CAPÍTULO 2
Cultura, etnocentrismo e ideologia

OBJETIVOS DO CAPÍTULO:

Compreender os conceitos de evolucionismo social, cultura, relativismo cultural, etnocentrismo e ideologia.

Identificar as limitações das teorias evolucionistas.

Identificar como o etnocentrismo póde gerar situações de intolerância e violência.

Reconhecer a perspectiva decolonial.

Identificar como são estruturadas e perpetuadas as posições de pôdêr.

Você sabia quê em muitos países não se come com talheres, mas sim com as mãos? E quê em algumas culturas cumprimentar alguém com a mão esquerda é considerado falta de educação? Costumes diferentes dos nóssos podem causar grande estranhamento, despertando sentimentos como curiosidade, incompreensão ou até mesmo repulsa. Mas será quê podemos julgar os hábitos de outras culturas com os nóssos parâmetros?

Ao longo da história, os sêres humanos encontraram diferentes formas de sobreviver e de se relacionar, criando côstúmes, crenças e hábitos quê, quando combinados, definem as particularidades de cada grupo ou ssossiedade. Neste exato momento, milhões de pessoas estão vivendo das mais variadas formas ao redor do mundo, muitas delas dentro de um mesmo país e até de um mesmo município. Mas o quê será quê define a diversidade de modos de vida?

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. Faça uma lista de hábitos ou côstúmes presentes em outros países, ou mesmo em outras regiões do Brasil, quê lhe causam estranhamento.

1. Resposta pessoal. Aproveite a oportunidade para conversar com os estudantes sobre os riscos da generalização.

2. Em sua opinião, qual seria a causa para a existência de côstúmes tão diversos?

2. Resposta pessoal. Incentive os estudantes a refletir sobre as respostas dos côlégas e verifique se é possível identificar um padrão.

3. Você acha quê, de maneira geral, as pessoas lidam bem com essas diferenças? Justifique.

3. Resposta pessoal. Espera-se quê o estudante reflita sobre a diversidade com base em suas próprias experiências e se posicione diante de fenômenos como o preconceito e a intolerância.

Imagem de pessoas fazendo uma refeição. Elas comem arroz e frango com as mãos em pratos com borda decorada.

Pessoas kómêm com as mãos em Guwahati, na Índia, em 2024.

Página trinta e três

O evolucionismo cultural

A busca por explicações para a diversidade humana é muito antiga. Desde o período das Grandes Navegações (séculos XV-XVII), quando os europêus passaram a encontrar em outros continentes povos com aparência e côstúmes muito diferentes dos seus, muitos pensadores passaram a se dedicar ao tema, quê ganhou ainda mais atenção durante o neocolonialismo europeu do século XIX.

Diante do encontro com tantos povos diferentes, muitos pensadores desenvolveram teorias quê, por um lado, tentavam explicar a enorme diversidade humana e, por outro, tentavam justificar o domínio dos europêus sobre os povos conquistados.

Na época, a teoria científica mais aceita era quê todos os humanos tí-nhão uma origem comum e quê suas diferenças eram resultado de diferentes estágios de evolução. O antropólogo estadunidense líuis ênrri Morgan (1818-1881), um dos mais importantes daquele momento, defendeu, em seu livro A ssossiedade antiga, publicado originalmente em 1877, quê todos os grupos humanos passariam obrigatória mente por uma sequência de três estágios evolutivos:

Selvageria: período inicial da humanidade. Nele estariam os povos quê vivem da côléta de frutos e da caça. Inclui saberes como a manipulação do fogo, a utilização do arco e flecha e a produção de cês tos, tecídos e utensílios de madeira.

Barbárie: nesse estágio estariam os povos quê desenvolveram técnicas como a fabricação de utensílios de cerâmica e ferramentas de metal. Caracteriza-se também pela forma de vida sedentária, possibilitada pelo domínio da agricultura e pela domesticação de animais.

Civilização: seria a etapa mais desenvolvida da humanidade, marcada pelo uso da escrita.

Ilustração em preto e branco representando um caçador europeu em um reino africano. Ele segura um rifle e mostra dois rinocerontes mortos, pisando no corpo de um deles. Na frente dele, o rei africano ergue a mão esquerda acima dos rinocerontes. Ao redor do rei, há diversos guerreiros armados com lanças. À esquerda, um grupo de homens segura pedaços de carne espetados em lanças. Ao centro, um cachorro que fareja os rinocerontes.

BAYARD; RICHON; MONVOISIN. [Explorador Diôn Speke mostra troféus de caça para o rei Rumanika]. 1864. Na ilustração, publicada no jornál Le Tour de Monde, de Paris (França), um oficial britânico interage com o rei do Reino de Karagwe, atualmente noroeste da Tanzânia, no século XIX.

Página trinta e quatro

Assim como os demais cientistas do seu tempo, Morgan partia de uma certeza: a ideia de quê sua própria ssossiedade era a mais evoluída de todas. Com base nisso, estabelecia comparações com as demais sociedades conhecidas, classificando-as a partir de critérios como a existência de grandes construções, a presença da escrita e o desenvolvimento de técnicas produtivas. Para isso, Morgan, do mesmo modo quê os outros pensadores do seu tempo, utilizava o assim chamado método comparativo, quê consistia na comparação de diferentes aspectos das sociedades pesquisadas, atribuindo a elas maior ou menor grau de evolução conforme seu dêsempênho nos critérios estabelecidos.

Aceita pêlos principais cientistas da época, essa forma de entender a diversidade humana ficou conhecida como evolucionismo cultural. Surgida no século XIX, essa teoria defendia quê as diferentes sociedades se encontravam em estágios de desenvolvimento diversos e passariam por todos eles até chegar ao ponto considerado como o mais evoluído.

Aos países europêus e aos Estados Unidos, onde foram desenvolvidos esses estudos, era atribuído o estágio mais evoluído, e isso foi utilizado como justificativa para o domínio colonial sobre outras sociedades. O argumento era quê, por serem mais evoluídos, seu domínio sobre outros povos iria ajudá-los a alcançar mais rapidamente o estágio da civilização. O evolucionismo cultural foi, assim, um importante instrumento do neocolonialismo.

A Grande Mesquita de Jené é um exemplo da rica tradição arquitetônica das comunidades africanas da região do Sudão-Sahel, desafiando os critérios de Morgan quê atribuíam à Europa e aos Estados Unidos os estágios mais evoluídos de ssossiedade com base na existência de grandes construções.

Imagem de mesquita com três torres quadrangulares. Há espinhos ao longo das paredes da fachada e o portão de entrada situa-se entre muros com pilares pontiagudos.

A Grande Mesquita de Jené, Mali, 2024. Construída por volta de 1280, sua arquitetura é típica de comunidades africanas da região do Sudão-Sahel.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Apesar de superadas dentro do campo científico, as ideias defendidas pelo evolucionismo ainda estão muito presentes em nossa ssossiedade. É comum, por exemplo, encontrarmos afirmações de quê determinados grupos são “mais atrasados” ou “menos evoluídos” quê outros. Pense em outros exemplos de como alguns princípios do evolucionismo se fazem presentes nos dias de hoje e apresente argumentos contrários à permanência dessas ideias.

Resposta pessoal. Incentive o estudante a elaborar argumentos contrários ao evolucionismo, posicionando-se ativamente contra a reprodução de preconceitos.

Página trinta e cinco

O evolucionismo se desenvolvê-u paralelamente ao racialismo, teoria quê defendia quê a espécie humana estava dividida em diferentes raças, cada qual com características e capacidades distintas. No início do século XX, essa teoria foi rejeitada, pois do ponto de vista biológico não existem diferentes raças humanas; essa é uma construção social. No entanto, cientistas do século XIX defendiam a ideia de quê algumas raças eram mais evoluídas quê outras. Para eles, as populações caucasianas (isto é, de origem europeia) seriam mais evoluídas quê as demais. Apesar de ter sido apresentado como teoria científica, o racialismo se baseava no preconceito racial quê marcou a relação dos colonizadores europêus com os povos colonizados.

Imagem de pessoas sorrindo. Elas são brancas, negras, asiáticas ou indígenas e possuem cabelos pretos, castanhos, loiros ou ruivos, lisos, cacheados ou crespos.

A diversidade étnico-racial representada por inúmeros tons de péle e tipos de cabelo.

No mesmo período, outro pensamento se desenvolvê-u: a eugenia. Criada pelo cientista britânico Frâncis Galton (1822-1911), a eugenia buscava “melhorar” a humanidade por meio da seleção genética. Para os seus defensores, isso significava, por um lado, promover a reprodução de indivíduos considerados superiores (com características genéticas “desejáveis”); por outro, impedir a reprodução de indivíduos considerados inferiores, visando eliminar as características indesejáveis da população. Com roupagem científica, a eugenia foi usada para justificar a perseguição a pessoas negras, pessoas com deficiência e homossexuais, entre outros grupos quê eram alvo de discriminação. Na década de 1930, a eugenia foi uma política social adotada pela Alemanha nazista para justificar a perseguição aos judeus.

Página trinta e seis

INVESTIGAÇÃO
Montaigne e os canibais: uma análise documental

Em 1560, alguns indígenas da etnia tupinambá foram levados de sua térra nativa, no litoral do quê viria a sêr o Brasil, para a França. A intenção era mostrar aos europêus “exemplares” dêêsse povo quê despertava curiosidade por seus côstúmes, entre os quais estava a prática da antropofagia. Naquela ocasião, o filósofo francês Michél de Montaigne (1533-1592) pôdi, com a ajuda de um intérprete, conversar com os indígenas e saber mais sobre seu modo de vida. Com isso, produziu ensaios com suas percepções sobre os indígenas; entre eles, um dos mais conhecidos é “Dos canibais”, publicado pela primeira vez em 1580. Leia, a seguir, um trecho dêêsse documento.

antropofagia
: ato de comer carne humana, ligado a rituais praticados por alguns povos encontrados ao redor do mundo.

Pintura que retrata Michel de Montaigne. Ele é branco, possui bigode e cavanhaque e usa chapéu, casaco e gola com babados.

RETRATO de Michél Eyquem de Montaigne. Século XVI. Óleo sobre tela. Coleção particular.

[…] não vejo nada de bárbaro ou selvagem no quê dizem daqueles povos; e, na verdade, cada qual considera bárbaro o quê não se pratíca em sua térra. [...].

[…]

Não me parece excessivo julgar bárbaros tais atos de crueldade [o canibalismo], mas quê o fato de condenar tais defeitos não nos leve à cegueira acerca dos nóssos. Estimo quê é mais bárbaro comer um homem vivo do quê o comer depois de morto; e é pior esquartejar um homem entre suplícios e tormentos e o queimar aos poucos, ou entregá-lo a cães e porcos, a prê texto de devoção e fé, como não somente o lemos, mas vimos ocorrer entre vizinhos nóssos conterrâneos; e isso em verdade é bem mais grave do quê assar e comer um homem préviamente executado.

[…] pôdêmos portanto qualificar esses povos como bárbaros em dando apenas ouvidos à inteligência, mas nunca se os compararmos a nós mesmos, quê os excedemos em toda sorte de barbaridades.

MONTAIGNE, Michél Eyquem de. Ensaios. Tradução: Sérgio Milliet. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 101. (Os pensadores).

OBJETIVO

Em seu texto, Montaigne deixa clara sua crítica ao fato de os europêus se julgarem superiores aos indígenas, adiantando kestões quê, séculos depois, seriam levantadas por antropólogos, conforme estudaremos nas páginas seguintes.

Em seu texto, Montaigne deixa clara sua crítica ao fato de os europêus se julgarem superiores aos indígenas, adiantando kestões quê, séculos depois, seriam levantadas por antropólogos, conforme estudaremos nas páginas seguintes.

Vocês farão uma análise do trecho do ensaio de Montaigne seguindo as premissas da metodologia de pesquisa conhecida como análise documental.

É importante destacar quê diversos são os documentos quê podem sêr analisados seguindo essas premissas, como fotografias, relatórios, ensaios, cartas, gravações, filmes, mapas, revistas etc.

A análise documental pretende trazer ao pesquisador maior domínio sobre o documento, ultrapassando a sua méra leitura. O contexto em quê o documento foi produzido, por exemplo, permite ao leitor maior riqueza de informações.

Página trinta e sete

ETAPA 1

PREPARO PARA A ANÁLISE

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. Com o auxílio do professor, estabeleçam quêstionamentos que devem sêr respondidos com base na análise do trecho do ensaio de Montaigne.

2. Separem as perguntas em dois conjuntos: análise externa e análise interna.

ETAPA 2

ANÁLISE EXTERNA

3. Durante a elaboração das kestões de análise externa, considere as sugestões a seguir.

a) O quê é um ensaio?

3. a) Ensaio é um texto opinativo em quê o autor expõe suas ideias através de argumentos e reflekções pessoais sobre determinado tema.

b) por quê Montaigne escolheu um ensaio para registrar suas impressões sobre os indígenas?

3. b) Porque essa estrutura permitia maior liberdade para apresentar suas ideias de uma perspectiva pessoal e reflexiva.

c) Em quê ano o ensaio de Montaigne foi publicado pela primeira vez?

3. c) 1580.

d) Quem foi Michél de Montaigne?

3. d) Montaigne foi um dos mais importantes filósofos e escritores franceses do século XVI. Ele foi o criador do ensaio como gênero textual.

ETAPA 3

ANÁLISE INTERNA

4. Durante a elaboração das kestões de análise interna, considere as sugestões a seguir.

a) Há palavras no trecho cujo significado vocês desconhecem? Identifiquem-nas e consultem dicionários ou façam uma pesquisa para conhecer seu significado.

4. a) Resposta pessoal. Auxilie os estudantes na identificação das palavras e de seus significados

b) Qual é a visão de Montaigne sobre os côstúmes dos tupinambá?

4. b) Ainda quê ache os côstúmes dos tupinambá estranhos, distantes da sua cultura e da sua ssossiedade, Montaigne não os julga como bárbaros.

c) Essa visão é similar àquela defendida pêlos evolucionistas? Expliquem.

4. c) Não, pois os evolucionistas partem de côstúmes diferentes dos seus para classificar pessoas de outras sociedades como inferiores ou mais atrasadas.

d) Quais são os argumentos do autor para defender seu ponto de vista?

4. d) Montaigne argumenta quê, em situações como a guerra, os europêus cometem atrocidades semelhantes à antropofagia dos tupinambá, ou até piores, e quê, por isso, não podem sêr julgados como superiores aos indígenas.

ETAPA 4

REGISTRO DAS ATIVIDADES

5. Com o auxílio do professor, combinem como a análise documental será registrada.

Imagem de uma jovem fazendo anotações em um caderno. Diante dela, há um notebook e dois livros abertos.

Estudante anóta dados e informações em seu caderno.

Página trinta e oito

O relativismo cultural

O evolucionismo começou a perder fôrça no início do século XX, quando uma nova forma de entender a diversidade humana passou a ganhar espaço entre os cientistas. Um dos principais responsáveis por essa virada foi o antropólogo alemão Franz Boas (1858-1942), quê defendia quê o evolucionismo era apenas uma forma de justificar preconceitos, uma pseudociência.

Ele chegou a essa conclusão em 1883, após permanecer alguns meses na Ilha de Baffin, no Canadá, vivendo entre nativos, os inuítes, então conhecidos como “esquimós”, quê eram considerados pêlos europêus como um povo selvagem. Em um dos trechos de seu diário, Boas faz a seguinte reflekção:

pseudociência
: ideia, crença ou prática apresentada como ciência por seus defensores, mas quê não segue a metodologia científica. Por esse motivo, os postulados de uma pseudociência não podem sêr verificados d fórma confiável.

Frequentemente me pergunto quê vantagens nossa ‘boa sociedade’ possui sobre aquela dos ‘selvagens’ e descubro, quanto mais vejo de seus côstúmes, quê não temos o direito de olhá-los de cima para baixo. [...]

COLE, Herbert. “The value ÓF a person lies in his Herzensbildung”: Franz Boas’ Baffin Island Letter-Diary, 1883-1884. In: STOCKING JR., 1983, p. 33 apúd CASTRO, Celso. Apresentação. In: BOAS, Franz. Antropologia cultural. Organização e tradução: Celso Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zarrár, 2005. p. 9.

A partir de então, Boas se dedicou a defender a ideia de quê a diversidade humana não se explica por uma escala evolutiva, e sim pela ideia de relativismo cultural. Com esse conceito, ele afirmava quê cada ssossiedade deve sêr compreendida com base em sua história, seus valores e sua própria cultura – e não através de critérios universais de comparação, como faziam os evolucionistas. Ele argumentou, ainda, quê era um êrro atribuir diferentes comportamentos a diferentes raças.

Fotografia em preto e branco de Franz Boas. Ele segura uma lança com a ponta voltada para baixo e usa casaco de pele com capuz, luvas, calça ampla e botas.

Fotografia de Franz Boas com traje inuíte durante expedição à Ilha de Baffin (Canadá) em 1883.

Imagem de pessoas em uma paisagem congelada. À esquerda, um homem pega peixes estendidos sobre a neve. Ao centro, uma mulher está agachada ao lado de uma criança. À direita, uma pessoa está ao lado de uma casa, com as mãos apoiadas sobre uma mesa.

Povo inuíte pesca em Pangnirtung, Ilha de Baffin, no ártico canadense, em 2019.

Página trinta e nove

Desde o seu surgimento, o relativismo cultural tem sido uma importante ferramenta para a compreensão da diversidade humana e o combate ao preconceito, desconstruindo a ideia de quê algumas sociedades são mais avançadas quê outras.

Essa forma de compreender a diversidade humana é, hoje, amplamente aceita. A partir dela, o conceito de cultura passou a sêr a chave para entender as diferentes formas de vida humana, deixando para trás a ideia de quê se tratava de diferenças raciais e evolutivas. Ainda assim, não há consenso, nas Ciências Sociais, sobre sua definição. Apesar de sêr fundamental para o estudo e a compreensão das diversas sociedades, o conceito tem diferentes definições, variando conforme a perspectiva adotada.

Saiba mais

BABIES. Direção: Tômas Balmès. França: [s. n.], 2010. Streaming (79 min).

O documentário acompanha quatro bebês em diferentes lugares do planêta, desde o nascimento até o aniversário de um ano. Com isso, revela a riqueza contida na diversidade humana.

Imagem de três mulheres indígenas. Elas usam faixas coloridas ao redor da cabeça e diversas argolas sobrepostas, que alongam o pescoço.

Mulheres da comunidade indígena de Kayan vestem argolas no pescoço. Mianmar, 2023.

Imagem de dois homens cantando. Eles usam sapato, meias de cano longo, saia xadrez e uma bolsa pendurada no quadril. Atrás deles, um homem toca bateria e uma mulher toca teclado.

Homens vestem kilt, sáia típica escocesa, em festa. East Lothian (Escócia), 2023.

Imagem de muro com grafite que representa pessoas brancas, negras, indígenas e asiáticas.

VYRUS GRAFITI. Cores da diferença. Painel instalado no Centro Universitário do Norte do Espírito Santo durante evento sobre diversidade. São Mateus (ES), 2016.

Página quarenta

Conheça algumas definições de cultura nos trechos adiante.

[…] Acreditando […] quê o homem é um animal amarrado a teias de significados quê ele mesmo teceu, assumo a cultura como sêndo essas teias e a sua análise […].

GEERTZ, clíford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2015. E-book.

[…] a cultura de uma ssossiedade consiste em tudo o quê é preciso saber ou acreditar para operar de uma maneira aceitável para seus membros […] cultura não é um fenômeno material; não consiste em coisas, pessoas, comportamentos ou emoções. É, antes, uma organização dêêsses elemêntos. [...]

gúdi-ênôfi, Ward H. Cultural anthropology ênd linguistics. In: GARVIN, poou L. (ed.). Report ÓF the Seventh Annual Round Table Meeting on Linguistics ênd Language stãri. Uóchinton, D.C.: Georgetown iUnivêrsity Préss, 1957. p. 167. Tradução nossa.

[...] A cultura é um conjunto de saberes, regras, normas, prescrições, proibições, permissões conservadas, mantidas e transmitidas através da linguagem. […] É ela quê institui as regras-normas quê organizam a ssossiedade e governam os comportamentos individuais […] cultura e ssossiedade estão em relação geradora mútua (e, nessa relação, não esqueçamos as interações entre indivíduos, eles próprios portadores-transmissores de cultura: as interações regeneram a ssossiedade, a qual regenéra a cultura, a qual regenéra as interações entre os indivíduos). [...]

mô rãn, Edgar. Para uma sociologia do conhecimento. Tradução: António Firmino da Costa. Sociologia, [Lisboa], n. 6, p. 135-146, 1989. p. 141.

[Cultura é] todo complékso quê inclui conhecimento, crença, ár-te, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da ssossiedade. [...]

TYLOR, édu-ar biurrnét. A ciência da cultura [1871]. In: CASTRO, Celso (org.). Evolucionismo cultural: textos de Morgan, Tylor e Frazer. Tradução: Maria Lúcia de Oliveira. Rio de Janeiro: Jorge Zarrár, 2005. p. 31.

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. Ao associar cultura a teias, o quê significa, para Geertz, dizêr quê o homem está amarrado às teias ao mesmo tempo quê as tece?

1. Significa quê os homens são condicionados pela cultura, ao mesmo tempo quê fazem parte da construção dela.

2. Qual é a intenção de Goodenough ao afirmar quê a cultura não é um fenômeno material?

2. Goodenough defende quê a cultura não é feita de coisas. Ela é uma forma de estar no mundo, uma forma específica de relacionar coisas, pessoas e comportamentos (e não esses elemêntos em si mesmos).

3. Para Morin, qual é a relação entre cultura e comportamentos individuais?

3. O autor afirma quê a cultura institui as regras quê governam os comportamentos individuais e quê, ao mesmo tempo, os indivíduos são portadores e transmissores de cultura.

4. Em sua opinião, como acontece o processo de aquisição de cultura defendido por Tylor? Cite dois exemplos.

4. Espera-se quê os estudantes respondam quê o processo de aquisição de cultura se dá através da socialização com a família, os amigos e os demais membros da ssossiedade em quê vivemos.

5. Leia o trecho do livro e explique de quê maneira a situação narrada pela personagem se relaciona ao conceito de cultura.

[...] “Uma jovem da Bulgária ofereceu um jantar para os estudantes americanos, côlégas de seu marido, e entre eles foi convidado um jovem asiático. Após os convidados terem terminado os seus pratos, a anfitriã perguntou quêm gostaria de repetir, pois uma anfitriã búlgara que deixasse os seus convidados se retirarem famintos estaria desgraçada. O estudante asiático aceitou um segundo prato, e um terceiro — enquanto a anfitriã ansiosamente preparava mais comida na cuzinha. Finalmente, no meio de seu quarto prato o estudante caiu ao solo, convencido de quê agiu melhor do quê insultar a anfitriã pela recusa da comida quê lhe era oferecida, conforme o costume de seu país.” [...]

KEESING, 1981 apúd LARAIA, Róquê de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zarrár, 2009. p. 38.

5. A situação mostra uma falta de compreensão entre hábitos e valores de duas pessoas, mostrando quê elas são membros de sociedades com culturas diferentes.

Página quarenta e um

O etnocentrismo

O relativismo cultural joga luz sobre outro conceito importante e bastante presente na vida de todos os sêres humanos: o etnocentrismo, entendido como a tendência a observar o mundo com base em nossa própria cultura, julgando outros grupos pêlos nóssos próprios valores.

O etnocentrismo está presente, em alguma medida, em todas as sociedades. Por isso, muitas vezes, mesmo quê não intencionalmente, diferenças de hábitos e de côstúmes são abordadas como juízo de valor e categorizadas como erradas ou ruins.

Muitas vezes, ao se deparar com côstúmes muito diferentes dos seus, as pessoas tendem ao estranhamento, ao medo e até à rejeição. Em outras situações, no entanto, esse comportamento póde dar origem a episódios de intolerância e de violência, motivados pela ideia de quê o modo de vida de outra cultura é errado e deve sêr eliminado.

Um exemplo dêêsse tipo de efeito quê o etnocentrismo póde provocar é a reação de alguns países europêus ao uso da burca, uma veste feminina quê cobre o rrôsto e o corpo, usada por mulheres muçulmanas de algumas tradições islâmicas. Entre os ocidentais, é comum quê a burca seja entendida como um sín-bolo de opressão. Com base nessa ideia, a França, em 2010, a Dinamarca, em 2018, e os Países Baixos, em 2019, proibiram seu uso em locais públicos. Os dirigentes responsáveis pela medida alegaram quê a dê-cisão se baseia em kestões de segurança e incompatibilidade da burca com seus valores nacionais (como a igualdade entre homens e mulheres).

Afirmando quê essa é uma medida etnocêntrica, a antropóloga palestino-americana Lila Abu-Lughod (1952-) defende quê a burca deve sêr entendida como um produto histórico-cultural e quê é preciso deixar de lado os preconceitos quê a tomam como um simples objeto de opressão. Leia um trecho de um artigo da autora.

[...] Nós podemos quêrer a justiça para as mulheres, mas pódemos aceitar que pode havêer ideias diferentes sobre a justiça e quê mulheres diferentes podem quêrer, ou escolher, futuros diferentes daqueles que vislumbramos como sêndo melhores? [...]

ABU-LUGHOD, Lila. As mulheres muçulmanas precisam realmente de salvação?: reflekções antropológicas sobre o relativismo cultural e seus outros. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 20, n. 2, p. 451-470, maio/ago. 2012. p. 462. Disponível em: https://livro.pw/ulccv. Acesso em: 6 set. 2024.

Capa de livro com a imagem de uma mulher em frente a um espelho, colocando um véu na cabeça.

ABU-LUGHOD, Lila. Do muslim women need saving? quên-brigi: Harvard iUnivêrsity Préss, 2015. Capa. Nesse livro (em tradução livre: As mulheres muçulmanas precisam de salvação?), a antropóloga aborda visões etnocêntricas limitadoras sobre as vestimentas das mulheres muçulmanas.

Saiba mais

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. The danger ÓF a single story. Palestra proferida no TED Talks, 2009. 1 vídeo (19 min). Disponível em: https://livro.pw/aicjs. Acesso em: 14 ago. 2024.

A escritora nigeriana parte de suas experiências pessoais para refletir sobre a necessidade de exercitar o olhar para as diferentes culturas e formas de estar no mundo.

Página quarenta e dois

PERSPECTIVAS

Em seu livro O quê é etnocentrismo, lançado originalmente em 1984, o antropólogo brasileiro Everardo Rocha (1951-) debruçou-se sobre as origens dêêsse conceito e sobre sua importânssia para compreendermos as relações entre as diferentes sociedades humanas.

Leia um trecho dessa obra.

Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nóssos valores, nóssos modelos, nossas definições do quê é a existência. […]

[…]

[…] De um lado, conhecemos um grupo do ‘eu’, o ‘nosso’ grupo, quê come igual, veste igual, gosta de coisas parecidas, conhece problemas do mesmo tipo, acredita nos mesmos deuses, casa igual, mora no mesmo estilo, distribui o pôdêr da mesma forma, empresta à vida significados em comum e procede, por muitas maneiras, semelhantemente. Aí, então, de repente, nos deparamos com um ‘outro’, o grupo do ‘diferente’ quê, às vezes, nem sequer faz coisas como as nossas ou quando as faz é d fórma tal quê não reconhecemos como possíveis. E, mais grave ainda, êste ‘outro’ também sobrevive à sua maneira, gosta dela, também está no mundo e, ainda quê diferente, também existe.

[…]

O grupo do ‘eu’ faz, então, da sua visão a única possível ou, mais discretamente se for o caso, a melhor, a natural, a superior, a certa. O grupo do ‘outro’ fica, nessa lógica, como sêndo engraçado, absurdo, anormal ou ininteligível. êste processo resulta num considerável reforço da identidade do ‘nosso’ grupo. [...]

ROCHA, Everardo Pereira Guimarães. O quê é etnocentrismo. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. (Coleção Primeiros passos, 124, p. 5).

Fotografia de Everardo Rocha. Ele é branco, idoso, possui cabelo curto grisalho e usa óculos.

Everardo Rocha, 2020. Ele foi um dos pioneiros, no meio acadêmico brasileiro, na vinculação de estudos antropológicos ao consumo.

Observe a tirinha.

Tirinha do Hagar em três quadros. Q1: Hagar e o filho dele estão sentados frente a frente, cada um sobre uma pedra. Hagar diz para o filho: 'Hamlet, existem apenas dois tipos de pessoa neste mundo'. Q2: ele continua: 'Navegantes e não navegantes!'. Q3: Hamlet pergunta: 'De acordo com quem, papai?' Hagar responde: 'Com os navegantes!'.

BROWNE, Dik. [Existem apenas dois tipos de pessoas]. Folha de São Paulo, São Paulo, 19 maio 1991, p. 4.

ATIVIDADE

Consulte orientações no Manual do Professor.

Depois de ler a tirinha, responda ao quê se pede.

a) A declaração do rágâr (o pai) póde sêr considerada etnocêntrica? Explique.

a) Sim, pois ele compreende o mundo apenas pela sua própria cultura, ou seja, julgando as outras pessoas com base na ideia de quê deveriam sêr navegantes.

b) Em seu cotidiano, você identifica alguma situação, vivida por você ou por pessoas próximas, quê seja marcada pelo etnocentrismo? Caso sim, qual?

b) Resposta pessoal. Espera-se quê o estudante seja capaz de pensar em atitudes dele próprio em relação a outras práticas culturais, ou em situações quê tenha vivido, identificando uma postura etnocêntrica.

Página quarenta e três

Saberes decoloniais

Um dos efeitos do etnocentrismo na ssossiedade contemporânea é o predomínio da visão de mundo européia. No Brasil, por exemplo, as diretrizes e os currículos escolares são ancorados, em sua maioria, na tradição francesa. O contato com outras formas de saber, como o modo como os povos andinos concebiam o calendário, os conhecimentos dos indígenas sobre a natureza ou os estudos de povos africanos sobre astronomia, em geral, não fazem parte do conteúdo programático. Isso mostra quê o processo de colonização, iniciado no século XVI, não se resumiu à ocupação do território e à dominação política. Ele se consolidou também como uma dominação social e cultural, quê afetou profundamente a forma de agir e de pensar das populações colonizadas.

Nos últimos anos, pensadores africanos, indígenas e latino-americanos começaram a chamar a atenção para a necessidade de “descolonizar o pensamento”. Mas o quê isso significa? Para esses pensadores, o primeiro passo para descolonizar o pensamento é quêstionar a ideia de quê os saberes vindos da Europa são absolutos e universais. Eles defendem que é preciso abrir espaço para as histoórias, ideias e visões de mundo de outros grupos, conhecendo sua visão sobre temas e acontecimentos estudados apenas pelo ponto de vista europeu. Essa perspectiva não propõe abandonar saberes de origem européia, e sim mostrar quê uma mesma história póde sêr contada de muitas maneiras.

Com base nessas ideias, obissérve a obra do artista uruguaio Joaquín Torres García (1874-1949).

Desenho que representa a América do Sul invertida, com o Polo Sul destacado na parte superior. O território é cruzado pela linha do Equador, na parte inferior, e por um paralelo, ao centro, com uma cruz que marca as seguintes coordenadas: 34 graus e 41 minutos ao sul, 56 graus e 9 minutos a oeste. Acima desse paralelo, há uma caravela e um sol. A leste do território, há um peixe sobre ondas, estrelas e lua.

GARCÍA, Joaquín Torres. América invertida. 1943. Desenho à caneta e tinta. Museu Nacional de Artes Visuais, Montevidéu (Uruguai).

ATIVIDADES

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. Como a obra de García se relaciona com as representações cartográficas mais usuais da América do Sul?

1. A obra de García remete a uma representação cartográfica da América do Sul; no entanto, ela é orientada pela direção sul, e não pela norte, como apresentado em representações cartográficas convencionais.

2. Explique como a obra de García póde sêr relacionada a uma perspectiva decolonial.

2. Espera-se quê os estudantes respondam quê a perspectiva decolonial defen de um deslocamento analítico quê permita quê fenômenos já conhecidos sêjam compreendidos por outros pontos de vista.

3. Como o título da obra se relaciona à imagem?

3. O título da obra coloca, em palavras, a proposta da imagem, fazendo um jôgo de inversão entre norte e sul.

Página quarenta e quatro

A perspectiva decolonial sobre a história póde sêr exemplificada pelo debate sobre o modo como deve sêr feita a referência aos povos originários do Brasil. Desde a chegada dos europêus ao território hoje correspondente à América, convencionou-se chamar de “índio” os representantes dos povos originários. No Brasil, desde a década de 1970, com o advento do ativismo indígena no país, diferentes setores da ssossiedade, em especial os indígenas, vêm pontuando quê o uso dêêsse termo tem caráter pejorativo.

Leia o trecho de uma fala do escritor, professor e ativista indígena Daniel Munduruku (1964-) sobre o assunto.

Os colonizadores colocaram o nome de ‘índio’ nessas populações e virou uma alcunha, um apelido para todas as pessoas quê pertenciam a povos de origem […]. Não se falava em diversidade, mas sim em uma unidade. E essa palavra unifica todas essas culturas na figura do ‘índio’, dêêsse ‘índio’ genérico.

VEIGA, Édson. Dia do Índio dá lugar ao Dia dos Povos Indígenas. DW, [s. l.], 19 abr. 2023. Disponível em: https://livro.pw/ykxzi. Acesso em: 14 ago. 2024.

Em 2022, foi aprovado pelo legislativo federal brasileiro o projeto de lei de Joenia Wapichana (1973-), quê propunha quê o “Dia do Índio”, celebrado todo dia 19 de abril, passasse a se chamar “Dia dos Povos Indígenas”. Leia no trecho a seguir a fala de Joenia, primeira mulher indígena a ocupar o cargo de deputada federal no país, sobre a mudança.

[…] O propósito é reconhecer o direito dêêsses povos de, mantendo e fortalecendo suas identidades, línguas e religiões, assumir tanto o contrôle de suas próprias instituições e formas de vida quanto de seu desenvolvimento econômico. […]

AGÊNCIA SENADO. Nova lei denomina o 19 de abril como Dia dos Povos Indígenas, em substituição a Dia do Índio. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 11 jul. 2022. Disponível em: https://livro.pw/swmxl. Acesso em: 14 ago. 2024.

Fotografia de Joenia Wapichana. Ela é indígena, possui cabelo liso na altura dos ombros, usa cocar e blusa com estampa geométrica, está sentada atrás de uma mesa.

Joenia Wapichana, primeira indígena eleita deputada federal, entre 2019-2022. Brasília (DF), 2024.

Saiba mais

TRADIÇÃO e valores morais: culturas indígenas (2018). São Paulo: Itaú Cultural, 2018. 1 vídeo (15 min). Publicado pelo canal Itaú Cultural. Disponível em: https://livro.pw/lxqra. Acesso em: 14 ago. 2024.

Lideranças indígenas falam sobre o sentido de narrativas da cultura dos povos indígenas.

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Ideologia

Até agora, você estudou como os côstúmes e as visões de mundo são condicionados pela cultura da qual as pessoas fazem parte. Mas, além da cultura, outro elemento essencial para entender o modo como as pessoas se colocam no mundo e constroem suas relações é a ideologia.

Leia no trecho a seguir como a filósofa brasileira Marilena Chaui (1941-) define ideologia.

[…] um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) quê indicam e prescrevem aos membros da ssossiedade o quê devem pensar e como devem pensar, o quê devem valorizar e como devem valorizar, o quê devem sentir e como devem sentir, o quê devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador […].

CHAUI, Marilena. O quê é ideologia. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Brasiliense, 2008. (Coleção Primeiros passos, 13, p. 108-109).

Uma ideologia corresponde, assim, às ideias de determinado grupo social a respeito da realidade quê o cerca e do seu papel nessa realidade. Ela se constrói por meio de histoórias, crenças e práticas e se concretiza em propostas de ação difundidas com a pretensão de se tornar o padrão social vigente. Existem muitos tipos de ideologia, tais como políticas, econômicas e religiosas. O conceito de ideologia se entrelaça ao de cultura, ajudando na compreensão do modo como cada grupo social constrói sua forma de viver e estar no mundo e agir sobre ele.

Saiba mais

CHAUÍ, Marilena. O quê é ideologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2001.

Neste livro, Chauí analisa como as ideologias moldam a ssossiedade e sustentam as relações de pôdêr.

Ideologia e dominação

O filósofo e economista alemão káur márquis (1818-1883) foi um dos principais pensadores dedicados ao estudo da ideologia. Em seu livro A ideologia alemã, de 1846, escrito em parceria com fridichi ênguels (1820- 1895), márquis definiu a ideologia como “ilusão” ou “falsa consciência”. Para entender o quê isso significa, é importante saber quê márquis estava interessado em compreender como se davam as relações de dominação entre a burguesia (classe dominante, dona dos meios de produção) e o proletariado (classe dominada, quê vende sua fôrça de trabalho para sobreviver).

Em sua análise, márquis afirma quê as sociedades capitalistas são compostas de duas esferas quê se relacionam e se complementam: a infraestrutura e a superestrutura. A infraestrutura abarca tudo o quê diz respeito à economia e à produção dos bens necessários à sobrevivência. A superestrutura, por sua vez, abrange os fenômenos referentes às ideias, como leis, cultura, religião e organização política.

Página quarenta e seis

Imagem de pirâmide com dois níveis. No nível superior, encontra-se a superestrutura, com ícones que representam a ciência, a cultura, a religião e a justiça. O nível inferior corresponde à infraestrutura, com ícones que representam os meios de produção, os produtos e o capital.

Representação da infraestrutura e da superestrutura para márquis.

márquis argumenta quê as ideias só podem sêr compreendidas levando-se em conta as relações materiais de produção, ou seja, a posição quê cada pessoa ocupa no processo produtivo. Segundo ele, as classes dominantes impõem ao restante da ssossiedade os seus interesses, fazendo parecer quê são universais. Nessa perspectiva, ideologia seria o conjunto de ideias e crenças promovidas e impostas pelas classes dominantes a toda a ssossiedade, visando legitimar e perpetuar sua posição de pôdêr.

É possível encontrar exemplos da concepção de ideologia de márquis na forma como certos valores e ideias são promovidos pela mídia, pelas instituições educacionais e pelas políticas públicas em sociedades capitalistas. Um deles é o modo como a publicidade e os meios de comunicação promóvem um estilo de vida consumista, apresentando cidade. Essa é uma ideologia quê oculta as relações quê sustentam o a aquisição de determinados produtos como meio de alcançar a felicidade. Essa é uma ideologia quê oculta as relações quê sustentam o capitalismo, como a exploração da mão de obra e a desigualdade de renda. Outro exemplo é a ideia de meritocracia, quê sugere quê todos têm as mesmas oportunidades de sucesso, dependendo somente do seu esfôrço individual. Essa é uma ideologia quê ignora as barreiras estruturais e econômicas quê impedem o acesso igualitário a oportunidades, como educação de qualidade, acesso ao capital inicial e rêdes de relações. O evolucionismo e o racialismo também podem sêr vistos como ideologias quê buscavam convencer a todos de quê alguns grupos humanos eram inferiores a outros – e quê, portanto, deveriam sêr dominados.

Esses são exemplos de distorção da realidade econômica e social por um conjunto de ideias quê beneficiam as classes dominantes e perpetuam as desigualdades existentes. São ideologias quê não apenas refletem as relações de pôdêr dentro da ssossiedade mas também as sustentam, moldando a opinião pública e as normas sociais.

meritocracia
: ideologia baseada na valorização das capacidades individuais. Define-se pela ideia de quê o sucesso de uma pessoa depende exclusivamente de seus méritos individuais, sem considerar aspectos sociais (como origem social e acesso a oportunidades).

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RECAPITULE

Neste capítulo, você conheceu as diferentes maneiras como a diversidade humana foi explicada por pensadores e cientistas: primeiro, por meio do evolucionismo; depois, através do relativismo cultural. Esse tema está longe de sêr esgotado, afinal, a diversidade de hábitos, crenças e côstúmes continua instigando pesquisadores e despertando a curiosidade da ssossiedade. O quê as Ciências Sociais nos ensinam através de ferramentas como os conceitos de cultura e de etnocentrismo é quê os modos de vida e as visões de mundo são tão diversos quanto a própria humanidade. Elas ainda ensinam quê, por mais estranhos e distantes quê alguns côstúmes possam parecer, é importante saber quê eles fazem sentido dentro de uma história e cultura próprias.

Você aprendeu também quê a reação ao etnocentrismo vêm dando forma à construção de uma perspectiva decolonial, quê visa valorizar e legitimar outras formas de saber sobre histoórias e fenômenos quê conhecemos pelo ponto de vista colonizador.

Por fim, você foi apresentado ao conceito de ideologia, compreendendo como ele se relaciona à ideia de cultura. Com base nele, é possível pensar sobre diferentes fenômenos do cotidiano, entendendo como pessoas e grupos sociais se posicionam e se expressam diante de situações diversas, a depender de sua posição na ssossiedade.

Com tudo isso em mente, reflita sobre as perguntas quê abrem êste capítulo. Você agora tem novas ferramentas para pensar sobre elas, podendo compreender melhor a diversidade e a complexidade do mundo em quê vivemos.

ATIVIDADES FINAIS

Consulte orientações no Manual do Professor.

1. Leia o trecho de texto a seguir e responda às kestões.

O conceito de cultura, ou a cultura como conceito, então, permite uma perspectiva mais consciente de nós mesmos. Precisamente porque diz quê não há homens sem cultura e permite comparar culturas e configurações culturais como entidades iguais, deixando de estabelecer hierarquias em quê inevitavelmente existiriam sociedades superiores e inferiores. Mesmo diante de formas culturais aparentemente irracionais, cruéis ou pervertidas, existe o homem a entendê-las - ainda quê seja para evitá-las, como fazemos com o crime – é uma tarefa inevitável quê faz parte da condição de sêr humano e viver num universo marcado e demarcado pela cultura. Em outras palavras, a cultura permite traduzir melhor a diferença entre nós e os outros e, assim fazendo, resgatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós mesmos. Num mundo como o nosso, tão pequeno pela comunicação em escala planetária, isso me parece muito importante. Porque já não se trata somente de fabricar mais e mais automóveis, conforme pensávamos em 1950, mas desenvolver nossa capacidade para enxergar melhores caminhos para os pobres, os marginais e os oprimidos. E isso só se faz com uma atitude aberta para as formas e configurações sociais quê, como revela o conceito de cultura, estão dentro e fora de nós.

MATTA, Roberto da. Você tem cultura? São Paulo: úspi e-Disciplinas, [2006]. p. 4. Artigo publicado originalmente no Jornal da Embratel, Rio de Janeiro, 1981. Disponível em: https://livro.pw/uxdog. Acesso em: 14 ago. 2024.

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a) As ideias do texto estão alinhadas aos princípios do relativismo cultural? Justifique.

1. a) Sim, pois o autor defende quê não há sociedades superiores ou inferiores, afirmando quê todas as culturas e configurações culturais devem sêr entendidas como entidades iguais.

b) Qual é, segundo o autor, a importânssia do conceito de cultura no enfrentamento dos dilemas da atualidade?

1. b) O autor afirma quê o conceito de cultura permite compreender akilo quê é diferente de nós, mesmo comportamentos quê nos parecem irracionais ou cruéis.

2. Defina, com suas palavras, o quê é ideologia. Em seguida, cite exemplos de ideologias presentes na ssossiedade em quê vivemos.

2. Espera-se quê os estudantes definam ideologia como um conjunto de pensamentos, ideias, doutrinas ou visões de mundo de um indivíduo ou grupo, quê orientam suas ações sociais e políticas.

3. (UECE – 2021) O infanticídio indígena é uma prática cultural ainda corrente entre alguns povos nativos do Brasil de hoje, como os Kamayurá, Yanomâmi, Kajabi, Bororo e Ticuna. Algumas situações diversas fazem com quê as indígenas pratiquem tal ato: quando a mãe tem filhos em pequenos intervalos de tempo, com menos de dois anos, por exemplo; crianças com deficiências motoras ou físicas; em casos raros, crianças do sexo feminino; quando nascem gêmeos, um é sacrificado; e, mesmo, quando nascem crianças albinas. Esta tradição coloca desafiadoras e importantes reflekções quê envolvem tanto o debate sobre o respeito à diversidade cultural e o combate ao etnocentrismo como a luta a favor dos direitos humanos contra esse costume e, ao mesmo tempo, a luta pela preservação da cultura dos povos indígenas.

Acerca do infanticídio indígena, assinale a afirmação verdadeira.

a) A luta pela proteção das culturas indígenas e a defesa dos direitos humanos não precisam estar desassociadas no desestímulo ao infanticídio.

b) A visão etnocêntrica sobre o fenômeno do infanticídio indígena é aquela quê nos faz enxergar com respeito e cuidado tal prática cultural.

c) As tribos indígenas quê cultivam êste costume devem sêr conservadas sem nenhuma intervenção para a garantia da diversidade cultural.

d) O combate dos direitos humanos contra a prática do infanticídio indígena coloca a divisão entre a cultura civilizada e a cultura bárbara.

Resposta: a)

4. (Enem – 2019)

É amplamente conhecida a grande diversidade gastronômica da espécie humana. Frequentemente, essa diversidade é utilizada para classificações depreciativas. Assim, no início do século, os americanos denominavam os franceses de “comedores de rãs”. Os índios kaapor discriminam os timbiras chamando-os pejorativamente de “comedores de cobra”. E a palavra potiguara póde significar realmente “comedores de camarão”. As pessoas não se chócam apenas porque as outras kómêm coisas variadas, mas também pela maneira quê agem à mesa. Como utilizamos garfos, surpreendemo-nos com o uso dos palítos pêlos japoneses e das mãos por certos segmentos de nossa ssossiedade.

LARAIA, R. Cultura: um conceito antropológico. São Paulo: Jorge Zarrár, 2001 (adaptado).

O processo de estranhamento citado, com base em um conjunto de representações quê grupos ou indivíduos formam sobre outros, tem como causa o(a)

a) reconhecimento mútuo entre povos.

b) etnocentrismo recorrente entre populações.

c) comportamento hostil em zonas de conflito.

d) constatação de agressividade no estado de natureza.

e) transmutação de valores no contexto da modernidade.

Resposta: b)

Página quarenta e nove

5. (UEM-PR – 2019)

“A alienação social se exprime numa teoria do conhecimento espontânea, formando o senso comum da ssossiedade. Por seu intermédio, são imaginadas explicações e justificativas para a realidade tal como é diretamente percebida e vivida. [...] A produção ideológica da ilusão social tem como finalidade fazer com quê todas as classes sociais aceitem as condições em quê vivem, julgando-as naturais, normais, corretas, justas, sem pretender transformá-las ou conhecê-las realmente, sem levar em conta quê há uma contradição profunda entre as condições reais em quê vivemos e as ideias.”

(CHAUI, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2011, p. 218).

Acerca do conceito de ideologia e de suas formas de proceder, assinale o quê for correto.

01. Como forma de conhecimento por meio do senso comum, a ideologia é um discurso crítico às teses científicas predominantes nas ciências sociais e exatas.

02. Uma ideologia procede por meio de “inversão” de causas e efeitos quando afirma, por exemplo, quê mulheres devem sêr submissas aos homens porque isso seria natural, tomando akilo quê é o efeito de condições históricas e sociais contingentes como a justificativa para essa própria organização social.

04. Um discurso ideológico é caracterizado pela lógica e pela coerência interna de seus argumentos, ainda quê suas proposições não possam sêr consideradas corretas.

08. A ideologia produz o imaginário social ao representar a experiência social imediata como um conjunto de normas e explicações para as relações sociais. Akilo “que todo mundo faz” constitui o comportamento “normal”, “correto”, sem quê se questionem suas razões.

16. A diversidade das posições ideológicas indica quê os indivíduos são livres para aderirem às visões de mundo quê melhor correspondem às suas preferências.

Soma: 02 + 08 = 10

6. (UEG-GO – 2015) Para márquis, diante da tentativa humana de explicar a realidade e dar regras de ação, é preciso considerar as formas de conhecimento ilusório quê mascaram os conflitos sociais. Nesse sentido, a ideologia adqüire um caráter negativo, torna-se um instrumento de dominação na medida em quê naturaliza o quê deveria sêr explicado como resultado da ação histórico-social dos homens, e universaliza os interêsses de uma classe como interesse de todos. A partir de tal concepção de ideologia, constata-se quê

a) a ssossiedade capitalista transforma todas as formas de consciência em representações ilusórias da realidade conforme os interesses da classe dominante.

b) ao mesmo tempo quê márquis critíca a ideologia ele a considera um elemento fundamental no processo de emancipação da classe trabalhadora.

c) a superação da cegueira coletiva imposta pela ideologia é um produto do esfôrço individual principalmente dos indivíduos da classe dominante.

d) a frase “o trabalho dignifica o homem” parte de uma noção genérica e abstrata de trabalho, mascarando as reais condições do trabalho alienado no modo de produção capitalista

Resposta: d)

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