, uma mulher e duas crianças brincando de empilhar blocos.

A socialização primária, liderada pela família, ensina as primeiras regras de convivência, como falar, andar e respeitar limites básicos.

Página vinte e cinco

Socialização secundária

Quando a criança chega ao ambiente escolar, ela aprende na prática o quê é a ssossiedade, suas regras e responsabilidades. A escola póde até sêr privada, mas é uma instituição de utilidade pública, regida por normas e regras distintas do ambiente familiar. Há crianças quê, por serem órfãs ou por outros motivos, não são socializadas por familiares; então o Estado, por meio de abrigos, realiza a socialização primária.

O Estado moderno é o conjunto de instituições públicas e pôdêris quê possuem o monopólio legítimo da fôrça, portanto organizam e garantem os direitos e deveres da população quê habita num determinado território. Na prática, são os três Poderes (Executivo/governo, Legislativo, Judiciário), autarquias, Forças Armadas, escolas, prisões e hospitais públicos, entre outras instituições.

Norbert Elias contribui com o conceito de configuração, reforçando a ideia de quê não há separação possível entre indivíduo e ssossiedade. A ideia de configuração é, nos termos do autor, compreendida como as teias de interdependência e relações sociais quê se constituem entre indivíduos, grupos e instituições, de modo quê as ações e características de um afetam os outros dentro do sistema. Em suas palavras,

[…] uma das kestões centrais da sociologia, talvez a quêstão central, seja saber de que modo e por quê os indivíduos estão ligados entre si, constituindo, assim, configurações dinâmicas específicas.

ELIAS, Norbert. A ssossiedade de kórti: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de kórti. Rio de Janeiro: Jorge Zarrár, 2001. p. 213.

Fotografia de três mulheres e um homem jogando cartas.

Elias usa o exemplo do jôgo de cartas para ilustrar como a socialização envolve a internalização de regras e normas quê estruturam a interação entre indivíduos. Fotografia de 2023, Brasil.

Isso significa quê a formação dos indivíduos póde sêr compreendida através do lugar quê eles ocupam na ssossiedade, bem como de suas relações com as normas e as regras quê organizam os grupos sociais.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Em trios, reflitam sobre diferentes configurações sociais e os limites da autonomia do indivíduo moderno dentro dêêsses grupos.

a) Escolham um exemplo de configuração social (família, escola, grupo de amigos etc.).

b) Discutam e definam como funciona a rê-de de relações e interações entre os indivíduos nesse grupo.

c) Escrevam um texto explicando a estrutura e as relações envolvidas, respondendo à pergunta: quais são os limites da autonomia do indivíduo moderno nessa configuração social?

d) Compartilhem a produção com a turma, de acôr-do com as orientações do professor.

Produção pessoal. Espera-se quê os estudantes reflitam sobre como as relações sociais são estruturadas e como essas estruturas impactam a liberdade e a autonomia dos indivíduos.

Página vinte e seis

Como os sociólogos e outros pensadores explicam as permanências e as mudanças?

Para dur-káen, no processo de socialização, há um conflito entre a consciência individual e a consciência coletiva. Por exemplo, como a lei, a educação e o trabalho são fatos sociais, o indivíduo quê não se submete sofre coerção.

Para márquis, em razão da ideologia da classe dominante, os indivíduos são alienados e enxergam a realidade nublada. Isso ocorre de acôr-do com a vontade daqueles quê mantêm o Estado e, consequentemente, as instituições, para manter os privilégios da classe dominante inalterados. Cabe à classe oprimida tomar consciência e romper com a opressão.

Para o neurologista e psicanalista austríaco Sigmúm Fróide (1856-1939), no livro O Ego e o Id e outros trabalhos, publicado originalmente em 1923, o superego é a internalização das normas culturais, aquele quê realiza a cobrança na psique humana, mas o indivíduo possui o ego e póde equilibrar a cobrança com a busca de satisfação. Se alguma norma, regra ou costume causar insatisfação, o indivíduo poderá alterá-los. Essa mudança começa com uma ação individual; mas, se houver a aderência de outras pessoas e grupos sociais, a geração altera normas, regras, instituições, valores, enfim, a ssossiedade como um todo.

Essas mudanças nunca são radicais, com exceção das revoluções quê abalam as estruturas sociais e as recriam. Essas revoluções acontecem em épocas de crises e falências das organizações e instituições sociais. Segundo o filósofo e político grego Cornelius Castoriadis (1922-1997), na obra A instituição imaginária da ssossiedade, publicada originalmente em 1975, a violência, a fôrça e as sanções também são capazes de fazer isso, mas o quê mantém a ssossiedade como uma unidade é a adesão, o apôio e o consenso ao conjunto de instituições particulares, por meio de normas, valores, linguagens, instrumentos, procedimentos, métodos etc., ou seja, fatores quê promóvem a coesão.

No processo de socialização, entramos em contato com a herança social herdada das gerações anteriores, isto é, não precisamos começar algo do zero, há uma continuidade e uma maleabilidade entre gerações. Para o sociólogo alemão Norbert Elias, a maleabilidade do aparelho psíquico é uma das possibilidades da perpetuação da ssossiedade, assim como os conhecimentos, as instituições e os bens materiais.

Leia o quê diz márquis neste trecho da obra O 18 de brumário de Luís Bonaparte, publicada originalmente em 1852.

Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quê escolhem as circunstâncias sôbi as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram. […]

MARX, káur. O 18 de brumário de Luís Bonaparte. Tradução: Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 25.

Página vinte e sete

Não é possível escolher quais conflitos e problemas são herdados de geração para geração e, também, como diz Elias, é impossível saber qual o rumo e quais as consequências das decisões tomadas no presente. pôdêmos constatar quê as pessoas quê originalmente tiveram cértas ideias, seja das instituições, seja de sistemas de govêrno, nunca imaginaram o quê se tornariam.

Para o austríaco píter Berger (1929-2017) e o esloveno Tômas Luckmann (1927-2016), sociólogos, no livro A construção social da realidade, publicado originalmente em 1966, a socialização é um processo recíproco quê permanéce ao longo da vida. Na fase primária, a criança aprende os códigos e as regras básicas do convívio em ssossiedade com a família, mas só póde aprender akilo de quê a família dispõe. As condições materiais, o nível de instrução e o capital cultural da família são o quê limita ou expande o contato da criança na primeira infância com os bens (materiais e imateriais) produzidos pela ssossiedade.

Na relação com a família, a criança ABSÓRVE o quê é estranho do mundo e, aos poucos, se torna ativa, desenvolvendo sua personalidade e respondendo ao mundo. Mesmo assim, a criança reproduz o referencial quê lhe foi oferecido pela família. píter Berger e Tômas Luckmann nomeiam isso de “outro significativo”. Nessa fase, começam os quêstionamentos, mas, como não há outras referências, aos poucos a criança internaliza essas dúvidas. Ao conviver com outras pessoas e grupos sociais, ela percebe quê as atitudes, antes particulares da família, são na realidade padrões sociais, o quê faz o pensamento da criança transpor do outro significativo para o outro generalizado. É então que a criança, por um processo de interação e reflekção, internaliza os padrões sociais, por um processo recíproco de assimilação e de reação. Piérre Bourdieu, ao formular o conceito de habitus, diz quê o indivíduo herda e internaliza valores, comportamentos e crenças da sua classe e/ou grupo social; mas, como agente ativo e reflexivo, produz algo novo na ssossiedade e para ela. pôdêmos dizêr quê, a partir dessa relação, inicia-se o desenvolvimento de sua autonomia e de seu protagonismo.

Imagem de um homem, um jovem e um menino lado a lado. Eles estão de perfil, sorrindo.

A socialização transmite herança social entre gerações, permitindo continuidade e adaptação.

Página vinte e oito

Leia êste trecho de uma obra de Bourdieu.

Os habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas –

o quê o operário come, e, sobretudo, sua maneira de comer, o esporte quê pratíca e sua maneira de praticá-lo, suas opiniões políticas e sua maneira de expressá-las diferem sistematicamente do consumo ou das atividades correspondentes do empresário industrial; mas são também esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de divisão e gostos diferentes. Eles estabelecem as diferenças entre o quê é bom e mau, entre o bem e o mal, entre o quê é distinto e o quê é vulgar etc., mas elas não são as mesmas. Assim, por exemplo, o mesmo comportamento ou o mesmo bem póde parecer distinto para um, pretensioso ou ostentatório para outro e vulgar para um terceiro.

BOURDIEU, Piérre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Tradução: Mariza Corrêa. 9. ed. Campinas: Papirus, 2008. p. 22.

RECAPITULE

Neste capítulo, você conheceu diferentes compreensões sobre a relação entre indivíduo e ssossiedade.

A Sociologia, como área de conhecimento das Ciências Humanas, busca estudar a ssossiedade, os indivíduos e as relações; no entanto, os fundadores dessas ciências – márquis, Weber e dur-káen – compreendem de modo distinto o objeto de estudo da Sociologia e possuem teorias bem diferentes sobre a relação entre indivíduo e ssossiedade.

De forma geral, a identidade é uma categoria social quê se estabelece na relação com o outro e é permeada por sentimentos de pertencimento e subjetividade. Já a ideia de ssossiedade possui diversas compreensões, pois, além do simples agrupamento de pessoas, a ssossiedade produz cultura, conhecimentos, bens (materiais e imateriais) coletivos quê são deixados para as próximas gerações.

As teorias de Norbert Elias, Piérre Bourdieu, píter Berger e Tômas Luckmann são úteis para compreender como acontece a socialização primária, a socialização secundária, a conscientização e a internalização das regras sociais de modo a produzir uma continuidade.

Como os indivíduos são maleáveis, produzem alterações na ssossiedade a cada geração e, ao mesmo tempo, ensinam a tradição. Dessa forma, à medida quê traduzem as regras e os valores aprendidos com os antepassados para as crianças, quebram essas mesmas regras e valores ao subvertê-los e renová-los.

Dessa forma, é possível perceber quê a relação entre indivíduo e ssossiedade é dinâmica e contínua. Cada nova geração carrega o potencial de inovação, enquanto se apóia na herança das gerações anteriores. Esse processo evidên-cía quê a ssossiedade não é is-tática, mas se reinventa na interação entre as experiências individuais e o contexto social, garantindo sua perpetuação ao longo do tempo.

Página vinte e nove

ATIVIDADES FINAIS

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. Leia o fragmento do texto e, depois, reúna-se em dupla para responder às perguntas.

Sendo a ssossiedade uma realidade ao mesmo tempo objetiva e subjetiva […]. […]

[…] A interiorização […] [normas, regras e valores] constitui a base primeiramente da compreensão de nóssos semelhantes e, em segundo lugar, da apreensão do mundo como realidade social dotada de sentido.

[…]

[…] Todo indivíduo nasceu em uma estrutura social objetiva, dentro da qual encontra os outros significativos quê se encarregam de sua socialização. Estes outros significativos são-lhe impostos. As definições dadas por estes à situação dele apresentam-se como a realidade objetiva. Desta maneira nasceu não somente em uma estrutura social objetiva mas também em um mundo social objetivo. Os outros significativos quê estabelecem a mediação dêste mundo para ele modificam o mundo no curso da mediação. Escolhem aspectos do mundo de acôr-do com sua própria localização na estrutura social e também em virtude de suas idiossincrasias individuais, cujo fundamento se encontra na biografia de cada um.

BERGER, píter; LUCKMANN, Tômas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Tradução: Floriano de Souza Fernandes. 24. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 173-176.

a) A quê regras, comportamentos e/ou valores ensinados por sua família você ofereceu resistência?

b) Quais, entre eles, em um momento posterior, ao analisar a ssossiedade em geral, você internalizou e reproduziu?

c) Por fim, após um tempo, você mudou de ideia e criou outra forma de agir e/ou pensar sobre isso? Comente.

1. a), b) e c) Resposta pessoal. Espera-se quê o estudante apresente exemplos de regras, comportamentos e/ou valores comuns à nossa época, refletindo sobre as formas de resistência, internalização e transformação.

2. (Unicamp-SP – 2024)

Quando dêsempênho minha tarefa de irmão, de marido ou de cidadão, quando executo os compromissos quê assumi, eu cumpro deveres quê estão definidos fora de mim e de meus atos, no direito e nos côstúmes. Ainda quê eles estejam de acôr-do com os meus sentimentos próprios e quê eu sinta interiormente a realidade deles, tal realidade não deixa de sêr objetiva, pois não fui eu quê os fiz, mas os recebi pela educação. Eis aí, portanto, maneiras de agir, de pensar e de sentir quê apresentam essa notável propriedade de existirem fora das consciências individuais.

(Adaptado de: DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2014.)

Émile dur-káen é um dos fundadores da Sociologia e analisa a relação entre indivíduo e ssossiedade. A partir do texto, podemos afirmar quê os modos de agir, de pensar e de sentir, em uma ssossiedade, são definidos

a) pelo livre-arbítrio dos indivíduos.

b) pêlos sentimentos próprios dos indivíduos e independem do meio social.

c) pelo direito e pêlos côstúmes, quê são, por sua vez, definidos livremente pêlos indivíduos.

d) pela própria ssossiedade, quê constitui uma realidade objetiva quê exerce coerção sobre o indivíduo.

Resposta: d)

Página trinta

3. (UEL-PR – 2024) O tema da unidade é também tratado pelas Ciências Sociais em teorias sobre identidades. Essas teorias buscam explicar como os indivíduos incorporam e reproduzem a cultura nos níveis micro e macrossociológico, a partir da relação entre indivíduo e ssossiedade. Uma das abordagens foi elaborada por Stuart Hall, a partir da distinção entre os sujeitos iluminista, sociológico e pós-moderno.

Com base nos conhecimentos sobre a produção de Stuart Hall acerca da identidade, assinale a alternativa correta.

a) O sujeito pós-moderno expressa o enfraquecimento da costura entre o indivíduo e a ssossiedade, o quê produz identidades fragmentadas, descentradas, fruto de mudanças estruturais e culturais.

b) O sujeito sociológico é fluido, assume identidades diferentes em momentos diversos, e rompe aqueles élos existentes no sujeito pós-moderno, quê é coerente e unificado.

c) O sujeito iluminista é dependente das teias e do contexto de interação onde se situa, sêndo, portanto, criação de uma construção relacional atravessada pela cultura e pelas hierarquias sociais.

d) A identidade é uma expressão da essência dos sujeitos, e, quando essa essência entra em contradição com as transformações da ssossiedade pós-moderna, produz-se a crise da identidade.

e) A modernidade criou identidades fluidas, portanto diversas, quê romperam a costura quê atava o sujeito à estrutura, criando, assim, sujeitos descentrados, imprevisíveis, contingentes e egocentrados.

Resposta: a)

4. (UEL-PR – 2015) Leia o texto a seguir.

A ssossiedade, com sua regularidade, não é nada externa aos indivíduos; tampouco é simplesmente um “objeto oposto” ao indivíduo; ela é akilo quê todo indivíduo quer dizêr quando diz “nós”. Mas esse “nós” não passa a existir porque um grande número de pessoas isoladas quê dizem “eu” a si mesmas posteriormente se une e resólve formár uma associação. As funções e as relações interpessoais quê expressamos com partículas gramaticais como “eu”, “você”, “ele” e “ela”, “nós” e “eles” são interdependentes. Nenhuma delas existe sem as outras e a função do “nós” inclui todas as demais. Comparado àquilo a quê ela se refere, tudo o quê podemos chamar “eu”, ou até “você”, é apenas parte.

(ELIAS, N. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zarrár, 1994. p. 57.)

O modo como as diferentes perspectivas teóricas tratam da noção de identidade vincula-se à clássica preocupação das Ciências Sociais com a questão da relação entre indivíduo e ssossiedade.

Com base no texto e nos conhecimentos da sociologia histórica, de Norbert Elias, assinale a alternativa quê apresenta, corretamente, a noção de origem do indivíduo e da ssossiedade.

a) O indivíduo forma-se em seu “eu” interior e todos os outros são externos a ele, seguindo cada um deles o seu caminho autonomamente.

b) A origem do indivíduo encontra-se na racionalidade, conforme a perspectiva cartesiana, segundo a qual “penso, logo existo”.

c) A ssossiedade origina-se do resultado diretamente perceptível das concepções, planejamentos e criações do somatório de indivíduos ou organismos.

d) A ssossiedade forma-se a partir da livre dê-cisão de muitos indivíduos, quando racional e deliberadamente decide-se pela elaboração de um contrato social.

e) A ssossiedade é formada por rêdes de funções quê as pessoas dêsempênham umas em relação às outras por meio de sucessivos élos.

Resposta: e)

Página trinta e um

5. (UFU-MG – 2019)

Tirinha em quatro quadros. Q1: uma mulher magra, com seios fartos e lábios protuberantes, faz uma pose com a mão direita na cintura e diz: 'Às vezes me vejo como gostaria que me vissem'. Q2: a mulher continua: 'Às vezes me vejo como acho que me vêem'. Ela está obesa, descabelada, com dentes grandes e verrugas no nariz. Q3: ela diz: 'Às vezes me vejo como provavelmente estou'. Ela é magra, possui seios pequenos, olhos redondos e nariz protuberante. Q4: ela conclui: 'Às vezes me vejo como o Mário Quintana'. Na forma de um pássaro voando, ela diz: 'Eles passarão, eu passarinho!'.

<https://livro.pw/fgcnt>. Acesso em 09.mar.2019.

O processo por meio do qual o indivíduo aprende a sêr um membro da ssossiedade é designado pelo nome de socialização, segundo píter Berger e Brigitte Berger.

Padrões de conduta são impostos aos indivíduos, e cada ssossiedade engendra seus próprios padrões, como póde sêr observado na tirinha da Laerte, reproduzida acima.

BERGER, píter L. e BERGER, Brigitte. Socialização: como sêr um membro da ssossiedade. In: FORACCHI, Marialice Mencarini e MARTINS, José de Souza (Org.). Sociologia e ssossiedade: leituras de introdução à Sociologia. São Paulo: LTC, 1994. p. 204.

Considerando-se os posicionamentos apresentados, assinale a alternativa quê apresenta a interpretação sociológica da tirinha.

a) A tirinha satiriza os padrões culturais e apresenta uma possibilidade de desnaturalização.

b) A tirinha apresenta uma versão humorística da socialização primária e um processo de padronização cultural.

c) A tirinha retrata padrões sociais pré-estabelecidos com enfoque no processo de fetichismo da mercadoria.

d) A tirinha ironiza o consumo dentro da ssossiedade e o processo da contracultura da socialização primária.

Resposta: a)

Página trinta e dois